Será possível regulamentar propriedade e capitalismo?

Fotografia: Aerial Collection

Adaptado do best-seller de Thomas Piketty de forma atraente e sem ”economês”, doc mostra como a elite econômica se manteve no poder através dos séculos e molda a forma como pensamos e vivemos.

Léa Maria Aarão Reis

Fonte: Carta Maior
Data original da publicação: 23/11/2020

Sobre o livro de 2013 do economista francês Thomas Piketty agora traduzido para a linguagem cinematográfica, o jornalista Jon Schwarz, que foi o pesquisador-chefe do filme clássico de Michael Moore, Capitalismo, uma história de amor, escreveu: ”Essa é a história que conta como a elite permanece no poder, vai passando seus privilégios para as próximas gerações e molda a forma como pensamos e vivemos.”

A ser lançado nestaa semana, em sessões de cinemas de diversas cidades brasileiras, *O capital no século XXI, exibido on line em outros países, vem sacudindo as chamadas grandes platéias (de ”leigos” em Economia) e provocando o mesmo entusiasmo com que o livro foi recebido: até agora, três milhões de exemplares vendidos no mundo.

Capital In The Twenty-First Century intercala, habilmente, referências à cultura pop, a livros e, em especial, cenas, clipes e pequenas sequências de filmes clássicos, e conta com intervenções de alguns influentes estudiosos em Economia, História e Sociologia, acadêmicos, professores e jornalistas: Kate Williams, Suresh Naidu, Gillian Tett, do Financial Times, Bryce Edwards, Joseph Stiglitz, Francis Fukuyama e, é claro, o próprio Pikkety, um economista que, estudante em Paris, aos 18 anos de idade, ficou marcado pela queda do Muro de Berlim, em 1971, e saiu para viajar e conhecer a Rússia, Hungria e a Romênia antes de iniciar seus estudos universitários.

Gillian Tett, aliás, se apresenta em uma das entrevistas mais expressivas do filme. ” O que mais importa”, diz o jornalista, se referindo às questões ligadas ao capitalismo, ”não é discutido na nossa vida cotidiana nem nas escolas porque esses tópicos são considerados chatos, irrelevantes, tabu ou simplesmente impensáveis”.

Com docs como o presente, talvez as coisas comecem a mudar.

O diretor é o experiente cineasta Justin Pemberton, radicado na Nova Zelândia, de onde vem também parte dos recursos da sua produção; um país onde se desenvolve, atualmente, a experiência de tentar a democracia capitalista através de uma via própria e inovadora. O roteiro, ágil e atraente, é de Pemberton, Piketty e do produtor neozelandês Matthew Metcalfe.

Diz Pembleton, em recente entrevista: ”Quando comecei a pesquisar, vi que as histórias sobre o capital são ricamente representadas pela cultura pop e pela literatura. Na versão impressa de Capital In The 21st Century, Thomas Piketty se baseia fortemente em referências de romances dos séculos 18 e 19 para pintar um quadro do passado porque os primeiros dados confiáveis de riqueza coincidem com a chegada do realismo na literatura; com Jane Austen e Balzac. Eles nos deram os primeiros vislumbres da rígida realidade da vida na Europa do século 19 e o público moderno ainda hoje é cativado por suas histórias”.

Pemberton fez um documentário sem ‘cabeças falantes” e sem enxurradas de gráficos nem de índices, e segue Piketty nessa viagem através da história moderna das nossas sociedades com seu ponto central nas crescentes desigualdades sociais. Um dos temas que mais preocupam e definem a nossa época.

Terrorismo, destruição do meio ambiente, racismo e as crescentes desigualdades sociais que contrapõem riqueza e o poder de um lado e, do outro, pobreza, precariedade e a miséria.

O recado de O capital no século XXI é claro: em busca do lucro (e com ”a ganância que é boa e funciona”, como aponta o filme com a sequência notável de Gordon Gekko discursando no filme Wall Street – poder e cobiça) o capitalismo gerou novas formas espetaculares de exploração aos trabalhadores sem que melhorasse a vida das pessoas comuns: classes médias e operariado. Pelo contrário. No decorrer dos tempos o capitalismo desenfreado enriqueceu os países, mas tudo ficou pior para essas classes, sob muitos aspectos, do que quando eram governados pelos … lordes e damas das cortes.

Fechando o documentário, é o próprio Pikkety quem se dirige diretamente ao espectador: ” Sempre houve políticos que exploraram a crescente desigualdade social. Pode-se ver isto claramente no mundo até 1914. Hoje, estou preocupado. No início deste século XXI, não estamos conseguindo regulamentar o capitalismo internacional, taxar bilionários e multinacionais. E direcionamos a nossa raiva e nossa frustração para outros alvos. O perigo atual é o dessa raiva mal direcionada”.

Mas será que já estamos prontos para ir às ruas protestar com fúria e rugir um basta a essa ”concentração da propriedade e do capital, e dela dentro do poder sobre a sociedade”? Talvez amanhã seja tarde demais.

Léa Maria Aarão Reis é jornalista e crítica de cinema.

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