por Charles Soveral [*]
Ainda sem data para apreciação dos deputados na Câmara Federal, a Emenda Constitucional 72, aprovada em 2 de abril deste ano e que equiparou os trabalhadores domésticos aos demais, completa seis meses sem regulamentação. Em 11 de julho passado a proposta recebeu sinal verde do Senado Federal e foi encaminhada à Câmara.
A demora na apreciação política do projeto pela Câmara dos Deputados faz a presidente da Federação Nacional dos Trabalhadores Domésticos, Creuza Maria Oliveira, temer pela perda qualitativa de direitos já assegurados, como o percentual de Fundo de Garantia, o valor das horas-extras e do seguro-desemprego. “Fora das manchetes de jornal e do acompanhamento da mídia, outros fatores podem derrubar os interesses dos trabalhadores”, adverte Creuza.
Entre os pontos de preocupação apontados pela presidente da Federação está a solução dada para o pagamento da multa em caso de demissão sem justa causa, bem como outras emendas à proposta pelo Senado. “Do jeito que está, o texto não nos contempla: banco de horas de 12 meses; a multa dos 40%, que, no caso de a trabalhadora ser dispensada por justa causa, é o empregador que vai pagar esse valor; a questão do trabalho por tempo parcial. Esperamos 25 anos para vermos nossos direitos ampliados. Se a regulamentação for aprovada da forma atual, vamos aguardar mais 25 anos ou até mais para consertar esse grande problema”, protesta ela.
Creuza avalia a evolução da trajetória de equiparação da sua categoria profissional com as demais. “Nós temos 77 anos de organização sindical de trabalhadores deste setor no Brasil. Em 1972 conseguimos a primeira lei. Depois avançamos mais um pouco na Constituição de 1988, quando já deveríamos ter nossos direitos reconhecidos. Infelizmente não conseguimos naquela data. O reconhecimento veio em 2011 com a Convenção 189 da OIT que abriu as portas para o atual momento. Mas ainda estamos dependendo da regulamentação para assegurar todos os direitos.”
No texto enviado para a Câmara dos Deputados está a proposta de redução de 12% para 8% da contribuição paga pelo empregador ao INSS e a diluição da multa sobre o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), a ser paga em caso de demissão sem justa causa. Com isso, o total de encargos sobre o salário do trabalhador será de 20%, sendo 8% de FGTS, mais 8% de contribuição patronal ao INSS e 3,2% referentes ao recolhimento antecipado da indenização por dispensa injustificada do empregado. Os 0,8% restantes são relativos ao seguro acidente de trabalho.
A Emenda Constitucional 72 garante também o seguro contra acidentes do trabalho,mas ainda não estão definidos os detalhes que dependem da regulamentação. No entanto, uma parte dos direitos já está valendo, como a jornada semanal de 44 horas e o 13º salário. “É o maior passo que a categoria dos trabalhadores domésticos já deu em toda a sua história. Isto é algo que deve orgulhar o Brasil”, comemora o senador Eduardo Suplicy (PT-SP).
Quem ainda tem dúvidas sobre o encaminhamento que será dado à regulamentação da emenda é o relator do projeto no Senado Federal, Romero Jucá (PMDB-RR), que vem cedendo a pressões políticas. “As emendas de qualquer parlamentar que queira melhorar ou modificar o projeto podem ser feitas direto no Plenário da Câmara dos Deputados. Nós aprovamos rapidamente no Senado essa matéria, mas é muito importante que o assunto possa ser tratado em profundidade na Câmara”, garante Jucá.
Chegar ao Plenário da Câmara está complicado. Os deputados precisam antes votar projetos que têm urgência constitucional. Os direitos dos domésticos estão na fila. “Nós queremos dar celeridade na Câmara, mas não podemos atropelar o regimento, nem a vontade de parlamentar e de líderes”, afirma o deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), presidente da Câmara.
O relator da proposta no Senado, fez ainda mais um ajuste no texto no último mês de agosto. Para evitar fraudes na obtenção do benefício do seguro-desemprego, inicialmente, a ideia era que o empregado só pudesse ser recontratado pelo mesmo empregador depois de dois anos. Alertado pelo Ministério do Trabalho (MTE) de que essa condição seria inconstitucional, o relator retirou o prazo, mas incluiu no texto os casos previstos na atual legislação que permitem o cancelamento do benefício quando identificada fraude. O relator também voltou atrás sobre a demissão por justa causa e reinseriu no texto os casos em que ela é prevista.
No texto original, o senador estabelecia que os empregadores pagassem um adicional no FGTS do empregado para garantir a indenização no momento da demissão. Os trabalhadores, por sua vez, poderiam sacar a diferença sempre que o contrato de trabalho fosse cancelado, independente do motivo da demissão.
Para que o patrão não tenha que pagar, de uma só vez, a multa de 40% sobre o FGTS, no caso de demissões sem justa causa, a nova proposta prevê a criação de um fundo de demissão. A ideia é que todo mês o empregador deposite 3,2% sobre o valor do salário do doméstico, além dos 8% para o FGTS. O valor adicional irá para uma conta separada do FGTS.
A novidade é que no caso de acordo para demissão entre as duas partes – chamado no texto de culpa recíproca – o valor do fundo de demissão – que corresponde a multa de 40% sobre o valor do FGTS – será dividido igualmente. Nos casos em que houver justa causa, o valor da multa será devolvido integralmente ao patrão.
Para Eliana Menezes, presidente do Sindicato das Empregadas e Trabalhadores Domésticos da Grande São Paulo (Sindoméstica), é preciso estar atento ao processo de regulamentação. “As regras precisam ficar claras e bem definidas e os trabalhadores precisam assegurar os direitos já adquiridos”, observa ela. Eliana lembra que direitos previstos na PEC das Domésticas, como o auxílio creche,precisam ser garantidos. “Hoje temos uma carga horária definida. Um piso definido. E não aconteceu o desemprego que falaram”, assinala ela.
A presidente do Sindoméstica diz que desde a aprovação do texto em abril, patrões e trabalhadores já tiveram mais tempo para amadurecer e se adaptar às novidades. Em São Paulo, uma convenção coletiva assinada pelo Sindoméstica no final de junho ajudou a definir melhor os detalhes da nova legislação, enquanto a regulamentação do Congresso não sai. O acordo prevê regras para pontos polêmicos como o prazo para pagamento do banco de horas e define que, em caso de descumprimento das normas, o empregador deverá pagar multa de 10% do salário mínimo federal.
As regras mais claras da convenção do sindicato, conta Eliana, ajudaram a diminuir uma tendência de demissão que começou a surgir logo após a promulgação da PEC. No começo, o percentual de demissão chegou a 5%, mas o mercado voltou a admitir recentemente.
Ainda é cedo, no entanto, para apontar uma tendência mais sólida de demissões. Cinco meses depois do primeiro passo da nova legislação, números oficiais mostram dados heterogêneos. De acordo com dados do Ministério da Previdência Social, obtidos pelo Instituto Doméstica Legal, entre março e julho deste ano, houve aumento de 1,76% no número de trabalhadores com carteira assinada, que chegou a 1,3 milhão. No entanto, na região Sudeste, houve diminuição da formalidade. No Rio, no mesmo período, a quantidade de trabalhadores com carteira caiu de 161.878 para 159.933, recuo de 1,2%.
“O aumento nacional foi puxado pelo Norte e Nordeste, onde a formalidade era menor. Com essa massificação da questão da PEC, muita gente despertou. No caso da região Sul e Sudeste, onde tem a maior formalidade, houve demissão de trabalhadores. Não é porque aumentou a formalidade nacionalmente que a coisa está uma maravilha”, afirma Mario Avelino, presidente do Instituto Doméstica Legal.
No Rio de Janeiro, a presidente do sindicato da categoria, Carli Maria, admite que houve avanços, mas, para ela, na prática, nada mudou. “Não mudou nada. Só a jornada de trabalho, o que já é um avanço, mas não mudou nada. A regulamentação está senda cozida em banho-maria”, conclui ela.
[*] Com informações da Agência Brasil, Agência Câmara Notícias (depoimento de parlamentares) e Telejornal Bom Dia Brasil.