Antonio Baylos
Tradução: DMT
Na crise, a remuneração dos altos executivos de empresas cresce irresistivelmente enquanto os salários dos trabalhadores caem ou ficam congelados. Um exemplo trazido da experiência espanhola: o presidente de uma cervejaria recebeu 2,35 milhões de euros em 2013, de modo que seu trabalho foi remunerado 260 vezes mais do que o de um trabalhador não qualificado (a título de referência, um professor universitário com mais de 30 anos de profissão ganha oito vezes o salário anual de um trabalhador não qualificado). Trata-se de um exemplo de uma tendência generalizada. Os alto executivos das empresas e dos bancos, independentemente do sucesso ou fracasso do seu negócio, ganham muito mais do que qualquer trabalhador ou alto funcionário. São pagos ostensivamente e suas remunerações são aumentadas apesar da crise e da austeridade que se defende para a sociedade e o trabalho.
Os estudos econômicos de que se dispõe – embora não sejam tornados públicos e nem divulgados pelos meios de comunicação de propriedade dos grandes bancos e das grandes empresas – indicam que há uma clara relação entre a renda dos dirigentes, incluindo pagamento de bônus, ou seja, o aumento exponencial das remunerações dos que ganham mais, com a queda dos salários reais dos trabalhadores, especialmente na parte inferior da pirâmide, dos que ganham menos.
Na Espanha, o sindicato CC.OO. avaliou em julho de 2014 os resultados das negociações coletivas após as reformas legais que restringiram a capacidade de contratar dos sindicatos, afirmando que tinham conseguido manter com poucas reduções a sua cobertura (mais de oito milhões de pessoas), ainda mais considerando a extensa destruição de empregos e o fechamento de empresas que começou a ocorrer a partir de 2012. Mas no mesmo relatório se observou que a desvalorização dos salários era a regra e que os cortes salariais foram generalizados em todos os ramos e empresas, juntamente com o agravamento das condições de trabalho.
Também é certo que o salário acordado em convênio não é um fator determinante para os salários reais recebidos pelos trabalhadores e trabalhadoras em condições de precarização, jornada parcial e irregular (falsos autônomos, falsos estagiários, ou simplesmente trabalhadores ilegais), que na crise vêm representando uma forma de uso da força de trabalho pelas empresas e que, por definição, é um setor de trabalhadoras e trabalhadores não sindicalizados e desvinculados das pautas da determinação coletiva das condições de trabalho. Este fato inegável não apenas coloca em crise a representação sindical – e impõe a abordagem desta questão como um ponto central na concepção da estratégia sindical –, como também precariza os salários tanto dos trabalhadores não qualificados quanto de setores importantes de profissões com forte presença de trabalho cognitivo. As estatísticas mais recentes indicam que um grupo significativo de trabalhadores deve ser considerado imerso no campo da pobreza, e o termo “trabalhadores pobres” não se refere apenas a um conceito científico, mas a uma realidade crescente.
A relação entre o desemprego e a pobreza é o ponto final da desigualdade. A pobreza cresce e quase 25% dos lares espanhóis estão abaixo da linha da pobreza. Os benefícios sociais que poderiam mitigar esse quadro são insuficientes e estão se esgotando. Contra isso, é demagógico lembrar que os dirigentes das grandes empresas recebem remunerações milionárias e que aumentam anualmente, e que para eles a crise nunca existiu?
Não basta fazer julgamentos morais sobre o crescimento da desigualdade ou considerar a insolência do dinheiro como um fato imutável. Os sindicatos e os partidos políticos de esquerda têm que começar a planejar iniciativas que expropiem os lucros empresariais que não consideram a função social da livre iniciativa e enfatizam conscientemente a desigualdade social e econômica que a Constituição espanhola, em seu artigo 9.2, compromete-se a reduzir gradualmente. Levar a sério a declaração política do povo espanhol que se cristaliza no texto constitucional significa combater seriamente o aumento da desigualdade baseada na violência da crise, na erosão dos direitos trabalhistas e no desemprego em massa, na desvalorização do trabalho como eixo em torno do qual se constrói a cidadania e a solidariedade, na degradação dos salários a um nível de subsistência sem dignidade. E é uma luta que deve ser realizada nos planos econômico e social, mas também diretamente no político e, finalmente, no cultural e ideológico, rompendo o silêncio e a desinformação, combatendo a manipulação de uma opinião pública que se destina a corromper e desinformar.
Antonio Baylos é doutor em Direito pela Universidad Complutense de Madrid; Professor Catedrático de Direito do Trabalho e Seguridade Social na Universidad de Castilla La Mancha – Madrid; Diretor do Departamento de Ciência Jurídica da Facultad de Derecho y Ciencias Sociales de Ciudad Real; Diretor do Centro Europeu e Latino-americano para o Diálogo Social (CELDS).