Rombo na Americanas ‘não é nada para quem causou’, mas deve custar sustento de 100 mil trabalhadores

O calote de mais de R$ 40 bilhões na Lojas Americanas não deve mudar em nada a vida de seus controladores, mas vai pesar na conta dos mais de 100 mil trabalhadores que atuam direta ou indiretamente nas 3.604 lojas físicas da empresa. O alerta é do economista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) João Sicsú, que prevê o “maior prejuízo” do golpe contábil para a categoria se não houver responsabilização.

Ontem (19), a Americanas entrou com pedido de recuperação judicial na vara empresarial do Rio de Janeiro. Por meio desse processo, a empresa pode ganhar seis meses de prazo para apresentar uma proposta de pagamento aos seus credores. Ao todo, a varejista tem dívida de pelo menos R$ 43 bilhões com aproximadamente 16,3 mil fornecedores.

Se concedida a recuperação judicial, ela poderá contar ainda com uma extensão do prazo para um acordo com os credores. Mas o mais provável é que, ao final de um ano, o calote seja concretizado, dada a condição contábil da rede, exposta na imprensa. 

Consumado o calote, a consequência será um drama pela frente para os trabalhadores e fornecedores. “Se receberão ou não, quanto receberão, quanto vai ser perdido. Então vai ser uma situação dramática pelos próximos seis meses. E depois de um ano (…) que ficar no prejuízo, o drama vai aumentar. E eu digo que o maior prejuízo disso tudo será dos trabalhadores, que ficarão sem emprego e sem salário”, contesta o economista em entrevista a Rafael Garcia, do Jornal Brasil Atual.

Calote bilionário de bilionários

De acordo com Sicsú, a conta pelo rombo deveria ser paga pelos bilionários Jorge Paulo Lehmann, Beto Sucupira e Marcel Telles. Os três controlavam a maior parte das ações da empresa, por meio da 3G Capital, e são suspeitos de terem participação direta nas práticas da varejista que levaram ao endividamento milionário. Curiosamente, em novembro do 2021, a 3G decidiu abrir mão do controle societário da Americanas. E entre agosto a outubro do ano passado, os diretores das Americanas venderam R$ 223 milhões em ações. Às vésperas da divulgação do rombo, ainda foram resgatados R$ 800 milhões em investimentos no Banco BTG Pactual, de acordo com o Jornal GGN.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) destacou em comunicado ontem que vai investigar o caso por meio de uma força-tarefa. A autarquia detalhou que serão instaurados sete procedimentos administrativos de análise, apuração e investigação em cooperação com a Polícia Federal e o Ministério Público Federal.

Mas, na avaliação do professor e economista, as inconsistências contábeis das Americanas deveriam ser analisadas por outros órgãos. Incluindo uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) pelo Senado e a Câmara. “Para avaliar o que aconteceu, mostrar quem são os responsáveis e dizer o patrimônio que eles podem colocar para garantir os empregos que as Lojas Americanas geraram. É muito importante que seja colocado dinheiro para garantir as lojas. Os recursos de seus proprietários não são importantes. Aliás, não são importantes nem para mim e nem para eles, porque é tão pouco diante da fortuna que eles têm que as lojas Americanas para eles não são nada. Mas para os trabalhadores que lá trabalham é muita coisa. Isso representa a vida de 100 famílias”, adverte Sicsú. 

Prejuízos em cascata

“Não tenho dúvidas de que foi um calote, não vejo nenhuma grande empresa dar calote dessa natureza e seus controladores, como os três reis magos desta empresa, entrarem em falência, irem morar num apartamento de classe média. Isso não acontece. O que é resultado disso é que nada muda na vida dessas pessoas. Então temos que entender que isso para os trabalhadores e alguns fornecedores é muita coisa. Mas para eles não é nada (perto) da fortuna que eles possuem”, completa. 

Outra previsão é que o calote bilionário prejudique ainda toda uma cadeia de produção da economia e indústria brasileira. A Lojas Americanas, por exemplo, era a maior vendedora de ovos de Páscoa. E boa parte da produção de fabricantes era descarregada na empresa. Além disso, elas eram também “lojas âncoras” de diversos shoppings. A varejista anunciou, nesta quinta, que seguirá operando “normalmente” dentro das regras de recuperação judicial. 

De acordo com o economista, é possível que as lojas continuem mesmo abertas dado o estoque da empresa. Mas a tendência é que ele comece a “definhar” à medida que as empresas vão deixar de fornecer devido à falta de pagamento. O que vai prejudicar todo o fluxo de comércio de fornecedores que era pensado exatamente para atender a gigante varejista. 

Mão visível do Estado

O caso mostra que grandes empresas, como a Americanas, precisam ser fiscalizadas, auditadas, observadas e acompanhadas por órgãos isentos ao longo do tempo, em especial estatais, conforme sugere o economista. Já que os balanços das lojas, que se mostraram fraudulentos, foram aprovados pelas ditas renomadas empresas de capital privado, como a consultoria PwC, nos últimos anos. 

“Porque senão as grandes empresas se tornam controladoras de enormes cadeias para frente e para trás. Na verdade, elas controlam o preço no consumo e também junto aos fornecedores, porque eles produzem aquela quantidade enorme e as Lojas Americanas estabelecem quanto vão comprar. E se elas disserem que não vão comprar, os fornecedores quebram. E é o que vai acontecer agora”, lamenta Sicsú

Fonte: Rede Brasil Atual
Data original da publicação: 20/01/2022

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