Robotização, Gig economy e Dividendo Básico Universal

As novas transformações do trabalho exigem respostas à altura dos desafios do presente.

Pedro Veríssimo

Fonte: Carta Capital
Data original da publicação: 08/11/2018

As transformações no mercado de trabalho parecem cada dia mais velozes. Internet das coisas, cidades inteligentes, infofaturação, robotização e indústria 4.0 são termos que vem aparecendo sempre mais em nossas conversas. Não por acaso: a consultoria McKinsey afirma que, hoje, 45% das atividades remuneradas poderiam ser realizadas por máquinas. Ainda segundo a consultoria, entre 400 e 800 milhões de pessoas terão de procurar novas ocupações por conta da automatização até 2030.

A divisão “Google Deep Mind”, por exemplo, desenvolve tecnologia capaz de “aprender a resolver qualquer problema complexo” a partir da autoaprendizagem. Recentemente uma polêmica surgiu com relação a parceria entre Google Deep Mind e o Serviço Nacional de Saúde Britânico, quando este disponibilizou os dados de 1,6 milhão de pacientes para que a ferramenta desenvolvesse previsões.

Outro exemplo é a Foxconn, que hoje emprega mais de um milhão de trabalhadores na China. Segundo suas previsões, 30% desses funcionários serão substituídos por robôs até 2020.

Todas essas mudanças, por um lado, criam novas demandas de trabalhadores especializados, novas faculdades e perfis de profissionais, e por outro faz crescer a chamada “Gig Economy”, ou economia sob demanda, que diz respeito aos empregos pontuais e intermitentes. Só para se ter uma ideia, entre 2012 e 2016, o número de “Gig Workers” aumentou 10 vezes. Seguindo esse crescimento, a Intuit Research, prevê que “até 2020 a Gig Economy compreenderá 40% dos trabalhadores americanos”.

Por um lado, há uma tentativa de dar uma cara de “liberdade” para esse tipo de trabalho, que não obrigaria mais as burocracias dos escritórios e horários fixos, mas a prática acabou mostrando o aumento de trabalhos precários, de baixos salários, sem vínculos ou garantias de seguridade social. Percebendo essa tendência, vem aparecendo de modo cada vez mais constante (e polêmico) a ideia de uma “renda mínima universal”.

Essa não é uma ideia nova, setores da esquerda vem defendendo há algum tempo e alguns países já adotaram tal prática. Mas o surgimento das novas tecnologias e mudanças na produção, já tratadas aqui, deram mais força a tal possibilidade. Nomes como Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, Elon Musk, fundador da Tesla, Albert Wenger, sócio da Union Square Ventures, Sam Altman, presidente da Y Combinator, e Richard Branson, fundador do grupo Virgin, são alguns dos nomes que defendem a iniciativa.

Um caso que ficou conhecido é o da ONG GiveDirectly, que escolheu um vilarejo rural do Quênia para avaliar os impactos da renda mínima na vida das pessoas, projetos financiados por pessoas de todo o mundo. O projeto se dá em partes: começou com um primeiro grupo de 100 pessoas. Depois, passará para seis mil que receberão determinado valor mensal durante doze anos. Outro grupo, esse um pouco maior, com 10 mil pessoas, receberá mensalmente por dois anos. Um terceiro grupo, também de 10 mil pessoas, receberá o montante desse acúmulo de dois anos de uma só vez. O objetivo é analisar os diferentes efeitos.

Embora o exemplo seja um avanço nas possíveis soluções para o processo de robotização e precarização do trabalho com todas as suas consequências psíquicas (burnout, depressão etc), a solução não deve depender da boa vontade de meia dúzia de bilionários (lógica ainda centrada na iniciativa privada), mas da ação de governos que estabeleçam uma legislação garantidora dessa fonte de renda.

Hoje, grande parte dos lucros da robotização estão em offshore fora dos países de origem das empresas (só para se ter uma ideia, a Apple tem cerca de 230 bilhões de dólares em dinheiro não tributável). Seguindo os questionamentos de Francesca Bria, chefe de tecnologia e inovação digital da prefeitura de Barcelona, precisamos garantir que o lucro das empresas “não descanse em contas offshore, mas que se invista em infraestrutura social para criar valor a longo prazo para a sociedade e promover um crescimento inteligente, inclusivo e sustentável (…) O desafio é desenvolver uma economia social e um sistema previdenciário que não estejam exclusivamente orientados para o mundo do trabalho. Precisamos de uma revolução em muitos dos nossos hábitos e ordens sociais e econômicos. Temos que inventar novas instituições (como o salário básico) que aproveitem essa transformação de base tecnológica para o benefício coletivo”

Tradicionalmente, rendimentos são aqueles obtidos por aluguéis, capital (dividendos) e trabalho (salário). Uma renda básica, ao contrário, são provenientes de um acordo social não ligado a questão produtiva. Há, por parte de algumas tendências, a justificativa da renda básica pela propriedade comum da humanidade sobre a terra e seus recursos naturais, outros defendem pelo direito humano à vida, saúde, moradia, etc., reconhecido na Carta das Nações Unidas. Nesses casos, o financiamento está baseado em orçamentos públicos, isto é, em impostos. Mas vamos nos atentar, para esse texto, no Dividendo Básico Universal (individual, incondicional e universal), apresentado no documento “El New Deal Europeo de DiEM25” (Democracy in Europe, Movement 2025), grupo fundado por Yanis Varoufakis.

As informações que seguem, a quem interessar, estão no blog de Juan Carlos Martínez Coll: “La economia que podemos”. Dentre outras atribuições, Martínez é professor titular de Economia Aplicada, militante do “Círculo de Economía y Hacienda de Podemos” e voluntário do DiEM25.

O DBU (Dividendo Básico Universal) se justifica no conhecimento acumulado pela humanidade e, sobretudo, pelas pesquisas financiadas pelos Estados. Varoufakis dá como exemplo os smartphones, que são resultados de muitos avanços tecnológicos distintos, frutos de investigações realizadas em universidades e organismos financiados com dinheiro público. O mesmo podemos dizer das patentes dos produtos farmacêuticos, por exemplo, ou ainda o Google e o Facebook que estão se apropriando dos dados de seus usuários para produzir riqueza.

A proposta, então, é criar um “Depósito de Capital do Bem Comum”, formado por:

1 – Os ativos adquiridos pelos programas de “quantitative easing”[1] dos bancos centrais. Por exemplo: o Banco Nacional da Suíça, para manter baixo o preço de sua moeda, criou uma grande quantidade de francos suíços que utilizou para adquirir ativos financeiros. Os benefícios destes ativos no ano de 2017 foram de 46.058 milhões de euros.

2 – Uma porcentagem das ações de cada “Oferta Pública Inicial” (abertura de capital de uma empresa) ou ampliação de capital das grandes empresas. Se parte da riqueza das empresas foram criadas pela sociedade, é lógico que a sociedade tenha propriedade de parte das ações dessa empresa.

3 – Participações na distribuição de direitos de propriedade intelectual e monopólios sobre conhecimento comum. As patentes geram enormes receitas para as empresas que as possuem. Eles são a principal fonte de benefícios para grandes conglomerados multinacionais. Mas se as tecnologias e o conhecimento patenteados foram construídos sobre tecnologias de conhecimento e propriedade comum, é lógico que o “Depósito de Capital do Bem Comum” seja co-proprietário dessas patentes.

O fundo de capital comum não é uma ideia nova. O que se propõe, nesse caso, é que os rendimentos desse fundo sejam repartidos como “Dividendo Básico Universal”, que são independentes de outros “benefícios” como o seguro desemprego, aposentadoria etc, deixando claro que esse não substitui o estado de bem-estar social. Além disso, o DBU não é um fim em si, mas parte de um amplo programa de reformas democráticas previstas pelo DiEM25.

Com essa iniciativa, a proposta de uma renda básica foge à lógica neoliberal e ganha status de lei, com métodos e regras próprias. Uma renda dessa, além de ser justa pelos motivos aqui apresentados, possibilitará o começo de uma nova relação de produção e convívio entre as pessoas.

Notas:

[1] Quantitative easing (QE), conhecido também como flexibilização quantitativa ou politica de harmonização financeira quantitativa, é a criação de quantidades significantes de dinheiro novo eletronicamente, por um banco, mas autorizado pelo Banco Central, mediante o cumprimento das normas de percentuais pré estabelecidos.

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