Ricos mais ricos e pobres mais pobres: Bolsonaro combaterá a desigualdade?

Leonardo Sakamoto

Fonte: UOL
Data original da publicação: 26/11/2018

De uma média mensal de renda de R$ 217,63, em 2016, os 10% mais pobres passaram a R$ 198,03 em 2017 – uma perda de 9%. Enquanto isso, os 10% mais ricos aumentaram sua renda em 2,09%, chegando a R$ 9.519,10/ mês. Sendo que, entre esses 10%, 12 milhões ganharam até R$ 17,8 mil de renda tributável e 1,2 milhões – o 1% mais rico – tiveram rendimento médio superior a R$ 55 mil/mês. Esse valor é 36,3 vezes maior que o dos 50% mais pobres.

Os números são de relatório da Oxfam Brasil baseado em dados do IBGE divulgado na segunda (26/11).

A renda média das mulheres em relação aos homens teve a primeira queda em 23 anos: em 2016, elas ganhavam 72% dos homens e passaram para 70% em 2017. Já a população negra ganhava 57% do rendimento médio dos brancos, em 2016, e caiu para 53% em 2017. Entre os 50% mais pobres, os homens perderam 2% de sua renda e as mulheres 3,7%. Entre os 10% mais ricos, os homens aumentaram em 19% seus rendimentos e as mulheres, 3,4%.

As recomendações do relatório para reduzir esse quadro passam por uma Reforma Tributária com justiça social – o que teria sido mais importante para a qualidade de vida dos mais pobres do que a Emenda do Teto dos Gastos, segundo a organização. Isso incluiria o retorno da taxação de dividendos, ou seja a parcela de lucros distribuída aos acionistas, e criar novas alíquotas do Imposto de Renda para os mais ricos.

“Eu acho que no Brasil você não pode falar em mais ricos, está todo mundo sufocado. Se você aumentar a carga tributária para os mais ricos, como a França fez no governo anterior, o capital foi para a Rússia. O capital vai fugir daqui, a carga tributária é enorme. Quase tudo é progressivo no Brasil”, declarou o então candidato Jair Bolsonaro, em entrevista no dia 17 de outubro.

Os número da Oxfam, contudo, mostram que quem sufocou na crise foram os mais pobres, a classe média, os pequenos empresários. Os mais ricos, que andavam desgostosos, enfim conseguiram alguém para defendê-los sem constrangimento. Bolsonaro, nessa declaração, explicava que era contra a criação de lei para taxar os afortunados – uma das alternativas para reduzir a desigualdade.

Durante a campanha, o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu baixar as alíquotas do Imposto de Renda de 22,5% e 27,5% para 20%, o que beneficiaria quem ganha mais. Isso vai no sentido contrário dos debates públicos mais recentes, que é melhorar a progressividade do imposto no Brasil, ou seja, quem ganha mais, paga bem mais.

Por outro lado, também propôs taxar os dividendos em 20% e baixar os impostos sobre a renda das empresas de 34% para 15%.

É necessário esperar para ver se ele realmente confirma essa proposta quando sua gestão começar – e se Bolsonaro permitirá isso. No Brasil, é uma discussão urgente, pois a falta de cobrança sobre dividendos garante que os super-ricos paguem, no final das contas, menos imposto no Brasil que a classe média. Nesse ponto, praticamente todos os candidatos à Presidência da República concordaram que é preciso corrigir essa distorção, reduzindo o IR das empresas e recriando a taxação dos acionistas.

A equipe do então ministro da Fazenda Henrique Meirelles, no ano passado, estudou o retorno da taxação de dividendos, que é isento desde o governo Fernando Henrique, mas foi bombardeada de críticas de parte dos mais ricos.

Outra discussão urgente sobre o tema seria uma atualização da tabela do IR, que – hoje, defasada – pune também a classe média. E a criação de alíquotas maiores, de 30% ou 35%, por exemplo, para quem ganha valores como R$ 20 ou R$ 40 mil/mês. A medida teria que vir casada com outras para evitar pejotização dos profissionais de mais alta renda, claro – o próprio Paulo Guedes alertou para a necessidade de criação de mecanismos para evitar isso.

Tudo isso não resolve nosso problema fiscal, mas nem é esse o objetivo.

O problema da desigualdade social e econômica não é uma questão meramente fiscal. A desigualdade dificulta que as pessoas vejam a si mesmas e às outras pessoas como iguais e merecedoras da mesma consideração. Leva à percepção de que o poder público existe para servir aos mais abonados e controlar os mais pobres. Ou seja, para usar a polícia e a política a fim de proteger os privilégios do primeiro grupo, usando violência contra o segundo, se necessário for. Com o tempo, a desigualdade leva à descrença nas instituições. O que ajuda a explicar o momento em que vivemos hoje.

O Brasil é um grande Robin Hood às avessas: o sistema tira dos pobres para garantir aos ricos. Enquanto um sócio de empresa recebe boa parte de sua renda de forma isenta, um metalúrgico e uma engenheira contratados via CLT são obrigados a bancar alíquotas de até 27,5% por salários que mal pagam um plano de saúde privado ou a escola particular dos filhos. E um camelô ou uma trabalhadora empregada doméstica sem carteira deixam boa parte de sua pouca renda em impostos ao adquirir alimentos e roupas e usar transporte público.

Como já disse aqui antes, entendo que este grande barco chamado Brasil seja um transatlântico de passageiros, com divisões de diferentes classes, com os mais ricos tendo mais conforto em suas cabines. Não estou propondo uma revolução imediata para que cabines diferenciadas deixem de existir – apesar de ser uma maravilhosa utopia. O ideal, pra já, seria que as cabines de terceira classe contassem com a garantia de um mínimo de dignidade e as de primeira classe pagassem passagem proporcional à sua renda. E que, ao contrário do Titanic, tenhamos botes salva-vidas para todos e não apenas aos mais ricos.

Na prática, contudo, seguimos sendo um navio que carrega escravos, com parte dos passageiros chicoteando a outra parte. Afinal, o Brasil ao invés de buscar medidas que amorteçam o sofrimento dos mais pobres, que são os que mais sentem uma crise econômica, tenta preservar os mais ricos e as associações empresariais que trocam governos e elegem representantes.

Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e o desrespeito aos direitos humanos no Brasil. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil e conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão.

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