Com a emergência de empresas que operam transnacionalmente, a responsabilidade das corporações em proteger os direitos humanos ganhou centralidade na agenda internacional.
Inês Virgínia P. Soares, Juan Pablo Boholavsky e Marcelo Torelly
Fonte: Folha de São Paulo
Data original da publicação: 06/03/2016
Com a emergência de empresas que operam transnacionalmente, a responsabilidade das corporações em proteger os direitos humanos ganhou centralidade na agenda internacional. Em 2011, a ONU aprovou os “Princípios Ruggie”, sobre o compromisso das corporações na garantia desses direitos.
Para implementar os princípios, criou-se o Grupo de Trabalho Empresas e Direitos Humanos, e se debate a criação de um tratado vinculante.
O grupo visitou o Brasil em 2015. A coincidência da visita com tragédia de Mariana realçou o acerto do roteiro da missão, focado na violação aos direitos socioambientais. Meses após o ocorrido, a Samarco ainda não apresentou respostas adequadas para a reparação das vítimas e do meio ambiente, nem para a prevenção de novos acidentes.
Em outro caso recente, o Brasil deve ser condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos pelo uso de trabalho escravo por empresários ruralistas no Pará.
Essas situações ilustram a falta de consenso sobre formas e limites para responsabilizar empresas que violam direitos humanos em suas atividades econômicas. Mas há exemplos internacionais inspiradores: na última década, empresas foram denunciadas em casos de grande visibilidade nos Estados Unidos, na União Europeia e na Argentina.
A busca por justiça pode ser tanto por violações em tempos democráticos quanto em contextos de guerra e autoritarismo. Comissões da Verdade do Quênia, da Libéria, de Serra Leoa, da África do Sul e do Timor Leste incorporaram o tema em suas investigações. A Argentina aprovou a criação de uma comissão exclusiva para o tema da cumplicidade empresarial com a ditadura.
Em distintas medidas, os setores empresarial e financeiro apoiaram a ditadura no Brasil. O relatório da Comissão Nacional da Verdade expõe claras evidências sobre as relações entre o regime autoritário e os atores econômicos.
Dentre as corporações apontadas está a Volkswagen, contra a qual foi instaurada investigação no Ministério Público Federal de São Paulo por provocação de um grupo de sindicatos que reuniu vasta documentação sobre as violações praticadas durante a ditadura. O procedimento é recente, mas a celeridade para reparação espontânea dos danos por práticas hoje consideradas abomináveis é medida esperada para uma empresa desse porte.
É fundamental combinar ações voluntárias e coercitivas. Um bom exemplo é o Termo de Ajustamento de Conduta firmado pelo Itaú com o Ministério Público Federal de Minas Gerais por conta da referência ao “aniversário da revolução” de 64 em sua agenda de 2014.
O Itaú assumiu espontaneamente uma responsabilidade por dano à memória coletiva, abraçando a reparação aos povos indígenas vítimas da ditadura ao arcar com projetos culturais.
O cumprimento dessas obrigações é uma relação virtuosa não apenas com a democracia e os direitos humanos, mas com o Estado de Direito, combinando o dever do Estado de proteger e a responsabilidade das corporações em respeitar e garantir os direitos humanos.
Inês Virgínia P. Soares, 47, é procuradora regional da República em São Paulo.
Juan Pablo Boholavsky, 39, é especialista independente da ONU para dívida externa e direitos humanos.
Marcelo Torelly, 31, advogado, é membro da comissão de altos estudos do Memórias Reveladas, projeto que reúne a documentação sobre a ditadura.