O Brasil aparece, ao lado das Filipinas, como um dos países referência em iniciativas inovadoras para combate ao trabalho escravo em todo mundo, conforme o relatório “The Global Slavery Index”, divulgado na quinta-feira, dia 17, pela organização não-governamental Walk Free, sediada na Inglaterra. O estudo apresenta elogios à política nacional de combate e também recomendações, incluindo a de que o Congresso Nacional deve priorizar a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional que prevê a expropriação de propriedades em que for flagrado trabalho escravo e sua destinação para reforma agrária ou uso social, a chamada PEC do Trabalho Escravo. O documento, disponível somente em inglês, é composto por uma versão para impressão em PDF (clique aqui para baixar o estudo na íntegra e aqui para acessar o sumário executivo) e de uma versão digital complementar com mais informações, em que é possível visualizar um mapa com estimativas da incidência de escravidão no planeta.
O Brasil recebeu elogios por ter uma definição de escravidão que engloba diferentes aspectos da exploração de escravos, e não apenas as restrições de deslocamento. O crime está previsto no Artigo 149 do Código Penal. “A definição legal prevê um ou mais das quatro caracterizações: submeter pessoas a trabalho forçado; submeter trabalhadores a jornadas exaustivas; submeter trabalhadores a condições degradantes; e restringir, por qualquer maneira, o deslocamento de trabalhadores devido a dívidas”, detalha o estudo da Walk Free. “Enquanto trabalho forçado e restrições de deslocamento são elementos típicos nas definições internacionais, a definição brasileira é importante por reconhecer realisticamente o papel que jornadas exaustivas e condições degradantes, que são uma negação dos patamares mínimos de dignidade, têm em reduzir um individuo psicológica e fisicamente a um ponto em que ele não pode exercer suas liberdades”, diz o documento (leia aqui as referências ao Brasil em inglês).
Mecanismos institucionais para combate também foram referenciados no documento, tais como a criação do cadastro oficial de empregadores flagrados com escravos, a “lista suja” do trabalho escravo, e a formação de equipes de fiscalização multidisciplinares compostas por auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT) e agentes da Polícia Federal reunidos no Grupo Especial Móvel de Combate ao Trabalho Escravo. “As agências de combate são altamente treinadas para serem capazes de distinguir entre condições de escravidão e condições menos severas que são tratadas com outros mecanismos de correção”, diz o texto.
Também foi elogiado o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, e o mapeamento de cadeias produtivas para fortalecer a transparência em diferentes setores e iniciativas de responsabilidades empresarial. Por último, o documento destaca o fato de o país ter ratificado as principais convenções internacionais para combate à escravidão contemporânea – apesar de o texto lembrar que o Brasil ainda não ratificou a Convenção 189 da Organização Internacional do Trabalho, que garante direitos de trabalhadores domésticos.
Apesar de apontar a política brasileira de combate ao trabalho escravo como referência, o relatório também aponta dificuldades para fortalecer o combate à prática, incluindo a pressão de parte dos latifundiários do país e intimidações sofridas por ativistas contra escravidão.
As Filipinas foram elogiadas por iniciativas e programas em 36 países diferentes para assistência a trabalhadores filipinos imigrantes em situação vulnerável (clique aqui para ler mais sobre o país em inglês).
Panorama geral
O estudo é o levantamento mais completo já feito sobre trabalho escravo em nível mundial e fornece subsídios importantes para o debate sobre como fortalecer o combate de maneira internacional. Além de análises aprofundadas sobre diferentes países e políticas públicas, o documento apresenta também estimativas da incidência de escravidão em diferentes países. O Brasil, segundo a estimativa da Walk Free, tem entre 200 mil e 220 mil escravos hoje, número que deixa o país na 94ª posição no ranking desenvolvido pela organização.
Cabe a ressalva, no entanto, que a estimativa deve ser usada com cuidado na formulação de políticas públicas ou no desenvolvimento de ações. Ao contrário de outros países, o Brasil possui uma grande quantidade de dados sobre o perfil dos trabalhadores resgatados em situação análoga à de escravidão (quem são, de onde vieram, como vieram, qual o grau de escolaridade, nível de renda, gênero, entre outros) e para que atividades foram explorados. O estudo da Walk Free utiliza modelos estatísticos para estimar o número de escravos em países com menos informação. Portanto, para o desenvolvimento de um índice mais acurado, deve-se usar os dados disponíveis produzidos pelas instituições públicas de combate ao trabalho escravo, como o Ministério do Trabalho e Emprego. O Brasil foi palco do resgate de mais de 45 mil trabalhadores desde 1995.
Além de uma análise sobre as políticas nacionais, o relatório também apresentou sete recomendações para o país fortalecer o combate à prática, incluindo medidas de reinserção e amparo a trabalhadores em situação vulnerável, e a já citada recomendação da aprovação da PEC do Trabalho Escravo. Veja abaixo na íntegra as recomendações do documento.
Recomendações para o Brasil – Global Slavery Index:
– Que as principais empresas – particularmente aquelas que lidam com produtos em que já foi constatada a exploração de trabalho escravo no Brasil – assinem o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo.
– Dos 26 Estados, somente 13 tem comissões estaduais de combate ao trabalho escravo – conforme recomendado em 2010 pela Relatora Especial da ONU sobre Trabalho Escravo, todos os estados deveriam ter tais programas.
– Escravidão deveria ser enquadrada de maneira clara como uma infração federal, de modo a descartar o risco de retrocesso na última decisão da Suprema Corte (dezembro de 2006) em favor de que tal infração seja considerada de competência da Justiça Federal.
– O Senado deve aprovar a Proposta de Emenda Constitucional 57A/1999, que permitiria a expropriação sem compensações de fazendas em que trabalho escravo for flagrado, e a distribuição de terras para os mais pobres da sociedade, que são os que estão mais vulneráveis à escravidão.
– Trabalhadores resgatados da escravidão devem receber suporte e compensação pelos danos materiais e psicológicos que sofreram por meio de programas públicos para facilitar sua inclusão social.
– A pena para o crime de explorar trabalho escravo que, é de dois a oito anos de prisão, deveria aumentar para de quatro a dez anos (Artigo 149 do Código Penal).
– A “lista suja” deve ser fortalecida e incorporada na lei.
Fonte: Repórter Brasil
Texto: Daniel Santini
Data original da publicação: 17/10/2013