Reforma previdenciária nega multa rescisória a empregados aposentados e aposta na descartabilidade dos mais velhos

Estimula-se desfazer-se do aposentado, com rescisão sem custos, e substitui-se pelo jovem da Carteira Verde Amarela. O velho segue sem trabalho, renda e dignidade; o jovem passa a trabalhar muito, receber pouco e não ter muito futuro. Quem dará esmola ao idoso?

Rodrigo Trindade

Fonte: Revisão Trabalhista
Data original da publicação: 22/02/2019

A proposta da Reforma da Previdência também modifica regras de Direito do Trabalho, e acaba com a obrigatoriedade do pagamento da multa de rescisão contratual do funcionário aposentado. Ou seja, o aposentado despedido, ganha a rua e sai sem nem um centavo dos 40% do Fundo de Garantia.

Com raríssimas exceções, aposentados não seguem trabalhando por diversão, mas porque o benefício previdenciário é insuficiente e precisam do salário para sobreviver. Mesmo se aposentado, o trabalhador pode seguir laborando na empresa e manter todos os direitos dos colegas menos experientes. É um momento difícil da vida, em que se costuma ter maiores obrigações que os jovens, contando-se com família e despesas médicas elevadas.

A multa de 40% do FGTS é alternativa a regimes mais avançados, que garantem ou estabilidade no posto de trabalho ou obrigatoriedade de justificar a dispensa a motivos relevantes. Como não temos nada disso, surge a multa de 40% para dar condições de sobrevivência ao recém desempregado. Mantendo a regra de igualdade entre pessoas e proibição de discriminações, a multa é constitucionalmente prevista a todo e qualquer empregado.

É precisamente esse fôlego financeiro para sobrevivência que a proposta de reforma nega ao aposentado despedido. E todos sabem: se não é fácil ficar desempregado aos 20 anos, aos 65, as chances de conseguir novo emprego são quase zeradas. O aposentado já não tem direito ao seguro desemprego, se ficar também sem os valores de multa, a situação passa ao nível do desespero.

Há um problema de compreensão ontológica. Contrato de emprego não se comunica com relação previdenciária para fins de recebimento de aposentadoria. O segurado do INSS integra-se no sistema a partir do pagamento de suas contribuições e, após cumpridas certas regras, as recebe de volta na forma de benefício pago. Querendo ou precisando, aposenta-se e segue trabalhando, dentro de relações próprias. Se seguirmos no passo de incompreender que pessoas podem ter relações jurídicas independentes, corremos o risco de retornar à regra do início do século XX, em que casamento da mulher justificava extinção do contrato de emprego.

Quem dará esmola ao idoso?

Se a proposta da Carteira Verde e Amarela nega aos mais jovens direitos trabalhistas mínimos e essenciais à dignidade, o que se reserva aos aposentados é uma crueldade adicional. Os projetos atacam e prejudicam as duas pontas etárias do mercado de trabalho nacional, exatamente as mais fragilizadas. Juntas, retroalimentam a precarização, projetam força de trabalho (e de consumo) descartável, desiludida e cada vez mais empobrecida.

A maldade tem sua lógica: estimula-se desfazer-se do aposentado, com rescisão sem custos e substitui-se pelo jovem da Carteira Verde Amarela. O velho segue sem trabalho, renda e dignidade; o jovem passa a trabalhar muito, receber pouco e não ter muito futuro. Quem dará esmola ao idoso?

O resultado desse perigoso caminho pode acabar unicamente no Benefício de Prestação Continuada (BPC), que garante pequena assistência a idosos miseráveis, mas sobrecarrega os aportes do conjunto de segurados. Talvez seja justamente por isso que a proposta de reforma também busca reduzir a porta de entrada ao BCP.

Um outro mundo precisa ser visto como possível. Não há opção saudável de sociedade que promova ampliação da cultura de obstaculizar o trabalho de pessoas mais velhas e bloqueie direitos básicos dos mais jovens.

Há, sim, produtivas relações entre os Direitos Previdenciário e Trabalhista. Uma reforma previdenciária eficaz deveria passar por visada mais ampla e buscando a regularização arrecadatória. Não apenas com a cobrança dos grandes devedores, e fim da “Desvinculação de Recursos da União” (DRU) – a tunga estatal sobre o dinheiro do INSS – , mas a partir do repensar de recentes alterações do Direito do Trabalho. A Reforma Trabalhista incentiva a rotatividade de empregados, fecha os olhos para contínuas sonegações previdenciárias, permite transferências nos postos por contratações precarizadas e estimula a perda do caráter salarial de diversas verbas pagas no contexto da relação de emprego.

Tudo isso reduz sobremaneira a arrecadação previdenciária e, mais do que tudo, a esperança de poder viver – e aposentar-se com dignidade – a partir do próprio trabalho. A proposta de Reforma Previdenciária deve ser analisada nas duas casas legislativas e ser aprovada por 3/5 em duas votações.

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