A Câmara dos Deputados avançou mais um pouco na tramitação da Reforma da Previdência, mas ainda não conseguiu concluir a votação em primeiro turno, após três dias de análise da matéria. Na quarta, o texto base foi aprovado por amplo placar (379 a 131), mas os deputados não concluíram ainda a apreciação de todos os destaques que podem alterar o texto principal.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, suspendeu a sessão no início da madrugada desta sexta, depois que parlamentares começaram a deixar a Casa.
A demora para concluir a votação reflete a dificuldade do governo do presidente Jair Bolsonaro para organizar uma base de apoio no Congresso, o que exigiu muitas horas de negociação na quinta antes da votação ser iniciada, no meio da tarde.
Com isso, a expectativa agora é que a análise do texto na Câmara só seja concluída em agosto, depois do recesso parlamentar de julho. Por ser uma tentativa de alterar a Constituição, o texto ainda terá que ser aprovado pelos deputados em segundo turno, antes de seguir para o Senado, onde precisa ser aprovado de forma idêntica para entrar em vigor. Caso haja alteração, a parte modificada terá que voltar à Câmara.
Por enquanto, o texto aprovado mantém a essência da reforma proposta pelo governo – prevê que os brasileiros se aposentem mais tarde e com benefícios menores, além de aumentar a contribuição dos servidores federais de maior renda. Há regras de transição que suavizam as mudanças para os atuais trabalhadores.
No entanto, houve importantes mudanças aprovadas nos destaques já analisados. O aumento do tempo mínimo de contribuição exigidos dos trabalhadores de ambos os sexos do setor privado proposto pelo governo foi barrado – a intenção era subir de 15 para 20 anos. Também foram reduzidas a idade mínima de aposentadoria dos policiais federais e outras categorias da área de segurança previstas na proposta inicial.
A votação será retomada na sexta para apreciar novas tentativas de alteração do texto. Há acordo para reduzir mais a idade mínima de professores.
Em relação à versão inicial do reforma, a Câmara já barrou também as alterações para a aposentadoria rural e o BPC (benefício pago a idosos muito pobres) por entender que afetavam grupos de baixa renda. Além disso, suavizou o tempo extra de trabalho que o governo quer impor a servidores federais mais antigos para manter a integralidade (direito a se aposentar pelo último salário), benefício que a grande maioria dos brasileiros não têm.
Essas alterações reduziram os ganhos que a reforma pode gerar para o governo federal. A meta do ministro da Economia, Paulo Guedes, era de uma economia de ao menos R$ 1 trilhão em dez anos. No entanto, a Instituição Fiscal Independente do Senado projeta que o texto base aprovado na quarta gera uma economia de R$ 744 bilhões. A estimativa ainda não considera mudanças aprovadas na virada desta quinta para sexta.
Maia disse que, mais importante que concluir a votação antes do recesso, é votar com calma e evitar derrotas importantes na votação dos destaques.
“O importante é terminar o primeiro turno com a vitória que nós estamos mantendo. O que está sendo votado nos destaques (já aprovados ou com acordo para aprovação) a perda de arrecadação não vai passar no total de mais de R$ 25 bilhões. O que não pode é perder essa economia (que a reforma almeja). Os últimos destaques do PT, se não forem derrotados, nos tiram R$ 100 bilhões”, disse.
Confira abaixo como está a reforma após as alterações aprovadas pelos deputados até agora. Vale lembrar que servidores estaduais e municipais, por enquanto, ficaram de fora da reforma. É possível que sejam incluídos na tramitação do Senado – se isso não ocorrer, cada Estado e município terá de decidir sobre sua própria reforma.
Idade mínima
Uma mudança importante que atingirá a maior parte da população é a criação de idades mínimas para aposentadoria. A proposta prevê que a maioria dos trabalhadores do Brasil, tanto na iniciativa privada como no serviço público federal, precisará trabalhar até 62 anos, caso mulher, e até 65 anos, caso homem.
Por enquanto, no INSS, vigora um regime misto em que é possível se aposentar por idade (a partir de 60 anos para mulheres e a partir de 65 anos para homens) ou por tempo de contribuição (ao menos 15 anos).
Já no serviço público federal, hoje são exigidos 60 anos de idade e 35 anos de contribuição para homens e 55 anos de idade e 30 anos de contribuição para mulheres.
Ou seja, caso a reforma seja aprovada com o texto atual, todos terão que se submeter à regra da idade mínima, mudança que atinge principalmente pessoas de maior renda, já que os mais pobres, em geral, não conseguem contribuir por períodos longos e já se aposentam por idade.
Mudanças no tempo de contribuição
A Câmara barrou o aumento que o governo queria fazer no tempo mínimo de contribuição exigido dos trabalhadores do setor privado, que subiria de 15 anos para 20 anos.
O argumento contra a elevação é que isso dificultaria a aposentadoria dos mais pobres, que costumam alternar momentos de emprego com carteira assinada com trabalhos informais e bicos, o que dificulta que eles consigam contribuir por tempo mais longo.
Já no setor público federal, o texto prevê redução do tempo mínimo de contribuição para 25 anos, para ambos os sexos. Mas isso não significa exatamente uma vantagem, pois será preciso trabalhar mais para conseguir benefícios mais altos, tanto no caso de servidores, como no do INSS.
Mudanças no cálculo devem reduzir valor médio dos benefícios
Além do aumento do tempo mínimo, o governo também quer elevar o tempo total de contribuição necessário para alcançar aposentadorias mais altas, tanto no INSS, quanto no setor público (exceto militares).
Após algumas mudanças feitas pela Câmara, a proposta agora é que o trabalhador do setor privado terá direito a apenas 60% da média dos seus salários como aposentadoria quando atingir 15 anos de contribuição.
Essa taxa vai subir gradativamente, chegando a 100% dá média dos salários para mulheres que alcancem 35 anos de contribuição e para homens após 40 anos contribuindo. Lembrando que esse benefício é sempre limitado ao teto do INSS, hoje em R$ 5,8 mil.
Pelas regras atuais, o benefício do aposentado no setor privado, seja homem ou mulher, é calculado com base na média dos 80% maiores salários, variando de um salário mínimo (hoje em R$ 998) a R$ 5,8 mil. O valor integral desse cálculo (sem incidência do fator previdenciário) é garantido quando a idade de aposentadoria e o tempo de contribuição somados dão 86 no caso das mulheres e 96 no caso dos homens.
As mudanças devem gerar, então, um “achatamento” dos benefícios no INSS, tornando quase impossível que se alcance o valor máximo.
Hoje, a grande maioria dos aposentados do INSS (85%) já ganha até dois salários mínimos e o pagamento médio em 2018 ficou em R$ 1.722 na aposentadoria urbana.
Servidores também terão que trabalhar mais para ganhar mais.
Ao analisar as mudanças revistas para os servidores federais civis, é importante destacar que eles não têm atualmente regras unificadas de aposentadoria. Reformas adotadas em 2003 e 2013 já cortaram privilégios desse grupo, mas, como elas só valeram para novos servidores, ainda não impactam a maioria dos benefícios concedidos de lá para cá.
Os servidores contratados depois de 2003 perderam a integralidade (direito a se aposentar pelo último salário, em vez da média de contribuições). Já os que ingressaram após 2013 passaram a ficar submetidos também ao teto do INSS (R$ 5,8 mil).
A reforma que avançou agora na Câmara não acaba com a integralidade dos servidores mais antigos, mas exige que ele trabalhe um pouco mais. Os deputados suavizaram a mudança proposta pelo governo, reduzindo o tempo extra que deve ser exigido.
Pelo texto atual da reforma, os que entraram até 2003 poderão se aposentar com valor integral caso atinjam 57 anos (mulheres) ou 60 anos (homens), desde que paguem um pedágio de 100% do tempo que faltava para atingir o tempo mínimo de contribuição exigido hoje. Dessa forma, o servidor que está a dois anos de aposentar-se com benefício integral terá de trabalhar mais dois anos, totalizando quatro anos, para ter direito ao benefício com integralidade e paridade.
Os que entraram no serviço público de 2004 a 2013, de ambos os sexos, terão que trabalhar 40 anos para ter acesso a 100% da média dos salários ao longo da vida (não mais a média dos 80% maiores), não estando submetidos ao teto de R$ 5,8 mil.
A exigência de 40 anos para ter 100% do benefício também valerá para o servidor público de ambos os sexos contratado após 2013, mas com valor limitado ao teto do INSS.
Diferença para professores, policiais federais e militares
O texto atual da reforma prevê que professoras poderão se aposentar com 57 anos e professores, com 60 – a regra será a mesma para rede pública e privada. A expectativa, porém, é que um destaque reduzindo essas idades seja aprovada nesta sexta.
Hoje, não há idade mínima na rede privada, mas é exigido tempo mínimo de contribuição. No setor público, a idade mínima nas regras atuais são 50 anos (mulheres) e 55 (homens).
No caso policiais federais, policiais civis do Distrito Federal e agentes penitenciários e socioeducativos federais já foi aprovado um destaque suavizando suas regras de aposentadoria.
O texto agora prevê que essas categorias terão idade mínima de 52 anos para mulher e de 53 anos para homem, com ao menos 25 anos de contribuição para elas e 30 anos para eles. Para se aposentar com essa idade menor, porém, será preciso pagar pedágio de 100% do tempo que faltaria para se aposentar nas regras atuais. Atualmente, é exigido apenas o tempo de contribuição.
Outro ponto importante é que hoje essas categorias de segurança pública brigam na Justiça para manter o direito à integralidade (direito a se aposentar com o valor do último salário) e à paridade (continuar ganhando na aposentadoria os reajustes concedidos aos funcionários ativos) – benefícios que já foram retirados da maioria dos servidores públicos efetivados a partir de 2004.
O texto mantém a brecha para essa reivindicação, enquanto a Advocacia Geral da União, órgão que defende os interesses da União na Justiça, deve rever a posição contrária a esses benefícios para essas categorias que vinha adotando antes da eleição do presidente Jair Bolsonaro.
Já no caso das Forças Armadas, o governo tenta mudar o regime de aposentadoria por meio de um projeto de lei. Ele prevê que o tempo mínimo de serviço para ingressar na reserva passará de 30 anos para 35 anos.
A proposta também preserva os benefícios de paridade e integralidade, no que é apontado como um grande privilégio que está sendo mantido para a carreira militar. As Forças Armadas justificam essa diferença dizendo que os militares não se aposentam, mas passam para a reserva, podendo ser convocados. Na prática, porém, um percentual mínimo volta a trabalhar após sair da ativa.
Como ficam as regras de transição
Para aqueles que estão mais perto de se aposentar, a reforma prevê alguns sistemas de transição para trabalhadores da iniciativa privada e servidores públicos, que poderão escolher a opção que lhes for mais favorável.
Um deles, por exemplo, oferece um esquema de pontos, que soma o tempo de contribuição e a idade. Inicialmente, mulheres terão que somar 86 pontos e homens, 96. A transição prevê um aumento de 1 ponto a cada ano, chegando a 100 para mulheres e 105 para os homens.
Há também previsão de sistemas de pedágio. Um deles prevê que os trabalhadores e servidores que estiverem a mais de dois anos da aposentadoria poderão se aposentar caso tenham ao menos 57 anos (mulheres) e 60 anos (homens) de idade e cumpram um pedágio de 100% sobre o tempo restante para atingir o tempo mínimo de contribuição. Dessa forma, se faltarem dois anos, os trabalhadores terá que cumprir quatro.
Caso falte até dois anos para atingir o tempo mínimo de contribuição exigido hoje, o trabalhador poderá se aposentar sem atingir a nova regra de idade mínima cumprindo um pedágio de 50% sobre o tempo restante. Ou seja, para quem faltar dois anos, terá que contribuir por três. Essa alternativa não está disponível aos servidores.
Mudanças nas contribuições dos trabalhadores para aposentadoria
No setor privado, a proposta é tornar as alíquotas um pouco mais progressivas, cobrando menos de quem ganha menos e mais de quem ganha mais. Hoje variam de 8% a 11% no INSS. Com a reforma, iriam de 7,5% a 14% (alíquota máxima efetiva de 11,69%). A proposta reduz levemente a cobrança da maioria dos trabalhadores que ganham até R$ 2 mil.
Já cobrança sobre os servidores vai aumentar, caso a reforma entre em vigor. Atualmente, o funcionário público federal paga 11% sobre todo o salário, caso tenha tomado posse antes de 2013. Quem ingressou no serviço público depois de 2013 paga 11% até o teto do INSS, ou seja, não contribui sobre o valor que supera R$ 5,8 mil.
Pelas novas regras, as alíquotas para os que ingressaram antes de 2013 serão proporcionais à remuneração, variando de 7,5% para o servidor que recebe salário mínimo a 22% para quem recebe R$ 39 mil ou mais.
Como a cobrança é gradativa sobre o salário, porém, a alíquota máxima efetiva ficaria em 16,78% – ou seja, o servidor com salário de 39 mil pagaria R$ 6.544 ao mês em vez de R$ 4.290 como hoje.
No caso dos militares, o projeto de lei enviado ao Congresso prevê que a alíquota subirá de 7,5% para 10,5%, independentemente da faixa salarial.
Mudanças para pensionistas
A reforma também prevê redução das pensões, que valerão apenas para os novos beneficiários. Os pensionistas atuais continuarão recebendo os mesmos valores.
O texto aprovado na Câmara prevê que o benefício também passará a ser calculado pela média de todas a contribuições do falecido, deixando de descontar as 20% de menor valor, como atualmente.
As novas regras também estabelecem que viúvos e viúvas receberão apenas 60% do valor da aposentadoria do cônjuge falecido e mais 10% para cada dependente, até o limite de 100%. No entanto, esse benefício não poderá ser menor do que um salário mínimo, no caso de o pensionista não ter outra renda formal.
Além disso, se um filho deixar de ser dependente, por exemplo, ao começar a trabalhar, sua cota do benefício não ficará para a mãe ou para o pai, como ocorre hoje.
Pelas regras atuais, pensionistas do INSS recebem 100% do valor da aposentadoria, independente da existência de dependentes. Já os servidores federais podem receber 100% do valor, em caso de benefícios até R$ 5,8 mil, mais 70% da quantia que exceder esse teto.
A proposta também prevê limitar o acúmulo de pensão e aposentadoria – o beneficiado ficará com o benefício maior e o outro sofrerá desconto, que dependerá da faixa de renda.
Mudanças na aposentadoria por invalidez
Hoje, essa aposentadoria equivale a 100% das médias da contribuição. Pela reforma, o percentual máximo só será concedido se a interrupção da vida laboral decorrer de doenças ou acidentes relacionados ao trabalho.
Não sendo esse o caso, o benefício será de 60% da média das contribuições, acrescido dois pontos percentuais a cada ano.
Mudanças no abono salarial
O abono salarial, benefício de até um salário mínimo ao ano pago a alguns trabalhadores com carteira assinada, passa a ser restrito àqueles com renda mensal de até R$ 1.364,43, pelo texto atual da reforma. Hoje, é concedido a quem recebe até dois salários mínimos.
Para quem não vai mudar nada?
A Câmara já rejeitou proposta do governo para alterações da aposentadoria rural. Dessa forma, continuarão em vigor as normas atuais que permitem aposentadoria para mulheres aos 55 anos e para homens, aos 60, desde que comprovados ao menos 15 anos de trabalho no campo.
Foi barrada ainda a tentativa de mudar o benefício de um salário mínimo para idosos em situação de pobreza. O BPC (Benefício de Prestação Continuada) continuará sendo concedido a pessoas com 65 anos ou mais que possuem renda de até um quarto de salário mínimo.
Fonte: BBC News Brasil
Texto: Mariana Schreiber
Data original da publicação: 12/07/2019