Há vinte anos, teóricos falavam em fim do trabalho. Atualmente, o que não faltam são palestras sobre futuro do trabalho ministradas por diferentes profissionais, coaches, acadêmicos e “futuristas” das mais distintas áreas. Uma das perspectivas dominantes centra-se nas habilidades requeridas para se preparar para o mercado de trabalho. Outro debate recorrente é sobre a automação. As discussões variam entre a substituição de humanos por robôs e a liberação dos seres humanos para tarefas mais “criativas”.
Judy Wajcman lembra que os futuros são sempre sociais e é preciso trazer essas discussões para as políticas públicas e não deixa-las somente nas mãos da indústria. Para ela, a homogeneidade da força de trabalho do Vale do Silício é mais perigosa para o futuro do trabalho que um apocalipse causado por robôs.
DigiLabour já publicou entrevistas sobre heteromação do trabalho e as relações entre capitalismo e inteligência artificial. Confira algumas indicações de leitura sobre futuro do trabalho que consideram os trabalhadores no centro de suas perspectivas:
Duas leituras iniciais são: Quatro Futuros: a vida após o capitalismo, de Peter Frase, e Inventar el Futuro: poscapitalismo y un mundo sin trabajo, de Nick Srnicek e Alex Williams.
No livro Work in the Future, Nick Srnicek discute dois mitos sobre o futuro da economia. Em primeiro lugar, refuta a ideia de que o modelo de negócios da Uber serve para toda a economia. Em seguida, afirma que a inteligência artificial ameaça a economia não por causa da automação, mas pela tendência ao monopólio, algo que já existe na economia de plataformas.
Aaron Benanav publicou artigo em duas partes (parte 1 / parte 2) na New Left Review sobre criticando os discursos sobre a automação. Ele argumenta que o que os teóricos da automação descrevem como o resultado de uma “transformação digital”, na verdade, é a consequência do agravamento da estagnação econômica, que explica as causas do declínio da demanda por trabalho. As transformações tecnológicas atuariam, então, como uma causa secundária desse declínio. O que acontecerá não é o desemprego em massa, mas o crescimento contínuo do subemprego. Para Benanav, “lutar contra a maré em direção a um futuro mais humano dependerá das massas de trabalhadores recusando-se a aceitar um contínuo declínio de demanda por trabalho e a crescente desigualdade econômica que isso acarreta. As lutas contra isso já estão ocorrendo em todo o mundo”. Ele considera que lutar por uma renda básica universal é muito pouco e que precisamos inaugurar um planeta pós-escassez. Benanav lançará em novembro o livro Automation and the Future of Work.
O argumento de que o futuro do trabalho significa mais marginalização e precarização que substituição dos seres humanos também é tratado por Paola Tubaro, Antonio Casilli e Marion Coville em The trainer, the verifier, the imitator: Three ways in which human platform workers support artificial intelligence. Para os autores, a inteligência artificial não é o fim do trabalho humano, mas o priva de sentidos, qualidade e status social. Eles defendem a necessidade de políticas públicas ambiciosas e de longo prazo que enquadrem padrões para o desenvolvimento futuro da IA a partir de suas condições concretas de produção.
Julian Posada argumenta que a questão não é se as máquinas substituirão os humanos, mas quem serão os proprietários desses sistemas. Ele argumenta em defesa de perspectivas de direitos humanos já existentes para condições de trabalho que forneçam princípios e regulações em relação à inteligência artificial. Para Posada, as questões éticas sozinhas não são suficientes para garantir os direitos dos trabalhadores.
Alessandro Delfanti e Bronwyn Frey analisaram patentes de propriedade da Amazon e descobriram que os trabalhadores não estão para desaparecer dos galpões da empresa no futuro. As patentes mostram máquinas para intensificar o ritmo de trabalho e a vigilância sobre os trabalhadores. Segundo os autores, essas patentes materializam o desejo das empresas de que os trabalhadores sejam apenas apêndices vivos das máquinas.
Em Surrogate Humanity: Race, Robots, and the Politics of Technological Futures, Neda Atanasoski e Kalindi Vora criticam as visões tecnoliberais em relação à automação como visões racializadas de uma supremacia branca. Para as autoras, a celebração da Internet das Coisas e das infraestruturas smart está ligada a imaginários coloniais racializados. A automação é historicamente uma promessa e uma ameaça e com recortes de gênero e raça, como mecanismos de substituição por pretensamente uma figura liberal universalizada de ser humano. Em breve, publicaremos entrevista com uma das autoras!
Sabemos que há inúmeras outras referências sobre o futuro do trabalho, mas a proposta não é a quantidade. Boa leitura!
Fonte: DigiLabour
Data original da publicação: 12/09/2020