Quinze dólares, um sindicato, uma luta

Meagan Day

Fonte: Carta Maior, com Viento Sur
Tradução: Victor Farinelli
Data original da publicação: 31/07/2019

Depois de anos de tergiversações por parte dos democratas, a Câmara de Representantes dos Estados Unidos aprovou uma lei sobre o salário mínimo de 15 dólares por hora. É quase uma certeza que essa iniciativa morrerá no Senado, mas ao menos mostra até que ponto o movimento de Luta Pelos 15 Dólares vem ganhando força. Esta luta começou em novembro de 2012, quando duzentos trabalhadores de franquias como Wendy’s, McDonald’s e Burger King fizeram uma greve em Nova York, para reivindicar um salário mínimo de 15 dólares por hora.

Esse foi o momento da “maior onda de ações sindicais da história da indústria estadunidense de fast food”. A reivindicação foi sentida por numerosos espectadores como um exagero – era mais do dobro do salário mínimo federal que é de 7,25 dólares por hora. Porém, trabalhadores e organizações não se deixaram desmoralizar pelo ceticismo. Na primeira manifestação, entre os cânticos de “como podemos sobreviver com 7 dólares”, a trabalhadora Pamela Waldron, funcionária de um local do KFC (Kentucky Fried Chicken), declarou ao New York Times que “com o que ganhou não tenho dinheiro suficiente para dar de comer aos meus dois filhos pequenos”. Era mais do que necessário lutar pelos 15 dólares, e por isso as trabalhadoras e trabalhadores insistiam, em nome de uma existência digna e segura.

O movimento surgido dessas ações precoces se chamou Luta Pelos 15 Dólares, e estava dirigido principalmente pela União Internacional dos Trabalhadores do Setor de Serviços (SEIU, por sua sigla em inglês). Em 2013, as trabalhadoras de restaurantes de fast food, se organizaram a partir dessa bandeira, em cidades como Chicago, Detroit, Saint Louis, Milwaukee, Seattle, Flint e Kansas City. No curso dos anos seguintes o movimento se estendeu para além do setor de alimentação, e passou a incluir trabalhadoras e trabalhadores que sofrem com salários baixos em diferentes ramos e em todos o país, incluindo os empregados de aeroportos, os auxiliares de limpeza e os assalariados de megaempresas como Walmart e Amazon.

Seattle foi a primeira cidade que respondeu à pressão pública do movimento, ao adotar, em 2014, uma medida que visava aumentar gradualmente o salário mínimo, até chegar aos 15 dólares. Outras cidades seguiram esse exemplo, como Los Angeles, San Jose, San Francisco, Nova York, Washington e as cidades gêmeas de Minneapolis e Saint Paul. Os estados da Califórnia, Massachusetts e Nova York também adotaram leis para estabelecer um aumento do salário mínimo a 15 dólares.

Posteriormente, dezenas de outras cidades e Estados decidiram implementar aumentos menores, graças à pressão das greves e outros protestos, a ação do ativismo incessante de milhares de pessoas como Pamela Waldron, que se mostram incansáveis na luta para melhorar suas próprias vidas, e de suas famílias.

O que antes parecia uma luta pelo impossível, ou improvável, com o tempo se transformou em uma reivindicação legítima e popular. A luta pelos 15 dólares causou furor no país. Atualmente, a maioria dos estadunidenses a apoia, e agora, essa exigência fincou sua bandeira na capital do país.

Na quinta-feira, 18 de julho, o movimento de Luta Pelos 15 Dólares conseguiu uma importante vitória: a Câmara de Representantes aprovou uma lei sobre o aumento dos salários. O projeto de lei, apresentado no Congresso pelo representante Bobby Scott e pelo senador Bernie Sanders, aumentaria gradualmente o salário mínimo federal a 15 dólares entre 2020 e 2025, e a partir de então sujeitaria a atualização desse salário mínimo aos índices anuais de inflação. Os representantes aprovaram o projeto de lei graças aos 231 votos a favor, e apesar dos 199 votos contrários.

As assalariadas e assalariados presentes no parlamento celebraram o resultado cantando: “Trabalhamos, respiramos, escreva 15 dólares no nosso holerite!”.

Somente seis representantes do Partido Democratas votaram contra o projeto de lei, o que é bastante revelador para um partido que vinha tergiversando durante anos sobre essa reivindicação. Em 2016, durante a eleição interna para escolher o presidenciável do partido, o intruso Bernie Sanders levou a luta pelo salário mínimo federal de 15 dólares para o centro do debate, como uma de suas principais promessas de campanha. Sua adversária, Hillary Clinton, favorita do establishment democrata, propôs um aumento gradual até os 12 dólares. Quando foi pressionada para que se explicasse, utilizou a linguagem do “compromisso com a realidade” e a tentativa de “equilibrar as expectativas”.

O que ela disse exatamente foi o seguinte: “não façamos isso (aumentar o salário mínimo) só para dizer o que o eleitor quer ouvir e ganhar mais votos; o melhor é apoiar uma proposta que tenha possibilidade real de ser aprovada”. Sua excessiva cautela relacionada a questões que são vitais para a classe trabalhadora é típica da sua casta de dirigentes tradicionais do Partido Democrata.

Contudo, este atual apoio massivo do partido, mostrado nesta recente aprovação da lei sobre os salários, mostra uma mudança radical, talvez não no coração e no espírito, mas na percepção dos políticos a respeito do que a população exige – o que faz, obviamente, com que mesmo aqueles que outrora defendiam a mesma vacilação de Hillary, agora adotem uma postura pensando em proteger suas carreiras.

Entretanto, há um enorme obstáculo no caminho: o Senado, sob o controle do Partido Republicano, pode rejeitar o projeto de lei, com o pretexto de que isso prejudicaria as empresas, e com isso afetaria a economia. Um argumento baseado no mito da economia do derrame, de que somente quanto mais se enche os pratos dos ricos, mais ele transborda e permite que caia nos pratos dos pobres.

Provavelmente, alguns políticos democratas moderados estão tremendo diante da ideia de encolerizar o mundo financeiro, que sustenta suas carreiras políticas, mas são livres de fazer o espetáculo para seus eleitores neste caso, já que sabem que o projeto de lei não será aprovado como lei. Está existe o fato de que a reivindicação se deu uma década antes de que que o objetivo final seja finalmente implementado. Mesmo que ajustado pela inflação, os 15 dólares que seriam estabelecidos em 2025 representariam menos que esse mesmo valor em 2013, quando essa luta começou. Essas razões explicam parcialmente porque até mesmo os democratas pró-mercado financeiro estão (ao menos no papel) de acordo com esta legislação.

O projeto de lei não se baseia exatamente em parâmetros sólidos, mas os políticos que acreditam verdadeiramente nesses princípios devem não só defendê-lo como continuar lutando mesmo que ele venha a ser aprovado. A organização National Employment Law Project estima que até o presente momento, o movimento Luta Pelos 15 Dólares já recuperou cerca de 68 bilhões de dólares para mais de 22 milhões de trabalhadoras e trabalhadores de baixos salários em todo o território dos Estados Unidos. Segundo uma análise do Instituto de Economia Política, o aumento dos salários previsto na nova lei, que seria aplicável a todos os empregados federais, melhoraria a vida de outros 33 milhões de pessoas. Isso representa a diferença entre uma vida de dificuldades financeiras extremas e a segurança relativa de uma grande parte da população, e uma mudança positiva especialmente para as mulheres e para as pessoas negras, que poderiam sair da pobreza.

Além disso, é possível que as organizações aproveitem a cobertura midiática e intensifiquem seus esforços, inclusive no caso de uma derrota no terreno legislativo. Também se pode esperar que exerçam pressões não só sobre o governo federal, como também sobre os estados e municípios, e até mesmo sobre os empregadores.

No dia 19 de julho, as trabalhadoras do McDonald’s fizeram greves em Chicago, Detroit, Durham, Kansas City, Los Angeles, Memphis, Miami, Orlando, San Jose e Saint Louis. “Celebramos a decisão da Câmara de Representante, mas continuaremos na luta, diretamente. Nosso olhar agora está sobre o Senado e a postura do presidente Donald Trump a respeito, e também aos donos do McDonald’s”, declarou Fran Marion, funcionária de um dos restaurantes da empresa em Kansas City.

“ Vamos atuar para que o McDonald’s pague 15 dólares, e vamos ganhar esses 15 dólares para todos as trabalhadoras do país, assim como fizemos para conseguir as leis adotadas em cidades e estados, pressionando as empresas e o Poder Legislativo com reuniões, debates, protestos e greves a favor do salário de 15 dólares por hora”, insistiu Marion.

Desde o surgimento da reivindicação pelos 15 dólares, em 2013, o nível de organização e ativismo dos assalariados tem se intensificado a cada ano. Com uma opinião pública favorável e as lutas impulsadas no cenário nacional, os partidários do aumento do salário mínimo se encontram bem situados no terreno político. Não deveriam retroceder. Aliás, deveriam incluir o argumento do aumento do custo de vida, para lançar o objetivo de brigar por um valor acima dos 15 dólares.

Tampouco devem perder de vista a segunda metade do slogan do movimento, que fala em lutar por “15 dólares e um sindicato” (a segunda demanda seria a criação de um sindicato especial que reúna todos os trabalhadores que recebem salário mínimo). Sem a proteção sindical, as conquistas conquistadas a respeito dos salários podem ser reduzidas em outras matérias, como as horas extras e outros direitos. Um sindicato forte pode garantir que as vitórias não sejam simples concessões disfarçadas. Além disso, se continuarem a pressão sobre os legisladores e empregadores para que aumentem os salários, será ainda mais essencial a sindicalização, para que essas mudanças sejam possam ser alcançadas de forma decisiva e acumulativa. Isso pode constituir também uma base sólida para os futuros combates, com exigências mais ambiciosas no terreno político, e não somente em favor de um valor mínimo para poder sobreviver.

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