A discussão sobre a terceirização transcende o embate entre as entidades patronais e laborais tão ressaltado pelas duas partes nas últimas semanas. Os deputados e senadores que analisam o projeto de lei 4.330/04 seriam diretamente afetados caso houvesse restrições à nova legislação. Isso porque 40% dos funcionários do Congresso Nacional são terceirizados. Eles são trabalhadores de 31 empresas que firmaram 56 contratos com a Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
Juntas, as duas principais casas de Lei brasileiras gastam 31,5 milhões de reais por mês com o pagamento de salários e benefícios para 5.754 servidores. Entre eles, estão vigilantes, auxiliares de limpeza, ascensoristas, marceneiros, jornalistas, cinegrafistas, fotógrafos, jardineiros, telefonistas, copeiros e garçons.
Boa parte dos terceirizados exerce funções que não existem mais ou estão perto de serem extintas do quadro de servidores do Congresso. Porém, entre as que ainda existem é possível notar uma disparidade salarial gritante. Em alguns casos, a diferença é superior a 100%. Um arquivista concursado custa 13.833 reais aos cofres do Congresso, e o que presta serviço 5.304 reais. Outro exemplo: um redator (com o diploma de jornalista) terceirizado recebe 9.791 reais no Senado, enquanto que um jornalista concursado tem os vencimentos mensais de 18.440 reais. Na área de vigilância a diferença é um pouco menor, enquanto um segurança concursado custa 6.722 reais, um terceirizado recebe 4.801 reais mensais.
A intenção do Congresso, além de renovar seus quadros, é claramente o de economizar com o pagamento de benefícios futuros, como aposentadoria ou pensões. Hoje, um funcionário terceirizado da Câmara ou do Senado, por exemplo, não teria essas benesses. Uma eventual alteração nesse quadro ainda depende da análise pelos senadores do projeto da lei da terceirização, que foi aprovado na semana passada pelos deputados.
Uma das mudanças que pode ocorrer é no estabelecimento de um limite de funcionários terceirizados por cada órgão público ou privado. O tema já foi sugerido pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que disse que não aceitará “pedaladas” contra o trabalhador, mas não detalhou qual seria o limite para prestadores de serviço nem quais medidas pretende mudar no projeto, que agora será analisado pelos senadores.
O diagnóstico negativo da terceirização já fora dado na sexta-feira passada, quando o próprio Calheiros divulgou uma nota pública tratando da questão. “Terceirizar a atividade fim, liberar geral, significa revogar a CLT, precarizar as relações de trabalho e importa numa involução para os trabalhadores brasileiros. Um inequívoco retrocesso. É sabido que os servidores terceirizados têm cargas de trabalho superior, recebem salários menores e a maioria não tem oportunidade de se qualificar melhor”.
Se esse senador peemedebista resolver se debruçar sobre uma limitação sobre a contratação de terceirizados, o próprio Senado poderá perder mão-de-obra. Ao menos 44% dos 5.998 servidores dessa casa de leis são prestadores de serviço. Na Câmara o percentual é de 38% dos 8.144.
Embates
Enquanto não se torna uma lei, o projeto que regulamenta a terceirização e tramita há uma década no Congresso serve de combustível para uma batalha de poderes entre os presidentes do Senado, Calheiros, e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Ambos são caciques do PMDB, aliados eventuais do Governo Dilma Rousseff (PT) e buscam fortalecer o protagonismo na cena nacional. Na mesma nota já citada acima, Calheiros, disse que não vai polemizar com Cunha, que ameaçou prejudicar a votação de projetos que sigam do Senado para a Câmara.
O que chama a atenção é que em março, os dois chefes do Legislativo tinham criado uma comissão para agilizar os projetos de lei que passam pelas duas casas. Além disso, Calheiros passou a ser pressionado pelo Governo para debater mais o assunto, antes de votá-lo. É o que deverá acontecer a partir de agora.
Fonte: El País
Texto: Alfonso Benitez
Data original da publicação: 26/04/2015