Como a maioria dos operários que vem ver Patricia Zavala, 27 anos, as duas dúzias de homens que lotaram seu escritório em Austin, Texas, certa tarde de março, tinham uma reclamação.
Em sua maioria imigrantes hondurenhos, os operários trabalhavam aplicando reboco no exterior de uma residência estudantil luxuosa de 17 andares. O trabalho era difícil e perigoso, mas era esperado. O que os incomodava era o fato de que nas duas semanas anteriores o capataz não lhes havia pago; cada um esperava receber cerca de US$ 1 mil.
Coordenadora de justiça trabalhista do Workers Defense Project, Zavala ouviu suas histórias e depois passou um mês sem conseguir convencer os empreiteiros a pagar os salários atrasados. Assim, Zavala, formada pela Universidade da Califórnia, campus de Santa Barbara, e filha de um imigrante peruano, se voltou para o que chama de “opção nuclear”. Os operários solicitaram a penhora da construção. A medida complica qualquer tentativa de fazer transações com a propriedade e pode levar bancos e investidores a congelarem o financiamento.
Em conjunto com uma ameaça de protesto, a penhora logo chamou a atenção da incorporadora do dormitório, American Campus Communities, e da principal empreiteira, Harvey-Cleary Builders. Em questão de horas, a Harvey-Cleary fechou uma reunião com a empreiteira responsável pelo reboco e os trabalhadores não pagos e, pronto: a Harvey-Clearyx e a empreiteira, Pillar Construction, aceitaram pagar os US$ 24.767 devidos aos operários.
“Penhoras são as melhores ferramentas ao alcance dos operários”, afirmou Cristina Tzintzún, 31 anos, diretora executiva do Workers Defense Project. Segundo ela, em vez de lidar com as subempreiteiras, “você negocia com o dono do projeto e a principal empreiteira. Eles não podem mais transferir a responsabilidade alegando ter pago a empresa contratada, nada sendo possível fazer.”
Fundado em 2002, o Workers Defense Project surgiu como uma das organizações para trabalhadores imigrantes mais criativas dos Estados Unidos. Ela se concentra no setor da construção civil do Texas, que emprega mais de 600 mil operários, sendo que metade deles, segundo vários estudos, são imigrantes ilegais.
Trabalhadores estrangeiros, principalmente os sem documentação, são muito vulneráveis a abusos dos empreiteiros. Todo ano, o Workers Defense Project, que conta com dois mil membros pagantes, recebe cerca de 500 reclamações de trabalhadores que afirmam ter sido enganados com horas extras, por não poderem fazer pausa para tomar água no calor escaldante do verão texano ou que se veem às voltas com contas hospitalares enormes em função de acidentes de trabalho.
O Workers Defense Project é um dos 225 centros do trabalhador nos EUA ajudando muitos entre os 22 milhões de operários imigrantes do país. Os centros nasceram em grande medida porque os sindicatos não se organizaram em muitos campos onde os imigrantes se reuniram, como restaurantes, jardinagem e condução de táxis. E existe mais um motivo: diversos imigrantes se sentem hostilizados pelos sindicatos. Para alguns sindicalizados, os imigrantes, ao aceitar salários menores, estão roubando seus empregos.
“O Workers Defense Project não é um sindicato, está de braços abertos a todos”, disse Luis Rodriguez, 42 anos, imigrante mexicano que procurou ajuda do grupo depois de ter perdido um dedo em um acidente em uma construção. “Ele sempre está disposto a aceitar e a ajudar mais pessoas.”
Recentemente, em uma reunião do Workers Defense Project, a atmosfera era uma mistura de reunião de motivação, sessão educacional e encontro social. Depois de jantar tacos, arroz e feijão, cerca de 60 operários definiram a estratégia para uma manifestação contra o incorporador de um hotel de mil suítes da cadeia Marriott. Um esquete zombando o empresário provocou gargalhadas. A energia e a sensação de solidariedade lembravam os sindicatos norte-americanos de décadas atrás, antes de começarem a cambalear e a estagnar.
Alternativa de defesa do trabalho
Entre os mais vigorosos defensores da reforma da lei da imigração, os centros do trabalhador se unem em torno de questões ou segmentos econômicos. Com os sindicatos perdendo integrantes e influência, os centros são cada vez mais vistos como uma forma alternativa importante na defesa do trabalho, embora não se espere que tenham a mesma eficiência dos primeiros em conseguir aumentos, fundos de aposentadoria e férias remuneradas.
“Os centros do trabalhador estão preenchendo um vazio ao entrar em contato com uma mão de obra muito difícil de ser contatada”, afirmou Victor Narro, especialista em trabalhadores imigrantes da Universidade da Califórnia, campus de Los Angeles.
Para Jefferson Cowie, historiador do trabalho da Universidade Cornell, os “centros do trabalhador fazem parte de uma luta ampla para melhorar as coisas para os operários além do contexto tradicional de sindicatos e dissídios coletivos. Eles se tornaram pequenos laboratórios de experimentação.”
Enquanto os centros do trabalhador avançam, o Workers Defense Project, de Austin, acumulou uma série incomum de sucessos. Ele recuperou mais de US$ 1 milhão em atrasos na última década em nome dos operários alegando violações às leis do salário mínimo e das horas extras. Um relatório elaborado pela entidade fez a Agência de Saúde e Segurança Ocupacional investigar 900 construções no Texas, gerando quase US$ 2 milhões em multas.
E, apesar da imagem liberal, o grupo se uniu a empreiteiras que respeitam a lei para convencer a Assembleia Legislativa texana, dominada pelo Partido Republicano, a aprovar uma lei tornando crime a apropriação indébita do salário – quando o empregado não paga o salário devido. O Workers Defense Project conta com apenas 18 funcionários e sua diretora executiva, Tzintzún, ganha apenas US$ 43 mil anuais. Porém, ela conseguiu levar a poderosa Apple à mesa de negociação. O grupo arrancou a promessa de que os operários envolvidos na construção do novo complexo de escritórios da fabricante em Austin receberiam pelo menos US$ 12 por hora, não US$ 10, como é comum, mais indenizações.
O pedido de indenização dos operários foi uma vitória importante. O setor de construção civil no Texas tem um índice de mortalidade mais elevado do que outros estados, mas o Texas é o único a não exigir das construtoras indenizações aos trabalhadores pelas contas hospitalares no caso de um operário machucado, nem benefícios aos inválidos.
“Nós gostamos de organizar no Texas”, disse Tzintzún. “As coisas só podem melhorar porque as condições de trabalho são medonhas.” A maior visibilidade do grupo também gerou críticas. Stan Marek, presidente de uma construtora com sede em Houston, chamou o organismo de “cachorro de ferro-velho”. “Eles não param de vir para cima de você.” Scott Haeglin, gerente de projeto da Harvey-Cleary, expressou aborrecimento pelo grupo ter pedido a penhora incômoda e por ter realizado o protesto apesar do acordo. “Nós nos orgulhamos de tratar bem nossos operários e de resolver essas questões.”
Phil Thoden, presidente da regional de Austin da Associated General Contractors of America, declarou que “eles têm a tendência de pichar a construção civil como um todo. É frustrante que quando acontece um incidente em um local de trabalho, eles ajudam a dar muita exposição na imprensa, deixando o público com a impressão de que os empreiteiros não fazem nada para proteger os trabalhadores.”
Rodriguez, homem atarracado, de bigode basto e voz grave e profunda, procurou a Workers Defense Project no começo do ano passado. Uma furadeira industrial pesada arrancou o dedo indicador direito quando ele a tirava da parede. Os médicos não conseguiram reimplantar o dedo e, depois de 20 anos na construção civil, Rodriguez se viu de repente incapacitado de trabalhar.
O empreiteiro indenizava os trabalhadores, mas os pagamentos não chegavam; ao procurar o serviço estadual de apoio ao trabalhador, ele só encontrou obstáculos. “Uma moça de lá sussurrou para eu procurar o Workers Defense Project.”
O projeto o ajudou a conseguir o pagamento e lhe deu uma causa: capacitação do trabalhador. “Eu estava completamente perdido quando os procurei. Eu era uma dessas pessoas que não sabem nada de nada. Só que agora já conheço meus direitos. Não vou mais deixar um cretino pisar em mim.”
Fonte: IG, com The New York Times
Data original da publicação: 24/08/2013