O relatório “O Escândalo da Desigualdade 2: As múltiplas faces da desigualdade na América Latina e Caribe”, lançado pela ONG Christian Aid na quarta-feira (13/12), aponta que 2,7 milhões de pessoas voltaram à pobreza de 2014 a 2016. Segundo o documento, dentre outros fatores, a guinada à direita na região tem contribuído para a redução de investimentos públicos em iniciativas sociais, reforçando o agravamento da situação na região.
O relatório aponta ainda outros fatores que têm contribuído para a manutenção da desigualdade, como concentração de terras na mão de latifundiários, influência das grandes empresas na tomada de decisões políticas, falta e/ou diminuição de investimentos destinados a programas sociais e redução de confiança em modelos democráticos. Estas causas, segundo o documento, podem dificultar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), formulado pela Organização das Nações Unidas e que visa, entre outras coisas, erradicar a pobreza na região até 2030.
Para a responsável pelo programa da Christian Aid no Brasil, Sarah Roure, “parte importante para superar o desafio da desigualdade passa por alterar a estrutura fundiária do Brasil e garantir que as comunidades tenham acesso a uma consulta prévia, livre e informada para decidir o que acontece em seus territórios”. Ressalta também “a estrutura tributária injusta que existe no Brasil, que contribui para a concentração de renda.”
Embora a economia tenha crescido em diversos países, pouco desses recursos têm sido destinados aos grupos mais impactados pela desigualdade. Desta forma, dados de crescimento macroeconômicos não têm servido para refletir fielmente o recorte econômico da região, uma vez que a América Latina possui a distribuição de renda mais desigual do mundo.
Segundo Sarah, a maior dificuldade para combater a desigualdade vem sendo a de “enfrentar as raízes e as estruturas que perpetuam sistemas de poder”. Para ela, são essas estruturas “que garantem que os ricos permaneçam sendo tão ricos, e que os pobres continuem sendo tão pobres”.
O documento reuniu dados de diversas instituições, como os do Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento (PNUD), do Centro Regional Ecumênico de Assessoria e Serviço (CREAS), do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INEC), da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e os da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL)
Concentração de terras
As mais afetadas pela má distribuição de renda na região são as populações rurais. O documento aponta que 40% das pessoas que vivem nestas áreas estavam abaixo da linha da pobreza em termos de renda até 2013. Nas cidades, esse número era de 20%. Ao somar pessoas em situação de vulnerabilidade econômica, os números chegam a exorbitantes 80% no caso das populações rurais e 59% na população urbana.
Nas últimas décadas, a grande concentração de propriedade nas mãos de latifundiários nacionais e internacionais tem impedido a diminuição dessas disparidades socioeconômicas, visto que esses grupos de elite possuem maior influência política e dificultam medidas que possam restringir seu controle nas zonas rurais.
Megaconstruções em áreas indígenas também servem de empecilho para a diminuição de disparidades na América Latina, uma vez que levam a um deslocamento massivo de pessoas para regiões protegidas, aumentando o conflito por território e a violência nas regiões. É o caso, por exemplo, da estrada que atravessaria o Território Indígena e Parque Nacional Isiboro-Sécure, na Bolívia, e de grandes usinas hidrelétricas como a de Belo Monte, no Pará.
Guinada à direita
O relatório aponta que uma das consequências da desigualdade na América Latina e Caribe tem sido a crescente desconfiança da população a modelos democráticos e uma volta a governos menos progressistas.
Segundo dados de uma pesquisa de opinião pública realizada pelo Latinobarómetro em 2016, a proporção de latino-americanos que acreditam que as elites governam priorizando seus próprios interesses é de 73% – porcentagem mais alta dos últimos 12 anos. É também a primeira vez que a proporção de pessoas que afirmam que seu país está regredindo é a maior que a de pessoas que alegam progresso.
A falta de confiança política tem gerado uma diminuição do apoio à democracia – fenômeno que está fortemente ligado ao atual momento de crise política que diversas nações da América Latina atravessam. Em países como El Salvador, Guatemala e Nicarágua, o nível de apoio à democracia é o menor dos últimos 10 anos. No Brasil, somente 32% declararam apoio.
Violência de gênero
O relatório aborda também outra consequência da desigualdade: o aumento da violência e, mais especificamente, daquela contra a mulher. Esse tipo de violência, segundo relatório, tem atravancado a possibilidade de equiparação de gêneros na região.
A América Latina possui atualmente a maior taxa de homicídios do mundo. Uma de cada três pessoas assassinadas no mundo está na região, embora os latino-americanos correspondam a somente a 8% da população mundial. Os maiores índices do crime estão no Brasil, Colômbia, México e Venezuela.
As mais afetadas são as mulheres. Números do PNUD apontam que na Colômbia, 37, 4% das mulheres de 15 a 49 anos sofrem algum tipo de violência física, e 9,7 já sofreram algum tipo de violência sexual. Esses dados também são altos na Bolívia, (24,2% e 6,4), no Haiti (20% e 10,8%) e na República Dominicana (17,2% e 5,5%).
Segundo o relatório, políticas de livre mercado, conservadorismo religioso, uma cultura predominantemente machista, baseada em um sistema patriarcal tem contribuído para o agravamento da desigualdade de gênero.
Fonte: Opera Mundi
Data original da publicação: 13/12/2017