Quando eu perdi as minhas mãos fabricando telas planas que não tenho como comprar, ninguém me ajudou

Trabalhadores feridos como eu não pedem por muito dos bilhões que essas empresas lucram em cima do nosso trabalho. Nós apenas queremos o bastante para cuidar de nossas famílias.

Rosa Moreno

Fonte: The Guardian
Tradução: DMT
Data original da publicação: 11/07/2015

Rosa Moreno. Fotografia: Alan Pogue/Texas Centre for Documentary Photography
Rosa Moreno. Fotografia: Alan Pogue/Texas Centre for Documentary Photography

Em 11 de fevereiro de 2011, eu perdi as minhas duas mãos.

Eu estava trabalhando em turno noturno no meu emprego em Reynosa, México, onde cortava metal para peças, usadas na montagem de televisões de tela plana. Eu estava trabalhando no meu local de sempre e o chefe estava pressionando todo mundo.

“Eu quero que vocês trabalhem mais rápido, porque nós precisamos do material com urgência”, ele disse

Eu fui deslocada para a Máquina 19, que é capaz de rasgar e cortar metal e que precisa das duas mãos para operar. Ela é pesada, com pelo menos uma tonelada, e ninguém gostava de trabalhar nela porque era um trabalho muito difícil. Parece que eles sempre me colocavam para trabalhar nela.

Eu comecei a trabalhar às 23h. Por volta das 2h ou 2h30, eu estava posicionando o metal dentro da Máquina 19. Minhas mãos estavam dentro da máquina, porque eu tinha que empurrar o metal até que se encaixasse na posição.

Foi quando a máquina caiu em cima delas.

Eu gritei. Todo mundo à minha volta chorava e gritava. Eles pararam a linha de montagem no lado feminino da sala, mas aos homens foi dito que continuassem trabalhando.

Enquanto isso, eu estava presa. Ninguém podia levantar a máquina de cima das minhas mãos. Elas ficaram presas por 10 minutos, esmagadas sob a máquina.

Finalmente, alguns colegas empregados criaram uma alavanca improvisada para levantar a máquina o bastante para que eu pudesse puxar as minhas mãos para fora. Eu não estava sangrando muito porque a máquina na verdade havia selado as extremidades dos meus braços e forjado eles ao pedaço de metal. Eles me levaram para o hospital com o pedaço de metal grudado nas minhas mãos. Os médicos ficaram surpresos quando eu apareci nesse estado. Eu lembro de falar “Arranquem o metal. Arranquem isso”. Mas eles não quiseram.

Minhas mãos estavam achatadas como tortillas, mutiladas, e as duas tiveram que ser amputadas. Eu perdi a minha mão direita até o pulso e a esquerda até um pouco mais acima. Eu não sabia como poderia trabalhar novamente.

Na hora, comecei a me preocupar com as minhas crianças. Eu tenho seis filhos em casa, que tinham entre 9 e 17 anos durante o acidente, e sou tanto mãe quanto pai para eles. Como poderia tomar conta deles agora?

Trabalhando seis dias por semana, eu ganhava 5,200 pesos por mês (400 dólares). Sem minhas mãos, sabia que não seria capaz de ganhar nem mesmo essa quantia.

Depois de cinco dias no hospital, eu saí de lá. Mas não fui direto para casa. Eu fui à fábrica onde trabalhava para a HD Electronics. Pedi para ver o gerente. Ele me ofereceu 50,000 pesos (3,800 dólares).

“Eu perdi minhas duas mãos”, eu disse. “Como a minha família vai sobreviver com 50,000 pesos?”

“Esta é a nossa oferta”, ele disse. “Pare de fazer um grande escândalo em cima disso e aceite”. No fim, eu consegui cerca de 14,400 dólares em acordo sob a lei trabalhista mexicana, uma quantia equivalente a 75% de dois anos de salário para cada mão. Mas sabia que precisava fazer mais pela minha família. Então olhei para além da fronteira, para o Texas, onde meu antigo empregador é sediado.

Eu encontrei um advogado com um escritório bonito em uma parte boa da cidade. Tinha certeza que ele poderia me ajudar. Em vez disso, ele disse “Vá até a ponte internacional e segure um copo que as pessoas irão te ajudar”.

Eu fiquei arrasada.

Foi então que decidi contar a minha história na televisão. Isso me levou até Ed Krueger, um pastor aposentado que jurou encontrar o advogado certo. Esse advogado era Scott Hendler, do escritório de advocacia Hendler Lyons Flores, em Austin, Texas. Mesmo sem condições de pagar, ele me ajudou a ajuizar uma ação contra a LG Electronics, que contratou a fábrica onde eu trabalhava. Finalmente, cerca de 18 meses após o acidente, eu tinha esperança.

Então o juiz do meu caso rejeitou a ação por causa de uma minúcia técnica, dizendo que a LG não havia sido notificada devidamente. Não me foi dada nem a chance de responder.

Já são quatro anos desde que perdi as minhas mãos. Eu tenho dificuldade para pagar a hipoteca e me pergunto: aquele primeiro advogado estava certo? Será que vou acabar indo parar numa ponte, com um copo na minha frente?

Eu desejo constantemente que alguém com um coração solidário possa me ajudar a conseguir mãos protéticas que sejam flexíveis, pois assim eu poderia realmente fazer alguma coisa. Atualmente, eu não consigo fazer muito. Eu posso fazer coisas pequenas e mover algumas coisas, mas não consigo fazer nada por conta própria. Nem consigo tomar banho de chuveiro. Minha família está sobrevivendo graças a um pequeno benefício por deficiência do governo, a bondade de amigos e porque a minha filha mais velha está agora trabalhando em vez de seguir com os estudos.

Eu trabalhei em fábricas durante a maior parte da minha vida. Eu sei que não sou a primeira pessoa a ficar machucada. Mas é necessário que mais seja feito para ajudar os trabalhadores que estão fazendo os produtos que tantos norte-americanos compram. Nós não pedimos nem por uma minúscula parte dos bilhões que essas empresas lucram. Só queremos o bastante para tomar conta de nossas famílias e, quando nos machucarmos, tomar conta de nós mesmos também.

Eu me sinto honrada por ter sido convidada pela Public Justice, uma organização jurídica maravilhosa que está lutando em nome de trabalhadores como eu, para compartilhar a minha história. E eu me sinto muito humilde por terem me escolhido para receber o seu Prêmio Iluminando Injustiças. Isso é exatamente o que espero conseguir: fazer brilhar uma luz sobre as histórias de trabalhadores como eu, de forma que as pessoas que compram os produtos que nós fazemos também possam entender um pouco sobre nossas vidas.

Eu espero que alguém, em algum lugar, escute ou leia a minha história e ajude a evitar que isso aconteça outra vez. Porque, embora as minhas mãos estejam perdidas, a injustiça ainda permanece para tantas pessoas.

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