Qual o foco de Paulo Guedes, superministro de Bolsonaro

Desde as 19h21 de domingo (28/10), quando o Tribunal Superior Eleitoral confirmou que Jair Bolsonaro estava matematicamente eleito presidente da República, todas as atenções se voltaram para as palavras do capitão reformado e de assessores que já foram confirmados ministros do próximo governo.

Depois de Bolsonaro, o mais disputado é Paulo Guedes, anunciado desde o início da campanha como o responsável pela economia em um eventual governo do capitão reformado. Guedes vai ocupar o Ministério da Economia, uma fusão da Fazenda, do Planejamento e da Indústria e Comércio.

A curiosidade sobre a fala do guru econômico se deve, principalmente, a dois motivos. O primeiro é que Bolsonaro, em várias oportunidades, admitiu publicamente que não entende do assunto e que o responsável por seus planos e atos no cargo seria Guedes. A transferência de responsabilidade deu grandes poderes e influência ao economista.

O outro motivo é que, assim como Bolsonaro, Guedes não detalhou vários de seus planos para a economia do Brasil. O que se sabe sobre as ideias do economista são linhas gerais expostas no programa de governo protocolado no Tribunal Superior Eleitoral e algumas entrevistas concedidas desde o início da campanha. Há mais dúvidas do que certezas.

Guedes passou parte da campanha recluso, sem falar com a imprensa nem participar de debates ou eventos públicos. O afastamento foi um pedido do próprio Bolsonaro, depois que uma fala de Guedes sobre a recriação da CPMF — tributo sobre movimentação financeira que vigorou no Brasil entre 1998 e 2006 — repercutiu mal entre aliados e analistas do mercado financeiro. Desde 19 de setembro, foram raras as falas públicas do economista apelidado de “Posto Ipiranga”.

O assessor de Bolsonaro é o grande responsável pela conversão do presidente eleito ao liberalismo econômico. Antes de Guedes, Bolsonaro votou contra o Plano Real e contra medidas de ajuste fiscal em seus anos como deputado.

Guedes estudou na Universidade de Chicago, um dos maiores centros do liberalismo econômico mundial. E convenceu Bolsonaro a incluir medidas de abertura econômica e de diminuição do tamanho do Estado em seu programa de governo.

Logo após a fala inaugural do futuro presidente da República, feita no domingo (28/10), Guedes concedeu uma entrevista coletiva improvisada na própria casa de Bolsonaro. Nela, indicou quais serão suas prioridades e comentou falas anteriores de Bolsonaro e de outros aliados sobre economia.

A preocupação com as contas públicas

Durante a curta e conturbada entrevista na casa de Bolsonaro, Guedes deu algumas diretrizes do que pretende implantar como chefe da economia do Brasil. O diagnóstico básico é que a crise nas contas públicas é o principal problema do país e precisa ser resolvido o quanto antes.

“Se o principal problema é descontrole dos gastos públicos, que corrompeu a política e travou o crescimento econômico, nós vamos controlar os gastos públicos. Então o foco é o controle dos gastos públicos”

Paulo Guedes, assessor econômico de Jair Bolsonaro

Guedes quer reformar o Estado brasileiro, e isso significa cortar gastos. Na avaliação do economista, o Brasil vem de décadas de “descontrole” dos gastos públicos, o que fez a despesa do governo aumentar como proporção do Produto Interno Bruto.

O Brasil terá deficit primário perto dos R$ 150 bilhões em 2018. Isso significa que, mesmo sem contar o gasto com juros da dívida pública, falta esse montante para fechar a conta. O economista repetiu que é factível zerar o deficit primário em um ano.

Reforma da Previdência

É a reforma prioritária do governo Bolsonaro na economia. Em 2017, o governo gastou, com a Previdência de todos os setores, cerca de R$ 685 bilhões, o que corresponde a mais de 50% de todos os gastos do governo no ano. Esse gasto com Previdência cresce ano após ano por causa da inclusão de novos aposentados e pensionistas.

Ainda não está claro que tipo de reforma Bolsonaro vai propor: se ela será focada no setor público, se afetará militares ou o quanto se pretende aproveitar do projeto do governo Temer. Paulo Guedes só disse que ela é a prioridade.

Uma hipótese que ganhou força é tentar aprovar a reforma proposta por Temer ainda em 2018, mas para Guedes ela não seria suficiente. O sonho do economista é a implantação de um modelo de capitalização da Previdência, nos moldes do que existe no Chile. Nele, cada cidadão contribui para uma conta própria e terá aposentadoria proporcional ao que poupou.

O quanto o governo vai economizar com a reforma da Previdência depende, obviamente, de que proposta vai ser aprovada. Mas a ideia é que uma reforma controle o crescimento dos gastos públicos nos próximos anos. É uma maneira de reduzir o crescimento acelerado da dívida pública, alimentado anualmente pelos deficits do governo e pelos juros.

Privatizações

O programa de governo de Bolsonaro, escrito por Paulo Guedes, era o mais ambicioso entre os candidatos no quesito privatização. O economista chegou a projetar a arrecadação de R$ 2 trilhões vendendo empresas e imóveis do governo federal.

Diferentemente da reforma da Previdência, que Guedes quer fazer imediatamente, o plano é fazer as privatizações de forma programada ao longo do tempo. Com isso, o economista quer diminuir as despesas do Estado na manutenção das empresas e ainda arrecadar recursos com as vendas.

Diminuição de despesas com juros

Paulo Guedes acha que o Brasil gasta muito dinheiro com os juros da dívida pública. O montante pago depende de algumas variáveis. O tamanho da dívida é o primeiro, mas importa também a velocidade de crescimento. Se os credores acreditam que a dívida está crescendo rápido demais e o país terá problemas para pagá-la, vão cobrar mais juros para emprestar dinheiro. A taxa básica de juros também tem influência e, nesse momento, é a única variável favorável ao governo brasileiro.

O economista de Bolsonaro repetiu no domingo que “o Brasil gasta um Plano Marshal” por ano com juros, em referência ao programa de reconstrução da Europa após a 2ª Guerra Mundial. Para reduzir o gasto com juros, ele quer, além de fazer as reformas que diminuam o crescimento da dívida, diminuir a dívida em si.

O plano de governo fala na ideia de usar o dinheiro arrecadado com as privatizações para reduzir em 20% a dívida pública — que está em cerca de R$ 5,2 trilhões. Na terça-feira (30/10), Guedes admitiu também que pode vender reservas cambiais para diminuir o tamanho da dívida, mas só em casos excepcionais.

O Brasil mantém reservas internacionais em dólar para se proteger de crises externas. Atualmente, o país acumula US$ 380 bilhões. O dinheiro é usado para ajudar o Banco Central a evitar altas bruscas no valor do dólar.

“Se o dólar chegar a R$ 5, vai ser muito interessante, porque vamos vender US$ 100 bilhões. São R$ 500 bilhões. Na mesma hora, vai recomprar dívida interna. Chama-se política de esterilização”

Paulo Guedes, assessor econômico de Jair Bolsonaro

Primeiras polêmicas

Com apenas dois dias de governo eleito, Paulo Guedes já teve de lidar com alguns desencontros com a imprensa e com futuros companheiros de governo. O primeiro foi quando, respondendo a uma jornalista argentina, disse, exaltado, que o Mercosul não seria uma prioridade no governo Bolsonaro.

Ele disse que o Mercosul é uma “prisão cognitiva”, uma aliança “totalmente ideológica”. “Você só negocia com gente que tiver inclinações bolivarianas.” No dia seguinte, Bolsonaro disse em entrevista que não quer implodir o Mercosul, mas que o bloco está desvalorizado.

Na terça-feira (30/10) Guedes teve de rebater declarações que vieram de dentro do governo. No sábado, ainda candidato, Jair Bolsonaro falou em criar uma meta para o dólar. A ideia representaria o fim do tripé macroeconômico que existe no Brasil desde o fim da década de 1990 e é baseado em câmbio flutuante, meta de superávit primário nas contas públicas e metas para a inflação.

Na segunda (29/10), o futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, disse que não haverá meta, mas sim previsibilidade. Apesar de amenizada, a proposta continuou sendo interpretada pelo mercado como uma interferência na política de câmbio flutuante. Paulo Guedes desautorizou o colega.

“Houve gente do próprio [futuro] governo falando que não tem pressa de fazer reforma da Previdência. Ele [jornalista que fez a pergunta] está dizendo que o Onyx, que é coordenador político, falou de banda cambial. Ao mesmo tempo, está dizendo que o Onyx falou que não tem pressa na Previdência. Aí o mercado cai. [Os agentes do mercado] Estão assustados por quê? É um político falando de economia. É a mesma coisa do que eu sair falando de política. Não dá certo, né?”

Paulo Guedes, assessor econômico de Jair Bolsonaro

Fonte: Nexo
Texto: José Roberto Castro
Data original da publicação: 30/10/2018

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