Parte da população carcerária estadunidense produz desde móveis até itens de segurança e defesa para agências estatais e instituições privadas; presos não têm direito a benefícios como aposentadoria e não podem se organizar em sindicatos.
Terrell Jermaine Starr
Fonte: Opera Mundi, com AlterNet
Tradução: Jessica Grant
Data original da publicação: 13/07/2015
Se você pensou que a escravidão tinha sido abolida nos Estados Unidos, você pensou errado. A 13ª emenda à Constituição norte-americana estipula que “não haverá, nos Estados Unidos ou em qualquer lugar sujeito a sua jurisdição, nem escravidão, nem trabalhos forçados, salvo como punição de um crime pelo qual o réu tenha sido devidamente condenado”.
Em outras palavras, significa que, nos Estados Unidos, a escravidão ainda pode existir para aqueles que estão na prisão, um lugar onde as pessoas basicamente perdem todos os direitos. (Elas não ganham muitos de seus direitos de volta quando saem da prisão, mas esta é outra história.) Portanto, dada a inclinação do país para um capitalismo voraz, não é uma surpresa tão grande o fato de que grande parte do sistema prisional norte-americano explore os prisioneiros praticamente como escravos.
Há uma exploração laboral em larga escala nas prisões dos Estados Unidos que beneficia grandes empresas norte-americanas e seu complexo militar-industrial. A UNICOR, mais conhecida como Federal Prison Industries, ou FPI (Indústrias das Prisões Federais, em tradução livre), é uma empresa estatal que emprega os presidiários pagando centavos de dólar por hora, providenciando uma vasta gama de produtos e serviços sob o disfarce de um “programa de treinamento profissional”. Na teoria, isso deveria dar habilidades aos presidiários preparando-os para o mercado de trabalho ao saírem da prisão.
Críticos da FPI apontam há tempos que a empresa explora os prisioneiros, que não têm o direito de se organizar em sindicatos para terem seus direitos protegidos, além de competir injustamente com as pequenas empresas que não conseguem fornecer bens e serviços em competição com a remuneração média de 92 centavos de dólar por hora [2,93 reais] aos trabalhadores da FPI. O programa emprega cerca de 13 mil prisioneiros por ano. Em 2013, a empresa apresentou receita bruta de US$ 609,7 milhões [1,9 bilhão de reais].
De acordo com o site da FPI, os presidiários empregados no programa realizam diversos serviços que incluem a produção de móveis para casas e escritórios, colchões, bandeiras, sinalizações de trânsito e itens militares. Estes itens são geralmente feitos para outras empresas federais, mas as companhias privadas também podem contratar trabalhadores através do FPI.
Não é nenhuma novidade que o mercado de trabalho de presidiários/escravos cresceu junto com o encarceramento em massa nos Estados Unidos. A organização sem fins lucrativos Prison Policy Initiative contabilizou 2,3 milhões de pessoas na prisão, de acordo com o censo de 2010, de longe a maior taxa de encarceramento do chamado “mundo desenvolvido”.
Muito mais pessoas estão atadas por outros braços do sistema de justiça criminal norte-americano. No fim de 2013, quase 5 milhões de adultos estavam em liberdade provisória ou liberdade condicional, de acordo com o escritório de dados do Ministério da Justiça dos EUA. Todos esses, e também os que ainda não foram condenados, estão vulneráveis aos salários abusivos e às regras complexas aparentemente criadas para manterem as pessoas no sistema prisional. Basicamente, há um trio de exploração no sistema da justiça criminal norte-americana. Como reportado por AlterNet, o sistema de fiança nos Estados Unidos mantém muita gente encarcerada numa forma de prisão preventiva em massa, da qual você precisa pagar para sair. E os departamentos de polícia estão se financiando cada vez mais através da cobrança de taxas exorbitantes por pequenas infrações.
Em termos de trabalho prisional, uma das produções controversas é a de painéis de energia solar. Como a agência de notícias Reuters reportou, a Suniva Inc., uma empresa do estado da Georgia produtora de células e painéis solares, usa o trabalho de presidiários para 10% da sua produção porque precisa manter os custos baixos para conseguir, em parte, competir com os produtores da China. A empresa também é apoiada pelo grupo financeiro Goldman Sachs.
Nos últimos 18 meses, a Suniva transferiu todas as suas fábricas de montagem de painéis solares da Ásia para os Estados Unidos. O acordo da Suniva com a FPI ajuda-lhes a evitar as tarifas do governo norte-americano sobre os painéis feitos na China e a obterem contratos lucrativos com o Estado. Cerca de 200 presidiários produzem painéis solares nas prisões de Sheridan, no estado de Oregon, e Otisville, no estado de Nova York.
Os painéis solares feitos nos Estados Unidos são mais eficientes em gerar eletricidade a partir do sol, permitindo que empresas como Suniva vendam-nas a preços altos. Quanto aos presidiários, o vice-presidente de venda e produção mundial da Suniva, Mike Card, afirma que não sabe quanto ganham.
Ser capaz de produzir painéis solares é, de fato, uma boa habilidade profissional, mas, de acordo com Alex Friedman, editor-chefe da revistaPrison Legal News, a FPI não possui nenhum programa de realocação laboral para os presos que são soltos.
“Alguns possuem diversas habilidades, mas isso não necessariamente significa que terão um bom trabalho quando sair”, diz Friedman. “Você pode ser muito hábil no que for, mas você também tem um registro criminal. Você sairá da prisão depois de dois ou cinco anos, tanto faz, e começará do zero.”
Outro campo no qual os presidiários da FPI estão trabalhando é nos contratos militares. Em 2013, as pessoas detidas nas prisões federais costuraram mais de 100 milhões de dólares em uniformes militares para o Departamento de Defesa, de acordo com o New York Times. Os presidiários que fazem esse vestuário não ganham mais do que 2 dólares por hora, algo que deixa em grande desvantagem as pequenas empresas competitivas, que precisam pagar pelo menos o salário mínimo, que pode variar – para cima – entre cidades e estados dos EUA mas está estabelecido federalmente como 7,25 dólares por hora [23 reais].
Cathy Griffiths, gerente de operações da fabricante de roupas American Power Source, da cidade de Fayette, do estado de Alabama, afirmou em 2012 que teve de despedir 50 de seus 300 empregados depois que a FPI ganhou um contrato lucrativo com o exército americano. No mesmo ano, a American Apparel, Inc., uma empresa do mesmo estado que faz uniformes militares, disse que precisou fechar uma fábrica e despedir 175 trabalhadores porque foi forçada a competir com a FPI pelos contratos federais.
“Pagamos em média 9 dólares por hora aos nossos funcionários”, contou à Prison Legal News Kurt Wilson, um executivo da American Apparel. “Eles têm seguro de saúde completo, plano de aposentadoria e férias remuneradas. Estamos competindo contra um programa federal que não paga nada disso.”
Como os prisioneiros não têm o mínimo de proteção laboral, é muito difícil para uma empresa competir com companhias que usam essa fonte de trabalho prisional barata.
“Presidiários geralmente não se enquadram em quaisquer práticas padronizadas ou representações do trabalho justo”, diz Christopher Petrella, pesquisador na Universidade da Califórnia em Berkeley que estuda abusos trabalhistas nas prisões. “Então, muitas vezes, os prisioneiros são pagos, mas não recebem as mesmas proteções que o trabalhador de fora da prisão.”
A questão não é se os prisioneiros têm o direito de trabalhar e de aprender habilidades que irão ajudá-los quando saírem da prisão. O fato é que a FPI está pagando a eles bem menos do que o salário mínimo. O trabalho prisional se aproveita de uma força de trabalho vulnerável que não consegue defender a si mesma, formar um sindicato, lutar por seus direitos de trabalhadores ou buscar proteção legal para combater potenciais abusos trabalhistas.
Os trabalhadores presos também não possuem nenhum apoio político. “Praticamente, não há nenhuma base eleitoral que se importe [com eles]”, afirma Petrella. “Isso é uma coisa muito preocupante e trágica de se dizer, mas acho que é verdade. Os presidiários são muitas vezes os mais marginalizados. Eles nem podem votar. Então, se não podem sequer votar, que tipo de plataforma eleitoral há para os políticos, então, apoiarem-se nela para tomar decisões sobre como avançar na reforma do sistema?”
O número de presidiários que trabalham na FPI é uma pequena parcela dentro dos 2,2 milhões de prisioneiros atrás das grades numa ampla variedade de programas de trabalho estaduais e federais, então é apenas uma parte de um problema muito maior de exploração de trabalho. Mas é o governo federal que financia e gerencia a FPI, uma empresa que terceiriza o trabalho de formas abusivas.
Friedman diz que a FPI e outros programas de trabalho em geral devem passar por grandes reformas que incluam dar aos trabalhadores presos o direito de se protegerem da exploração, pagando-lhes o mesmo que um trabalhador que não está encarcerado receberia, e treinando-os para trabalhos que realmente lhes renderão um emprego quando saírem da prisão. Sem estas mudanças, diz Friedman, o trabalho prisional não é nada além de um trabalho escravo.