Leonardo Sakamoto
Fonte: UOL
Data original da publicação: 25/06/2019
A média salarial dos professores da educação básica é mais baixa (69,8%) que a do conjunto dos trabalhadores brasileiros com ensino superior. Enquanto docentes tem rendimento médio de R$ 3.823,00, o segundo grupo tem R$ 5.477,05. Na comparação com o salário médio de profissionais das áreas de Exatas e Saúde, a defasagem chega a 50%. Os dados são do Anuário Brasileiro da Educação Básica 2019, divulgado nesta terça (25), pelo Movimento Todos pela Educação em parceria com a Editora Moderna, com base em dados do IBGE.
A categoria essencial para permitir que o Brasil dê o salto em produtividade e em desenvolvimento humano e social continua sendo maltratada. O que acaba por torná-la pouco atrativa e, não raro, a primeira opção apenas de pessoas abnegadas.
De acordo com a publicação, 19,6% dos municípios da região Norte e 15,6% dos da região Sudeste não oferecem planos de carreira aos docentes. E uma quantidade significativa de professores ainda lecionam em mais de uma instituição de ensino simultaneamente: 28,6% dos professores no Rio de Janeiro e no Espírito Santo, 28,2% no Mato Grosso do Sul e 26,5% no Paraná, por exemplo.
O Anuário aponta que a média salarial dos professores da rede pública vem crescendo – nos últimos sete anos foi um aumento de 6,4%. A velocidade, contudo, é insuficiente para o desafio que temos pela frente.
É triste que parte dos “homens e mulheres de bem” que defendem a educação como solução não acredita que salários mais altos, mais gastos em formação técnico-pedagógica e melhor infraestrutura tenha a ver com a melhoria da sociedade. E repetem o mesmo discurso que uma educação de qualidade não passa por pesados investimentos novos, mas por sinergia e boa vontade. Muita gente repete esses mantras porque eles são superficiais. É bonito pedir educação para todos e todas. Mas a mudança real de modelo que isso significa na prática fere os valores defendidos por quem almeja um Estado mínimo. Educação de qualidade, desde que você trabalhe e pague por ela.
Não há possibilidade de resolvermos os problemas da educação sem grandes injeções de recursos na remuneração e formação de docentes, afinal não estamos no estágio de manutenção da excelência, mas de garantir um mínimo de dignidade.
Quando a Emenda do Teto dos Gastos foi aprovada, durante o governo Temer, avisamos que Educação e Saúde sofreriam o impacto em pouco tempo se o reajuste das receitas se desse apenas pela inflação e não considerasse a demanda por investimentos que temos pela frente nessas áreas. Depois, vieram os cortes no orçamento baixados pelo governo Bolsonaro, feitos por pessoas com cabeça e coração de planilha.
Esqueçam o desvio do orçamento da educação para pagamento de juros da dívida pública, esqueçam a incapacidade administrativa e gerencial, o sucateamento e a falta de apoio para a formação dos profissionais, os salários vergonhosamente pequenos e atrasados, a falta de planos de carreira, a ausência de infraestrutura, de material didático, de merenda decente, de segurança para se trabalhar. Esqueçam os projetos impostos de cima para baixo que fecham escolas e desfazem comunidades escolares. Esqueçam o gás lacrimogênio e as balas de borracha contra professores que fazem greve.
O Brasil joga nas costas do professor e do aluno a responsabilidade pelo sucesso ou o fracasso das políticas públicas de educação, de que deve enfrentar a adversidade e “vencerem na vida”. Esse discurso passa uma mensagem do tipo “quem não consegue chegar lá por conta própria sem depender de uma escola de qualidade, de um bom professor e de uma rede de proteção social merece nosso desprezo”.
Uma mudança real e profunda na educação no Brasil não será feita por um Estado mínimo apoiado apenas em escolas particulares. Espero que uma parcela economicamente poderosa da sociedade se dê conta disso antes que o futuro esteja irremediavelmente posto na lata do lixo.
A escola tem um papel central. Aprender como fazer a discussão de valores com respeito a ideias divergentes e à ética é tão importante quanto absorver conhecimento técnico. A burrice, como manifestação da negação do conhecimento, avança quando os governantes acham possível construir uma sociedade melhor e mais justa jogando na lata do lixo os instrumentos usados para refletirmos sobre seus erros e acertos.
Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e o desrespeito aos direitos humanos no Brasil. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil e conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão.