Leonardo Sakamoto
Fonte: UOL
Data original da publicação: 01/05/2019
Profissionais da indústria e da construção civil ainda morrerão durante um longo tempo, vítimas do manuseio do amianto. Muitos deles desconhecem os impactos da exposição pelo produto e não tomaram precauções contra suas fibras cancerígenas. Mas também o consumidor vai continuar se expondo a riscos ao comprar e serrar telhas de amianto. Ou alguém acha que na vida real as pessoas usam máscaras de astronauta para reformar suas casas? Sim, entre os doentes já diagnosticados com fibras de amianto nos pulmões, há brasileiros que jamais colocaram os pés em fábricas ou em áreas de mineração da fibra.
O Brasil está coberto de amianto. Devido a seu baixo preço, resistência ao calor e maleabilidade, ele foi usado largamente para cobrir lares de todo o país, principalmente nas comunidades mais pobres.
A Organização Mundial da Saúde afirma que não há níveis seguros de exposição a qualquer volume e a qualquer variedade de amianto. E, uma vez respiradas, suas fibras podem desencadear doenças pulmonares devastadoras que levam até quatro décadas para se manifestar. Uma verdadeira bomba-relógio.
Essa latência é conveniente a empresários que fizeram fortuna com o minério. Que podem vir a morrer de causas naturais antes de serem chamados a responder pelos contaminados de hoje. Dados do Ministério da Saúde mostram que os óbitos causados pelo amianto continuam crescendo. A indústria alega que são operários contaminados antes de 1980, quando não havia qualquer controle nas fábricas.
O Supremo Tribunal Federal se posicionou através de uma série de julgamentos sobre o assunto. O último deles, que tirou as dúvidas sobre o banimento, foi finalizado em novembro de 2017. Naquele momento, proibiu a industrialização e comercialização do amianto em todo o país.
A indústria de telhas já está mais do que adaptada à produção de fibras alternativas no Brasil.
No último sábado (27), o presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre, acompanhado dos senadores Vanderlan Cardoso, Luiz do Carmo e Chico Rodrigues, e o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, visitaram Minaçu (GO), onde fica a Sama, responsável pela extração e beneficiamento desse produto a partir uma mina. Os políticos declararam apoio à reabertura da exploração em nome das famílias de trabalhadores da empresa.
Ao invés de atuarem para requalificar e ajudar os empregados a encontrarem novos postos de trabalho, políticos e empresários os usam para justificar a reabertura da exploração de um produto que mata.
Enquanto isso, em Casale Monferrato, cidade italiana que abrigou uma das maiores fábricas de telhas de amianto da Europa e foi berço do movimento internacional pelo banimento desse mineral, familiares das vítimas ainda lutam pela responsabilização criminal dos proprietários da Eternit. No Brasil, associações pessoas atingidas também travam uma batalha na Justiça pela indenização a essas pessoas.
A greve geral que começou no dia Primeiro de Maio de 1886, em Chicago, nos Estados Unidos, exigindo a redução da jornada de trabalho para oito horas por dia, acabou em tragédia, com manifestantes e policiais mortos e sindicalistas condenados (injustamente) à morte. Nos anos seguintes, a data foi escolhida para ser um dia de luta por condições melhores de trabalho. Menos nos Estados Unidos, em que o Labor Day é na primeira segunda-feira de setembro.
A mobilização de trabalhadores, que se reconhecem como tais e percebem a injustiça que, muitas vezes, recai sobre eles, não apenas aumentou salários, mas já ajudou a derrubar regimes, a democratizar países, a mudar o rumo da história. Mas também fez com que empresas passassem a obedecer a lei, evitando que seu comportamento causasse danos à sociedade em que estavam.
A tentativa de retomar a produção de amianto, usando empregos como justificativa, é um tapa na cara da qualidade de vida desta e das futuras gerações. E um atestado que confirma a quem servem os políticos que embarcam nesse tipo de lobby. Por décadas, a indústria do amianto investiu pesado em campanhas publicitárias, pesquisas científicas pagas e financiamento de campanhas para convencer tribunais e a opinião pública de que a variedade usada no país não é tão ruim assim.
Trabalhadores são fortes e podem dar um basta em coisas como essa. Pena que são convencidos do contrário.
Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e o desrespeito aos direitos humanos no Brasil. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil e conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão.