A maior carga protetiva dispensada pelo país vizinho não decorre da natureza da atividade laboral remota, mas de uma escolha legislativa.
Oscar Krost
Fonte: Direito do Trabalho Crítico
Data original da publicação: 27/11/2022
Desde a criação deste blog, em junho de 2020, em meio a pandemia, diversos foram as reflexões sobre o “teletrabalho” e cujo desenvolvimento se mostrou útil ao enfrentamento dos desafios trazidos pelas medidas sanitárias de isolamento.1 Os Legisladores nacionais entenderam ser o momento de reger ou alterar, em maior ou menor medida, as particularidades da dinâmica e do regramento “telepresencial”.
Para evitar incorrer em “mais do mesmo”, proponho-me, nestas primeiras linhas, comparar o tratamento normativo dispensado pelo Brasil, com ênfase às recentes alterações promovidas na CLT, e a norma produzida no Uruguai. De alguma forma, considerações anteriores acabarão sendo reproduzidas, apenas no que for essencial, porém matizadas pelo amadurecimento causado pelo tempo e pelos debates.
Comumente, o termo “teletrabalho” é usado de forma imprópria, como sinônimo de home office. O “teletrabalho” pode ser prestado em qualquer local, desde que fora das instalações do empregador, utilizada tecnologia telemática, enquanto que home office deve ocorrer na residência do empregado, podendo ou não contar com o recurso da informática.
Há divergência na doutrina brasileira quanto ao primeiro marco normativo disciplinando o fenômeno: se o art. 6o da CLT,2 com a redação dada pela Lei no 12.511/11, ou a Lei no 13.467/17, pela inclusão dos arts. 75-A a E à CLT. Independente da linha endossada, fato é que o trabalho em domicílio possui expressa previsão legal antes mesmo do advento das Leis no 12.511/11 e no 13.467/17, conforme disposto nos arts. 6o e 83 da CLT, mas apenas a partir de 2017 o “teletrabalho” recebeu uma disciplina detalhada, para além de mera previsão.
Até a promulgação da Lei nº 19.978/21, não dispunha o Uruguai de regramento sobre o “teletrabalho”, pois, como o Brasil, não é signatário da Convenção no 177 da OIT. Existe na doutrina do país vizinho, inclusive, entendimento sobre a desnecessidade de uma norma específica.3
No plano constitucional, Brasil e Uruguai consagram o Princípio da Não-Discriminação no plano laboral, ao vedarem distinções salariais, funcionais, admissionais ou de outras ordens, ainda que empregando termos apenas aparentemente distintos.4 5
Além da inserção do inciso III ao art. 62, juntamente como os arts. 75-A a E, à CLT pela Lei no 13.467/176 (Reforma Trabalhista), recentemente, foram promovidas alterações no texto legal pela Medida Provisória nº 1.108/22 convertida na Lei nº 14.442/22.7 No Uruguai, a matéria é tratada pela Lei nº 19.978/21,8inexistindo uma consolidação ou codificação do trabalho, peculiaridade histórica que nos ajuda a entender um pouco mais a importância da obra de Américo Plá Rodriguez em seu próprio país e que acabou influenciando toda a América Latina.
O art. 75-A da CLT dispõe que o “teletrabalho” será disciplinado pelas previsões do capítulo “II-A – Do teletrabalho” da CLT, fazendo pairar dúvidas se a regulação ali estabelecida seria taxativa ou exemplificativa. Já o art. 75-B, em sua redação original, apresenta o conceito de “teletrabalho” como “a prestação de serviços preponderantemente, fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias da informação e de comunicação”, não configurando trabalho externo por conta de sua natureza.
Mostra-se desnecessária a exclusividade da atuação do empregado fora das dependências do empregador. Em tese, pode laborar até mesmo em sua moradia durante a jornada integral ou parte dela, bastando que lance mão de recursos tecnológicos-informacionais.
A Lei nº 14.442/22 alterou a redação do art. 75-B da CLT, incluindo a locução “ou não” após o termo “preponderante”. Com isso, deixou para trás a ideia inicial do aspecto quantitativo de maneira remota para configurar a modalidade.
Acresceram-se, ainda, nove parágrafos, rompendo com o minimalismo que até então marcava a legislação brasileira, composta por apenas 05 regras.
Pelo §1º, “o comparecimento, ainda que de modo habitual, às dependências do empregador para a realização de atividades específicas, que exijam a presença do empregado no estabelecimento, não descaracteriza o regime de teletrabalho ou trabalho remoto“. E nem poderia, pois o caput do artigo define os elementos essenciais do “teletrabalho”, não havendo motivo, ainda mais considerando o trecho “preponderantemente ou não” também inserido.
O §2º determina que “o empregado submetido ao regime de teletrabalho ou trabalho remoto poderá prestar serviços por jornada ou por produção ou tarefa“. A disposição ratificou ser possível quantificar e controlar a jornada de quem presta serviços à distância demonstrando a falácia sobre a qual se funda a previsão do art. 62, inciso III, da CLT.
O §3º dispõe que “na hipótese da prestação de serviços em regime de teletrabalho ou trabalho remoto por produção ou tarefa, não se aplicará o disposto no Capítulo II do Título II desta Consolidação“. Não há nexo entre o critério de cálculo de salário e limite/controle de jornada, tornando o texto de complexa compreensão.
O que torna determinada atividade controlável é a situação fática em que realizada, não a forma de apurar a remuneração. Aplicável o Princípio da Primazia da Realidade.
Pelo §4º, ficou estabelecido que “o regime de teletrabalho ou trabalho remoto não se confunde e nem se equipara à ocupação de operador de telemarketing ou de teleatendimento“. O que torna uma atividade, partindo do texto legal, é o atendimento ao disposto no art. 75-B da CLT, não o termo utilizado.
O §5º dispõe que “o tempo de uso de equipamentos tecnológicos e de infraestrutura necessária, e de softwares, de ferramentas digitais ou de aplicações de internet utilizados para o teletrabalho, fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou em acordo ou convenção coletiva de trabalho“. O que constitui tempo à disposição, alheio ou não à jornada, é o estado de disposição.
Conforme o §6º, autoriza-se a adoção do regime de “teletrabalho” ou trabalho remoto para estagiários e aprendizes. Inviável deixar os futuros profissionais fora do alcance das atuais tendências laborais, sem abandonar, igualmente, o devido cuidado.
O §7º garante a aplicação aos empregados em “teletrabalho” das “disposições previstas na legislação local e nas convenções e acordos coletivos de trabalho relativas à base territorial do estabelecimento de lotação do empregado.” Adotou o Princípio da territorialidade pela ausência normativa até então existente no capítulo II-A da CLT.
A territorialidade estabelecida é relativa, portanto, alterável quando colidir com os Princípios Protetivo e da Primazia da Realidade.
As observações em questão aplicam-se, por razões óbvias, à previsão do §8º, no sentido de que o “contrato de trabalho do empregado admitido no Brasil que optar pela realização de teletrabalho fora do território nacional, aplica-se a legislação brasileira, excetuadas as disposições constantes na Lei nº 7.064, de 6 de dezembro 1982, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes.“
Novamente a questão geográfica exige cautela dos Operadores do Direito e do Poder Público. Como referido em face do parágrafo anterior, tem-se nesta previsão uma presunção juris tantum, passível de elisão em cada caso concreto, sempre que artificial ou em fraude, atraindo a incidência do art. 9º da CLT.
O §9º garante a possibilidade de se estabelecer por ajuste individual horários e meios de comunicação entre empregado e empregador, desde que assegurados os repousos legais. Sabemos que a lei não contém palavras inúteis ou desnecessárias, mas o mesmo não se pode dizer quanto a ser livre de prolixidades.
Se os arts. 444 e 468 da CLT regem os limites da autonomia privada trabalhista e sendo o repouso semanal remunerado Direito Fundamental assegurado no art. 7º, inciso XV, da Constituição, qual o beneficio trazido por este parágrafo?
Tão somente ratifica a ideia de ser o capítulo “II-A Do teletrabalho” um microssistema autônomo dentro da CLT. Além disto, a fixação de horário é elemento essencial do contrato de trabalho ao prever a limitação do tempo de atividade ou à disposição, repercutindo nos descansos inter e entrejornadas.
Considerando estar o “teletrabalhador”, também por modificação trazida pela Lei nº 14.442/22, em tese, fora do alcance das disposições do “Capítulo II Da duração do trabalho” quando receber por produção ou tarefa, pelo teor do art. 62, inciso III, da CLT, pelo menos em uma leitura meramente literal da norma, não haveria como controlar sua jornada, pelo que, inviabilizada a adoção do critério temporal. Exceção seria quando a remuneração seja apurada por unidade de tempo.
Ficção sobre ficção, buscando contradizer a realidade: se é possível pactuar remuneração por unidade de tempo, por óbvio, a atividade é controlável. Desta forma, não possui qualquer razoabilidade deixar de assim entendê-lo apenas pelo pagamento ser calculado por unidade de obra.
Já a Lei nº 19.978/21 do Uruguai, em seus arts. 1, 2, 4 e 5, traz o conceito de “teletrabalho” e o âmbito de aplicação das regras a ele atinentes. Ao contrário do Legislador brasileiro, o uruguaio não deixou margem a incertezas sobre a natureza jurídica do ajuste como modalidade contratual, tendo por fator distintivo a prestação de trabalho fora das dependências do empregador, utilizando de modo preponderante tecnologia de informação e comunicação, online ou offline.
Tais regras incidem sobre as relações trabalhistas subordinadas e dependentes, não abrangendo, por consequência, liames envolvendo prestadores autônomos ou parassubordinados. De forma expressa, asseguram a aplicação a limes tanto estabelecidos com empregadores de Direito Privado, quanto Público, consagrando uma inovação se comparada com as disposições brasileiras ao alcançar o Estado-empregador.
A Lei nº 19.978/21, no art. 3 apresenta como princípios regentes da modalidade a voluntariedade, reversibilidade, igualdade, não discriminação e fomento ao emprego. Garante o direito à isonomia de tratamento entre empregados que atuam dentro e fora das dependências do empregador em sentido diametralmente oposto ao Brasil.
Inova, sinalizando a opção em sentido contrário pelo Legislador brasileiro, ao impor a patrões e trabalhadores, conjuntamente, o dever de definição do (s) local (is) em que desenvolver-se-á o “teletrabalho”, podendo ser o domicílio do sujeito subordinado, em outro ou em ambos, de modo alternado e se a natureza do serviço permitir. Veda, apenas, a concessão pelo empregador do espaço físico onde o labor ocorre.
A CLT afasta o teletrabalhador da aplicação das regras do capítulo das disposições sobre a duração do trabalho. Ao assim proceder, viola o Princípio da Proibição do Retrocesso Social consagrado no art. 7o, caput, da Constituição brasileira e ignora a eficácia negativa dos Direitos Fundamentais, dos quais os Direitos Sociais Trabalhistas são espécie.9
Unidade de obra/tarefa ou unidade de tempo são critérios para calcular a contraprestação, não interferindo, em absoluto, na possibilidade de mensurar e controlar a jornada, tampouco modifica o direito ao não trabalho, corolário do direito à saúde. Logo, artificial e anti-isonômica a novação na CLT, no particular, dando conta de que sempre foi possível controlar o trabalhador remoto.
Mais uma vez, a Lei nº 19.978/21 demonstra maior proteção do que seu correspondente brasileiro, ao dispor em seus arts. 8, 9 e 14 sobre a limitação de horas semanais existente em cada atividade, ao garantir o direito ao descanso e à desconexão, esta em tempo não inferior a 08h contínuas entre o término de uma jornada e o início da subsequente. Prevê o direito do trabalhador à organização livre da jornada em horários que melhor atendam às próprias necessidades em importante avanço social.
Entretanto, em relação às prorrogações de expediente, o Legislador uruguaio estabeleceu um duplo tratamento: se diárias não constituem trabalho extra, devendo ser compensadas na própria semana em que prestadas; acaso semanais devem ser remuneradas com 100% de acréscimo sobre o valor da hora normal. Facultou às partes a fixação de sistema de registro de horário para gerir os excessos para fins de compensação e pagamento, medida intermediária entre a ausência de controle brasileira e a marcação necessária argentina.
A CLT passou a assegurar, a partir da Lei nº 14.442/22, a prioridade do “teletrabalho” a pessoas com deficiência ou quando possuírem filhos com idade de até 4 anos sob sua responsabilidade, estabelecendo-se, ainda, na normatividade esparsa, garantia semelhante, pela Lei nº 14.457/22,10 porém em relação a cuidados de crianças de até 6 anos ou dependente com deficiência, neste caso, sem limite etário.
O art. 3 da Lei nº 19.978/21 traz como um dos Princípios aplicáveis ao trabalho remoto o fomento do emprego, reconhecendo a necessidade desta forma de atuação à geração de postos de serviço a pessoas com responsabilidades familiares/de cuidado ou dependência, assim como incapacidade. Na mesma linha, o art. 8 reconhece ao sujeito subordinado o direito de organizar as horas a serem trabalhadas por dia, franqueando a compensação dentro da própria semana, acaso observado o módulo máximo, e impondo o pagamento com adicional de 100% caso este módulo seja desrespeitado.
Tais previsões concretizam o mandamento do art. 41 da Constituição da República Oriental do Uruguai,11 pelo qual cabe aos pais, como direito, o cuidado e a educação dos filhos, inclusive mediante recebimento de auxílios compensatórios. Segundo a nossa Lei Maior, pode (ou deve?) a lei dispor, como de fato dispôs, sobre medidas necessárias à proteção da infância e juventude contra o abandono.
O “teletrabalho” no Brasil, no art. 75-C, caput, da CLT, atribui à forma escrita efeito de solenidade. A inobservância gera o desvirtuamento da modalidade especial, afastando a incidência das disposições específicas do “Capítulo II-A Do Teletrabalho”.
No que diz respeito à necessária descrição das atividades do “teletrabalhador”, igualmente tem-se que sua ausência ou insuficiência desatende o comando legal. Com isto, inviabilizada a análise da compatibilidade entre os serviços descritos e os considerados possíveis de prestação remota, passando o negócio a ser normatizado como contrato comum.
A exigência de “mútuo acordo” quer dizer “mútuo consentimento”, como adotado pelo art. 468 da CLT, ao tratar das alterações contratuais em geral, não podendo qualquer modificação causar prejuízo ao empregado, sob pena de nulidade, pela incidência do disposto nos arts. 9o, 444 e 468, todos da CLT, inspirados no Princípio da Proteção.
Quanto à isenção do empregador pelas despesas decorrentes do retorno ao trabalho presencial, na hipótese de o empregado optar pela realização do teletrabalho ou trabalho remoto fora da localidade prevista no contrato, admitida pactuação em contrário pelas partes, na forma do §3º, algumas considerações apresentam-se pertinentes.
Não houve cuidado pelo Legislativo sobre a distinção entre “teletrabalho” e trabalho remoto, descuidando do microssistema de “teletrabalho”. No entanto, a ausência de responsabilidade patronal frente ao dever de fazer frente a despesas impostas ao empregado na hipótese de permanecer em teletrabalho não pode prevalecer por alguns fundamentos.
Primeiro, por caber ao empreendedor da atividade assumir todos os riscos do negócio, dentre os quais despesas (CLT, art. 2º). Segundo, pelo interesse do trabalho à distância nunca ser apenas de uma das partes como faz crer o dispositivo, de modo que ônus devem atentar a isto. Terceiro, por atribuir ao trabalhador despesa decorrente da prestação de serviços representa redução salarial, prática constitucionalmente vedada (art. 7º, inciso VI).
A lei uruguaia, por sua vez, vai além, consagrando como Princípios do teletrabalho a Voluntariedade e a Reversibilidade (art. 3), sempre por meio de ajustes bilaterais entre empregado e empregador. Merece destaque o aspecto solene imposto às partes, no particular, pois assim como na CLT, a pactuação deve ser escrita, dando conta da relevância da pré-constituição probatória, pois sequer do contrato de trabalho no Uruguai é exigida a forma documentada.
A Lei nº 19.978/21, novamente, se apresenta mais protetiva da pessoa que trabalha do que a brasileira. Estabelece a possibilidade de reversão do regime de teletrabalho para o de trabalho presencial em 90 dias, com direito de aviso de pelo menos 07 dias, não exigindo qualquer contagem em sentido contrário. Diante dos Princípios positivados e relacionados ao teletrabalho.
Sobre a responsabilidade acerca da aquisição e custeio de equipamentos e estrutura, Aquele que empreende atividade econômica assume os riscos e custos correspondentes. Entretanto, o art. 75-D da CLT determina que o ajuste relativo à aquisição, manutenção e fornecimento de maquinário deva constar em contrato escrito, não especificando a quem cabe o custeio. O parágrafo único do art. 75-D da CLT estabelece que as utilidades fornecidas não possuem natureza salarial.
A regra uruguaia determina que as condições sobre uso e fornecimento de maquinário e demais recursos necessários à execução do teletrabalho constem expressamente no contrato. Em redação dúbia e contraditória, aproximando-se da imprecisão da CLT, atribui ao empregador o dever de proporcionar equipamentos e estrutura apenas em caso de “desacordo” com o empregado, custeando gastos operacionais, quantias e utensílios cujos valores não integram o salário para qualquer fim.
Por uma interpretação sistemática e finalística das disposições atinentes ao Direito do Trabalho dos dois países comprados, não há dúvidas sobre caber ao empregador a assunção de custos e despenas decorrentes da implantação do regime telepresencial. Contudo, ao não expressar de forma direta e precisa tal ônus, o Legislador deixa aos Operadores do Direito um verdadeiro desafio hermenêutico, nem sempre simples, criador de insegurança, incertezas e celeumas, todas evitáveis.
O art. 75-E da CLT prevê somente o dever de instrução quanto a precauções sobre saúde e trabalho. No parágrafo único, exige a assinatura pelo trabalhador de termo de responsabilidade pelas informações recebidas. O patrão na Argentina responde pela formação, enquanto que no Brasil, apenas pela informação.
A CLT, por seu art. 157, incisos I, II e IV, expressamente imputa ao empregador o dever de instruir, cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho, adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente e facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente. Assim, informar é tão somente uma das modalidades de promover a redução dos riscos de adoecimento e de acidentes.
Em relação à saúde, segurança e meio ambiente do trabalho, a regra uruguaia apresenta preocupação com o aspecto preventivo, expressando a responsabilidade empresária com a preservação de condições equilibradas de serviço, cabendo ao Poder Público regulamentar as condições ergonômicas e de saúde ocupacional. A regra franqueou, inclusive, a atuação do órgão oficial de inspeção/fiscalização do trabalho para visita ao local em que executado o teletrabalho.
A Lei nº 19.978/21 preserva, ainda, o direito dos trabalhadores à intimidade e à privacidade, além da inviolabilidade do domicílio, ao prever a recusa ao recebimento do empregador para fins de fiscalização, óbice possível de ser afastado apenas por ordem judicial. Por questões de isonomia e de não discriminação foi imposta a contratação de seguro contra acidentes de trabalho e doenças profissionais, pela incidência integral da Lei n° 16.074/89,12regra trabalhista de abrangência geral sobre a matéria.
A normatividade uruguaia não desce em minúcias em termos de representação, embora se aproxime bastante, afastando-se do silêncio do Legislador brasileiro, reconhecendo a igualdade entre “teletrabalhadores” e trabalhadores presenciais, inclusive em termos de liberdade sindical e de direitos coletivos.
O regramento brasileiro não traz disposições acerca da representação sindical ou de infortunística. Deixa a cargo dos Operadores do Direito a construção de normas concretas em caso de controvérsias a respeito.
Em sentido contrário, a Lei nº 19.978/21 reconhece o dever do empregador de fiscalizar e zelar pelo meio ambiente de trabalho, ainda que em caráter remoto, cabendo ao Ministério do Trabalho disciplinar questões de seguridade, ergonomia e saúde ocupacional no teletrabalho. Determina, por fim, a contratação de seguro contra acidentes de trabalho e doenças profissionais, pela incidência integral da Lei n° 16.074/89, não deixando qualquer indício sobre como diferenciar os acidentes relacionados ao trabalho daqueles domésticos, quando ocorridos no âmbito domiciliar, dando margem a incertezas.13
A lei uruguaia garante a igualdade de tutela à intimidade do trabalhador em regime presencial e àquele que atua de modo remoto, impondo ao empregador o dever de fiscalizar, resguardada a inviolabilidade do domicílio. Atribui, ainda, ao Ministério do Trabalho e Seguridade Social a responsabilidade de regulamentar condições específicas do teletrabalho, o que abarca matéria atinente à proteção de bens e de dados patronais.
No Brasil, a disciplina da questão envolvendo extraterritorialidade encontra-se na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, art. 9o, caput, e no Código de Bustamante, internalizado pelo Decreto no 18.871/29. Na CLT há um capítulo sobre a nacionalização do trabalho, de alcance geral, não adstrito ao teletrabalho, nos arts. 352 e seguintes.
Divergências sobre o tema foram pacificadas pela jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST), pela edição da Súmula nº 207,14 o que não impediu seu cancelamento pela Resolução nº 181/21012, em decorrência de diversas nuances levadas à Corte.
No Uruguai, a Lei nº 19.978/21 não abordou a questão, atraindo a incidência do art. 2399 do Código Civil e do art. 50, “F”, da Lei nº 19.920/21,15 pelos quais é adotado o critério territorial do local do cumprimento das obrigações na definição da norma aplicável. Contudo, Cecilia Fresnedo de Aguirre e Gonzalo Lorenzo Idiarte reconhecem a dificuldade histórica na harmonização das referidas disposições, sendo comum a opção pela doutrina e jurisprudência de excepcionar o critério em questão, adotando o Princípio da Aplicação da Regra Mais Favorável.16
Novamente, não há regra similar no Direito do Trabalho brasileiro, ficando os órgãos de fiscalização e/ou de classe, assim como os Operadores do Direito, na dependência de esforços e riscos hermenêuticos. A tão lembrada segurança jurídica acabou “esquecida”, quando mais se precisa dela.
A Lei nº 19.978/21 atribui ao Ministério do Trabalho e Seguridade Social a competência para regulamentar aspectos relativos à seguridade, ergonomia e saúde ocupacional. Atrai, de modo semelhante à regra argentina, a participação do Poder Executivo, limitando, contudo, sua atuação à regência de aspectos específicos, adstritos ao meio ambiente laboral/infortunística.
A regra uruguaia, promulgada em 20.08.2021 e publicada em 30.08.2021, teve sua vigência iniciada em 09 de setembro de 2021, pelo que dispõe o art. 1 do Código Civil uruguaio,17que estabelece prazo de 10 dias. Concedeu o Legislador lapso de 06 meses, a contar da promulgação, para que os sujeitos trabalhistas adaptem os contratos envolvendo a prestação em “teletrabalho”. O silêncio sobre novos contratos ou negócios antigos em que haja mudança de regime presencial para remoto após a vigência da regra é fator de incertezas e celeumas.
Em linhas bastante gerais, estas são as semelhanças e distinções entre a regulação do “teletrabalho” no Brasil e no Uruguai, evidenciando-se que a maior carga protetiva dispensada pelo país vizinho não decorre da natureza da atividade laboral remota, mas de uma escolha legislativa. A cada uma e a cada um de nós cabe contemplar com admiração as disposições do Direito Comparado ou adotá-lo como inspiração integrativa, fonte subsidiária do Direito do Trabalho brasileiro, conforme historicamente dispõe o art. 8º da CLT.
Notas
1 “Diante da lei” de Kafka e as audiências por videoconferência na Justiça do Trabalho, <https://direitodotrabalhocritico.wordpress.com/2020/07/31/diante-da-lei-de-kafka-e-as-audiencias-por-videoconferencia-na-justica-do-trabalho/> (31.07.2020.), Teletrabalho na Argentina e no Brasil: tão perto, mas tão longe, <https://direitodotrabalhocritico.wordpress.com/2020/08/28/teletrabalho-na-argentina-e-no-brasil-tao-perto-mas-tao-longe/> (28.08.2020), Teletrabalho na Espanha: redescobrindo a América. <https://direitodotrabalhocritico.com/2021/07/27/teletrabalho-na-espanha-redescobrindo-a-america/>> (27.07.2021), Teletrabalho”: a verdade que esqueceu de acontecer, <https://direitodotrabalhocritico.com/2022/03/21/teletrabalho-a-verdade-que-esqueceu-de-acontecer/>> (21.03.2022), A Divina Comédia teletrabalhista, <https://direitodotrabalhocritico.com/2022/07/11/a-divina-comedia-teletrabalhista/>>; (11.07.2022) e Trabalho, telemática e saúde: muito além de horas extras, <https://direitodotrabalhocritico.com/2022/11/06/trabalho-telematica-e-saude-muito-alem-de-horas-extras/>> (06.11.2022).
2 Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em: 26 nov. 2022.
3 GHIONE, Hugo Barretto. ¿Es necesario legislar sobre teletrabajo?, <https://direitodotrabalhocritico.com/2021/02/05/es-necesario-legislar-sobre-teletrabajo/>. Acesso em: 26 nov. 2022.
4 Art. 7o, incisos XXX e XXXII. Constituição brasileira, disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 26 nov. 2022.
5 Arts. 53 e 55. Constituição uruguaia disponível em <https://siteal.iiep.unesco.org/sites/default/files/sit_accion_files/siteal_uruguay_3001.pdf>. Acesso em: 26 nov. 2022.
6 Lei no 13.467/17 disponível em <https://www.normaslegais.com.br/legislacao/Lei-13467-2017.htm >. Acesso em: 26 nov. 2022.
7 Lei nº 14.442/22 disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2022/Lei/L14442.htm#art6>. Acesso em: 26 nov. 2022.
8 Lei nº 19.978/21 disponível em<https://www.impo.com.uy/bases/leyes/19978-2021>. Acesso em: 26 nov. 2022.
9 MOLINA, André Araújo. Teoria dos Princípios Trabalhistas: a aplicação do modelo metodológico pós-positivista ao Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas, 2013, p. 128.
10 Lei nº 14.457/22 disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2022/Lei/L14457.htm>. Acesso em: 26 nov. 2022.
11 Constituição da República Oriental do Uruguai disponível em <https://siteal.iiep.unesco.org/sites/default/files/sit_accion_files/siteal_uruguay_3001.pdf>. Acesso em: 26 nov. 2022.
12 Lei nº 16.074/89 disponível em <https://www.impo.com.uy/bases/leyes/16074-1989>. Acesso em: 26 nov. 2022.
13 GAUTHIER, Gustavo. Ley de promoción y regulación del teletrabajo. Revista Derecho del Trabajo. Montevideo, Año IX, Número 33, 2021, p. 22.
14Súmula nº 207 disponível em <https://www.tst.jus.br/sumulas>. Acesso em: 26 nov. 2022.
15 Lei nº 19.920/20 disponível em <https://www.impo.com.uy/bases/leyes/19920-2020>. Acesso em: 26 nov. 2022.
16 FRESNEDO DE AGUIRRE, Cecilia; IDIARTE, Gonzalo Lorenzo. Texto y Contexto: Ley de Derecho Internacional Privado N° 19.920. Montevideo: FCU, 2021, p. 24.
17 Código Civil uruguaio disponível em <https://www.oas.org/dil/esp/codigo_civil_uruguay.pdf>. Acesso em: 26 nov. 2022.