Precisamos falar sobre o MST

Fotografia: Matheus Alves

O MST realiza sua luta há quase 40 anos para que a Constituição Federal seja cumprida e a função social da terra (garantia constitucional) seja respeitada.

Katia Marko e Marta Regina Schlichting

Maior produtor de Arroz Orgânico da América Latina, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) está enfrentando sua quinta Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara dos Deputados.  Instalada em 17 de maio deste ano, sem objeto determinado, a CPI é mais uma tentativa de criminalizar o maior movimento popular da América Latina e, para além dos resultados, segue insistindo na ideia de que se trata de um movimento terrorista que se apropria da propriedade privada.

Mesmo com a evidente produção  de alimentos livres de agrotóxicos, com as iniciativas de  preservação ambiental, ações na área da educação e de solidariedade ao povo brasileiro, a imagem do movimento junto à opinião pública, em geral, não é positiva.  Por isso, é preciso falarmos do MST.

O movimento conta com 400 mil famílias assentadas e cerca de 70 mil famílias acampadas, presentes em 24 estados brasileiros. Nas áreas de assentamentos e acampamentos existem 1.900 associações, 185 cooperativas e 120 agroindústrias que atuam na produção, beneficiamento e comercialização da produção da Reforma Agrária Popular.  São pelo menos 15 cadeias produtivas principais, com destaque para a produção arroz, feijão, milho, trigo, café, leite, mel, mandioca e diversos hortifrutis. Para se ter uma ideia, na safra 2022/2023, o movimento colheu, aproximadamente, 16.111 toneladas de arroz orgânico.

Os assentamentos das regiões Sul e Sudeste produzem cerca de 100 mil toneladas de feijão, sendo os estados de São Paulo e do Paraná os principais produtores. Na região Sul do Brasil e em São Paulo, 14 cooperativas organizam 5.500 famílias produtoras de leite. Os laticínios, juntos, beneficiam 37 milhões de litros de leite por mês, que são destinados ao mercado institucional e ao mercado convencional. Em seis estados brasileiros (RO, BA, ES, MG, SP e PR), 5 mil famílias assentadas e acampadas produzem cerca de 300 mil sacas de café por ano, 30 mil delas beneficiadas por cooperativas no Espírito Santo, em Minas Gerais e no Paraná. Em Minas Gerais e na Bahia destaca-se a produção de café agroecológico, sem o uso de adubos químicos ou agrotóxicos.  

Preservação do meio ambiente

Como parte do ”Plano Nacional Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis”,  o MST plantou 10 milhões de árvores nos últimos quatro anos, construiu mais de 300 Viveiros da Reforma Agrária e 10 mil hectares de agroflorestas e quintais agroflorestais em todos os Biomas. Essas áreas estão associadas a importantes cadeias produtivas, como cacau, açaí, café, mel, frutas, castanhas. Garantiu 1.500 hectares em restauração ambiental (áreas de recarga hídrica e APP) em áreas atingidas pelos crimes da Vale na região do Rio Doce.

Exemplos na Educação

Mais de duas mil escolas públicas construídas em acampamentos e assentamentos da Reforma Agrária garantem educação para cerca de 200 mil pessoas, entre  crianças, adolescentes, jovens e adultos. Além disso, o MST já alfabetizou mais de 100 mil jovens e adultos no campo, por meio da formação educativa “Sim, Eu Posso!” e, aproximadamente, 2 mil estudantes Sem Terra frequentam cursos técnicos e superiores. O movimento organizou, também, centenas de cursos em parceria com universidades públicas por todo o país, através do Programa Nacional de Educação nas Áreas de Reforma Agrária (Pronera).

Ações de Solidariedade

Durante a pandemia, um dos momentos mais difíceis da história do país, o MST doou mais de 9 mil toneladas de alimentos saudáveis para a população vulnerável nas periferias urbanas e rurais. Doou 2,5 milhões de marmitas para famílias vulneráveis, nas cerca de 40 cozinhas solidárias organizadas por movimentos sociais no combate à fome. Também formou mais de 50 mil agentes populares em saúde do campo para fortalecer o enfrentamento à pandemia e suprir demais atendimentos de saúde e cuidado comunitário.

A questão da terra

O MST realiza sua luta há quase 40 anos para que a Constituição Federal seja cumprida e a função social da terra (garantia constitucional) seja respeitada. Uma propriedade cumpre sua função social quando ocorre “o uso adequado e racional dos bens naturais, na proteção ao meio ambiente e salvaguarda dos direitos trabalhistas”, conforme a Constituição. Mas a pergunta recorrente é a mesma: ocupar terras improdutivas é uma ação legítima?

A Constituição Federal não utiliza o conceito de terras improdutivas, mas afirma que as terras que não cumprem a função social serão desapropriadas e destinadas para a Reforma Agrária. João Pedro Stedile, liderança do MST, destacou na sua entrevista ao Flow Podcast, que não só existe terra suficiente, como sobra terra no Brasil. “Se fossemos  fazer uma reforma agrária com as grandes propriedades improdutivas, poderíamos assentar 12 milhões de famílias e somos em torno de 4 milhões de sem-terra, ou seja, faltaria sem-terra no Brasil,” pontuou Stedile.

Os movimentos sociais não ocorrem por acaso. Eles têm origem nas contradições da sociedade. O MST surgiu da insatisfação dos agricultores com a política de exportação imposta pelo regime militar, responsável pela expulsão de milhares de pequenos agricultores do campo. Na sua origem, contou com o apoio de entidades civis, como o Movimento de Justiça e Direitos Humanos e a Igreja Católica, através da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Como muito bem salienta Frei Betto, o MST assusta tanto porque luta para que o Brasil, uma das nações mais ricas do mundo – e que figura entre as cinco maiores produtoras de alimentos – deixe de ser um país periférico, colonizado, marcado por abissal desigualdade social.

Katia Marko é jornalista, editora do Brasil de Fato RS.

Marta Regina Schlichting é jornalista e produtora de conteúdo.  

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