Precarização do trabalho e omissão ilegal do Estado

Nos últimos 25 anos o Estado não garantiu uma pré-condição para que a sua regulação elevasse as condições de trabalho frente ao capital.

José Dari Krein
Vitor Araújo Filgueiras

Fonte: Brasil de Fato
Data original da publicação: 18/07/2014

Nos últimos anos o Brasil tem sido palco de crescimento do emprego, da formalização e do salário médio, especialmente do salário mínimo. Entretanto, no mesmo período houve manutenção ou piora das condições de trabalho em vários aspectos da relação de emprego, por exemplo, com o avanço da terceirização.

Uma regulação atenuadora da dominação do capital é condição sinequa non para que o aumento da demanda por força de trabalho implique melhoria das condições dos que vivem do trabalho.

Desde a década passada o Estado tem implementado políticas de fomento à expansão da produção e de valorização do salário mínimo. Entretanto, é necessária uma política que garanta melhores condições de segurança, saúde e dignidade aos trabalhadores.

Nos últimos 25 anos o Estado não garantiu uma pré-condição para que a sua regulação elevasse as condições de trabalho frente ao capital. Isso porque, se, por um lado, existe no Brasil um conjunto de normas com o objetivo de limitar a exploração do trabalho, por outro, pressuposto elementar para uma política pública de regulação atenuadora pelo Estado é que haja quem as aplique.

No Brasil, a tarefa de garantir o cumprimento das normas de proteção ao trabalho cabe à inspeção (ou fiscalização) do Ministério do Trabalho. Todavia, o número de Auditores Fiscais do Trabalho existentes, para que o Estado possa cumprir o seu papel, é reduzidíssimo e decrescente, tanto em números absolutos, quanto em relação ao mercado de trabalho.

Ao final de 2013 havia 545 fiscais a menos do que em 1990 (2.740 contra 3.285), um contingente que hoje representaria quase 20% a mais de auditores. Essa situação piora diariamente com as exonerações (apenas em 2014, até o início de julho, saíram 110 inspetores). Enquanto isso, a população ocupada no Brasil cresceu mais do que 50% e o emprego formal dobrou no mesmo período.

Essa dinâmica de queda do número de fiscais e crescimento do número de trabalhadores ocupados engendrou a redução da quantidade de auditores por trabalhador em atividade praticamente pela metade. Desse modo, em 2012, eram aproximadamente 32.600 pessoas ocupadas para 1 auditor do trabalho no Brasil.

Pelos parâmetros da própria Organização Internacional do Trabalho (OIT), deve haver 1 inspetor para cada 10 mil trabalhadores em países industrializados e 1 inspetor para cada 15 mil trabalhadores em países em industrialização, assegurando-se, portanto, que cada país mantenha número suficiente de auditores para garantir a efetividade da função fiscalizatória.

A atual configuração da nossa auditoria do trabalho revela, pois, flagrante violação da ordem jurídica pelo Estado brasileiro, porquanto desrespeita a Convenção 81 da OIT, a qual foi ratificada pelo Brasil em 1987 e que, por isso, tem força cogente no país, inclusive com status de norma supralegal (vide decisão do STF no julgamento do HC 87.585), uma vez que as normas internacionais de proteção ao trabalho qualificam-se como normas de direitos humanos.

Atualmente (julho de 2014), mais de 800 cargos de auditores fiscais do trabalho estão vagos, o que significa que, para atenuar o déficit de inspetores basta que o governo obedeça aos parâmetros internacionais de proteção ao trabalho com os quais o Estado brasileiro está comprometido, e imediatamente lance edital para preenchimento desses cargos abertos.

Sequer é aplicável o argumento, ainda hegemônico, da necessidade de corte de gastos do Estado para áreas não prioritárias na ótica do custo x benefício financeiro, pois os fiscais são amplamente superavitários. Pelo contrário, a falta de inspetores provoca, a cada dia, perda de recursos aos cofres da União, direta e indiretamente.

Também é inexplicável a redução do quadro de fiscais quando as outras instituições públicas na área do trabalho (Justiça do Trabalho e Ministério Público do Trabalho), que possuem funções complementares à inspeção, têm se expandido substancialmente nas últimas décadas. Essas próprias instituições têm seu regular funcionamento comprometido, assoberbadas por uma demanda inatendível, promovida pelo baixo número de fiscais.

Por enquanto, não havendo pré-condição básica de política para atenuar a supremacia empresarial, mesmo com as condições favoráveis que predominaram nos últimos anos, as condições de trabalho não avançaram.

José Dari Krein é professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (CESIT).

Vitor Araújo Filgueiras é pesquisador do CESIT e pós-doutorando em Economia na UNICAMP. Integrante do grupo de pesquisa “Indicadores de Regulação do Emprego no Brasil”.

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