A precária situação dos aposentados no Chile vai piorar ainda mais, se for aprovada uma polêmica iniciativa, que propõe a hipoteca de suas casas para aumentar suas paupérrimas pensões, na maioria em mãos privadas e que são, em média, de US$ 230. “Esse projeto é uma armadilha, uma pilhagem”, alertou à IPS a aposentada Nuvia Zambrano. “Se mal conseguimos sobreviver com nossas pensões, como pagaríamos essa hipoteca? Nossas casas ficarão para o banco”, afirmou essa professora de biologia aposentada há dez anos.
O projeto de hipoteca reversa, apresentado por legisladores da oposição seguidos por oficialistas, estabeleceria um contrato entre o dono da casa e uma instituição estatal. Com base no valor da propriedade e no cálculo da expectativa de vida do proprietário seriam fixados o período de pagamento e o valor mensal até o final de sua vida. O aposentado continuaria morando em sua casa até morrer, e quando isso ocorrer seus herdeiros poderiam pagar a quantia entregue ao beneficiário para recuperar o imóvel ou entregá-lo para quitar a dívida.
Segundo os especialistas, devido à realidade chilena, a implantação dessa iniciativa criaria “uma nova carga psicológica sobre os idosos”, que devem viver seus últimos anos com uma pensão precária e cheios de dívidas. O atual sistema de previdência social chileno é de capitalização individual e foi instaurado em 1981 pela ditadura militar do general Augusto Pinochet (1973-1990). Funciona com a retenção de 10% do salário dos trabalhadores, destinado a uma conta-poupança gerida por entidades privadas conhecidas como Administradoras de Fundos de Pensões (AFP).
Esses fundos são transformados em ativos de ações das principais empresas e dos principais bancos do país ou estrangeiros, para que renda e gere lucro por meio de negócios especulativos. Até agora, segundo a não governamental Fundação Sol, foram obtidos mais de US$ 5,8 bilhões em ganhos com esse lucrativo negócio. Paralelamente, segundo essa instituição de referência em estudos trabalhistas e educacionais, nove em cada dez aposentados recebem menos de US$ 230 como pensão, o que equivale a 66% do salário mínimo no Chile, que é de US$ 373.
Antes da reforma, funcionava o sistema de divisão, um modelo solidário que maneja os recursos em um fundo comum para que depois o Estado garanta pensões dignas. “Naquela época, diziam que o novo sistema seria maravilhoso. Eu chegava do exílio na Dinamarca e não tinha muita ideia do que se tratava”, contou à IPS Marianela Zambrano, irmã de Nuvia. “Agora sei que se trata do roubo do século, um roubo asqueroso, uma injustiça”, ressaltou.
Essa professora de inglês de 62 anos, e mais de 30 trabalhados, recebe hoje pensão mensal de US$ 334. Só com o aluguel de sua casa, gasta US$ 186 por mês. “As pensões não dão para viver, melhor darem um veneno, porque você morre de fome”, afirmou Zambrano, com raiva e dor.
Atualmente, apenas um punhado de países tem um sistema de aposentadoria semelhante ao chileno: República Dominicana, Israel, Nigéria, Maldivas, Malawi, Kosovo e Austrália, embora este último garanta para grande parte de seus idosos uma pensão básica de US$ 1 mil.
Entre os vizinhos do Chile, a Argentina transformou em 2008 seu sistema misto em outro único, público, solidário e de divisão, denominado Sistema Integrado Provisional Argentino. O Uruguai, no entanto, possui modelo misto, onde convive o sistema de divisão com outro de capitalização individual, modificado em 2005 mediante reformas trabalhistas que aumentaram os salários e deram protagonismo aos sindicatos.
No Chile, o sistema, instaurado pela ditadura em 1981, opera sem mudanças há 35 anos e os governos democráticos que se sucederam desde 1990 não mostraram intenção de impulsionar sua reforma estrutural. Os governos de centro-esquerda, o atual da socialista Michelle Bachelet e o de seu antecessor, o direitista Sebastián Piñera (2010-2014), só introduziram medidas para apoiar os excluídos das AFP.
“Esse sistema tem um tremendo êxito em um objetivo: financiar a economia, injetar capital fresco para capitalizar empresas ou grupos econômicos”, explicou à IPS o economista Gonzalo Durán, da Fundação Sol.
No Chile, de 17,5 milhões de habitantes, as mulheres se aposentam aos 60 anos, e os homens aos 65. Mas, na prática, homens e mulheres trabalham ativamente até, pelo menos, os 70 anos. E as seguradoras estabelecem a expectativa de vida por meio de uma tabela de mortalidade que varia entre outros, segundo o gênero.
A expectativa de vida das chilenas é de 83 anos contra 76 para os homens, segundo a Organização Mundial da Saúde. Porém, as AFP estabelecem que as mulheres chilenas viverão, em média, até os 89 anos e os homens até os 85. E é sua expectativa de vida que fixa o total de anos nos quais deverá ser dividido a economia de cada aposentado. Posteriormente, seus herdeiros poderão herdar uma pensão mensal, que a seguradora estabelece segundo saldo remanescente. Isso dependerá de fatores como nível de estudos dos filhos, entre outros.
Segundo a Superintendência de Pensões, até dezembro de 2014 quase sete em cada dez pessoas entre 55 e 60 anos tinham em sua conta de capitalização individual cerca de US$ 30.900. Isso dificilmente garante uma pensão superior a US$ 155 mensais.
“O sistema de pensões tem um papel preponderante na concentração de renda e na desigualdade, e sobre isso temos que debater”, alertou Durán, acrescentando que isso cumpre “uma função importante no modelo neoliberal do Chile”. O sistema das AFP não está cumprindo o objetivo de entregar segurança social no Chile, onde a cesta básica familiar supera os US$ 66 mensais e um remédio pode custar até três vezes mais do que na Argentina ou no Peru, acrescentou.
Dessa forma, os idosos estão empobrecidos e devem continuar trabalhando após sua aposentadoria para compensar as baixas pensões. Além disso, devem lidar com um alto nível de endividamento.
Até o momento, a reforma mais importante no sistema de aposentadoria chileno foi realizada em 2008, durante o primeiro governo de Bachelet (2006-2010), e incorporou um pilar básico solidário de US$ 133 para as pessoas que nunca pagaram sua cota e que integram os 60% mais pobres. Também foi incorporado o aporte provisional solidário, que complementa a quantia das pensões mais baixas e que também beneficia os 60% mais carentes.
Esse cenário “é suspeito”, pontuou Durán, porque, enquanto as pensões são muito baixas, “o sistema entrega elevados recursos às empresas privadas”, algo que não aconteceria com a implantação de um sistema repartido. “Cabe a legítima dúvida de que não querem mudar o sistema para não tirar os recursos que hoje chegam às empresas. Se isso for confirmado, será muito grave”, ressaltou.
Por ora, o governo assegura que não patrocinará o polêmico projeto de hipoteca reversa, mas os legisladores que o defendem destacam que insistirão em seu avanço,
Fonte: Envolverde, com IPS
Texto: Marianela Jarroud
Data original da publicação: 21/07/2015