No momento em que a Câmara se fecha cada vez mais à participação social nos grandes debates nacionais, o Senado se destacou, na terça (19/05), por promover uma sessão temática com o objetivo de discutir o projeto de lei 30/15, que libera a terceirização para todas as atividades das empresas. A sessão temática foi aberta à participação de diversos setores representativos da sociedade organizada, além da participação direta e virtual do público interessado.
Representantes dos patrões e empregados mantiveram o antagonismo histórico acerca do tema. Todas as centrais sindicais, à exceção da pelega Força Sindical, se manifestaram contrárias ao PL 30/15, especialmente porque ele amplia a terceirização para a atividade-fim das empresas. Já os patrões, ao contrário, defenderam o projeto que, aos seus olhos, acaba com a insegurança jurídica que permeia a prática no país.
Os discursos se concentraram no fato de que o projeto proposto, ao invés de regulamentar a terceirização para os 12,7 milhões de trabalhadores já submetidos a este sistema, acaba por expandi-la para todos os demais, provocando a total precarização das relações de trabalho. Já os empresários ressaltaram o fato de que a terceirização é uma realidade inexorável ao mundo do trabalho atual.
A secretária de Relações do Trabalho da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Maria das Graças Costa, disse que a liberação total das privatizações, conforme proposto pelo PL 30/15, vai na contramão das conquistas históricas que os trabalhadores estão tendo nos últimos anos, que diminuíram as desigualdades sociais e promoveram o surgimento de um novo mercado consumidor. Segundo ela, de cada dez trabalhadores que adoecem no país, oito são terceirizados e, de cada cinco mortes registradas em serviço, quatro são desta última categoria.
O presidente da UGT, Ricardo Patah, disse que o projeto exacerba o preconceito contra os trabalhadores, já que os terceirizados são tratados de forma diferenciada do que os contratados. E acrescentou que o PL estimula o desemprego e a baixa remuneração dos trabalhadores, o que incidirá na paralisia da economia, dado ao encolhimento do mercado interno de consumo.
O apelo patronal
O presidente do Comitê de Relações de Trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Alexandre Furlan, avaliou que o processo de terceirização é inexorável e criticou a diferenciação entre atividade-meio e atividade-fim que, na sua visão, já não existe na prática e é, nas suas palavras, meramente “jurisprudencial”.
O representante patronal destacou que a terceirização, se feita da forma correta, é benéfica aos trabalhadores. “Nós ideologizamos por demais este debate nos últimos anos”, criticou. Furlan afirmou que, conforme pesquisas conduzidas pela CNI, os terceirizados apresentam o maior nível de formalização do mercado de trabalho do país. “Mais de 72% dos terceirizados são formais”, garantiu.
O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, rasgou elogios ao PL 30/15, a ponto de garantir que, com sua aprovação, o trabalhador terceirizado terá mais direitos do que o contratado via CLT, especialmente porque o projeto prevê a responsabilidade solidária no caso de rescisão de contrato: se a terceirizada não pagar o empregado, ele poderá cobrar da empresa contratante.
“O terceirizado, por essa regulamentação, tem muito mais garantia em receber seus salários, em receber seus direitos, do que o trabalhador direto, porque este, se a empresa quebrar, ele não tem a quem recorrer, apenas à Justiça”, afirmou Skaf.
O consultor jurídico da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Marcos Aurélio Ribeiro, provocou o Senado a aprovar com rapidez a legislação que regulamenta a terceirização, com o argumento de que o legislativo está tendo seus direitos usurpados pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), que editou a súmula que rege as terceirizações no país, proibindo a prática nas atividades-fim das empresas.
Recado ao governo
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), aproveitou os holofotes para enviar mais um dos seus recados ao governo Dilma. No momento em que o plenário da casa se preparava para votar as duas mais polêmicas medidas de ajuste fiscal do executivo – as que tratam das mudanças no seguro-desemprego e na pensão por morte –, ele defendeu que o ajuste fiscal não pese apenas nas costas dos trabalhadores.
“Eu entendo que temos que qualificar o ajuste fiscal. O governo precisa cortar na carne, mexer no setor público e criar alternativas fiscais para que o cavalo não morra. Não dá para passarmos à sociedade a ideia de que vamos fazer ajuste fiscal profundo no Brasil cortando direitos trabalhistas e previdenciários”, afirmou. Sobre o projeto de terceirização, repetiu a posição já manifesta anteriormente, contrária à liberação para atividades-fim.
Representando o governo Dilma, o ministro do Trabalho, Manoel Dias, se posicionou contrário ao PL 30/15, tal como ele está. “Na medida em que não houver a construção de garantias que possam impedir a generalização da terceirização, entendemos que ela pode precarizar o trabalho”, disse Dias.
O ministro admitiu que o projeto já foi melhorado na Câmara, que acatou mais garantias aos trabalhadores terceirizados, mas destacou que três pontos ainda precisam ser melhores trabalhados pelo Senado: corresponsabilidade, representação sindical e possibilidade de terceirização da atividade-fim.
Em nome do Ministério Público do Trabalho, o procurador Helder Amorim, foi taxativo. “A terceirização como proposta neste PL, chegando a atividade finalística das empresas, é inconstitucional: fere os direitos dos trabalhadores e a função social da propriedade”, afirmou. Segundo ele, o sistema de proteção social dos trabalhadores previstos pela constituição de 1988 é extremamente esvaziado pela terceirização.
Amorim lembrou que, na década de 90, o setor empresarial convenceu o judiciário a aprovar a terceirização da atividade-meio com o discurso de que a empresa precisava se dedicar com mais afinco a sua atividade finalística. Agora, porém, luta para terceirizar geral. “Se terceirizar a atividade fim é o coração do PL, esse PL é escravagista”, observou.
Debate acadêmico
Professor de Economia da USP, Hélio Zylberstain defendeu o PL 30/15 como condição inexorável para o país modernizar suas relações de trabalho. Já o pesquisador da Unicamp, Márcio Pochmann, taxou a matéria como porta de entrada para um modelo de desenvolvimento arcaico, que acentua a desigualdade social entre os trabalhadores.
Zylberstain alegou que a empresa verticalizada que fazia sucesso nas décadas de 40 e 50 não existe mais. De acordo com ele, a empresa competitiva de hoje mantém relações horizontalizadas com seus parceiros nacionais e até internacionais. “A empresa é praticamente só o cérebro pensante”, comparou.
Para o professor da USP, a dicotomia entre o que é atividade-meio e o que é atividade-fim das empresas está superada e, por isso, o modelo de terceirização não pode ser regido por essas categorias. Ele criticou o discurso apocalíptico das centrais, sugerindo que ele suprime a realidade. “Dizem que a regulamentação da terceirização vai acabar com a CLT, mas o terceirizado também assina carteira e é coberto pela CLT”, observou.
Na avaliação dele, o PL 30/15 é um texto equilibrado e responsável, produto de mais de 10 anos de debates, que abriu incorporou reivindicações de todos os setores interessados e abriu concessões diversas para patrões e empregados. Portanto, representa bem a média do pensamento da sociedade brasileira sobre o tema e, por isso, deve ser aprovado. “O Brasil precisa regulamentar a terceirização para se tornar competitivo””, insistiu.
Já o professor Márcio Pochmann lembrou que a matéria é de interesse não só dos 12,7 milhões que hoje trabalham como terceirizados, mas sim dos 98 milhões de brasileiros que têm na força de trabalho sua única possibilidade de acesso a uma vida digna. Ele dividiu os trabalhadores entre internos (os contratados regularmente pelas empresas) e os externos (terceirizados e afins), para mostrar que a produtividade dos primeiros é quase o dobro do que a dos segundos.
Pochmann apresentou dados atemorizantes decorrentes de um estudo específico sobre os terceirizados do estado de São Paulo. Segundo ele, 73% deles ganham até dois salários mínimos, o que significa 50% da média salarial dos trabalhadores contratados.
O economista destacou também que a taxa de rotatividade dos terceirizados chega a 63% ao ano, o que quer dizer que, de cada 10 terceirizados, pelo menos seis perdem seus postos de trabalho anualmente, o que acarreta graves impactos para a arrecadação previdenciária. A taxa é 77% maior do que a de rotatividade dos contratados, que é de 36%. “E 36% já é um absurdo, porque nos Estados Unidos, por exemplo, não passa de 20%”, complementou.
Fonte: Carta Maior
Texto: Najla Passos
Data original da publicação: 19/05/2015