A ideia era conhecer o estado de espírito dos professores, o que os satisfaz, do que não gostam e qual a percepção que têm da forma como a sociedade olha para o seu desempenho. Quase três mil de 130 escolas e agrupamentos responderam à pesquisa lançada pela Fundação Manuel Leão. E o retrato está longe de ser positivo. Quando questionados sobre o que gostariam de fazer nos próximos cinco anos, mais de 30% indicaram que deixariam de dar aulas se tal estivesse ao seu alcance.
Desagregando as respostas, verifica-se que 13,5% responderam querer aposentar-se antecipadamente se possível; 8,9% preferiam trabalhar em outra atividade não docente e 8,1% disseram que só continuam a dar aulas por “não ter outra alternativa”. Tudo somado, conclui-se que, em cada três, um preferia deixar de ensinar.
Sem surpresas, é entre os que acumulam mais de 35 anos serviço que mais se anseia a reforma antecipada: o valor atinge os 43%. Mas entre os que dão aulas há 31-35 anos o valor não deixa de ser alto: 33%.
Não se sabe se um questionário semelhante fosse aplicado a outras profissões se os resultados seriam mais altos ou mais baixos. No entanto, sublinha Joaquim Azevedo, presidente da Fundação Manuel Leão e ex-secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário, o fato de se tratar de uma classe com 125 mil profissionais torna estes números muito significativos e preocupantes. “Estamos a falar de 40 mil profissionais que, por uma razão ou outra, sentem esse mal-estar, que é muito alargado. Isto é grave porque a nossa expectativa quando colocamos um filho na escola é que tenham ali profissionais competentes, mas também motivados e disponíveis. Não estava à espera destes valores, que envolvem tantos docentes”, afirma.
No estudo “As preocupações e as motivações dos professores”, ressalva-se que embora a amostra não seja estatisticamente representativa do universo dos docentes em termos rigorosos de estratificação estatística, fica “muito próxima desse modelo”.
O descontentamento encontrado é visível em várias das 30 questões colocadas, num inquérito aplicado entre maio e julho deste ano. Apesar de a esmagadora maioria (92%) dos pesquisados ter escolhido razões vocacionais para ser professor – o gosto pelo ensino é a razão maioritariamente invocada, enquanto menos de 8% referem motivos mais instrumentais como “ganhar a vida” – o acumular de anos de exercício da profissão acaba por fazer desaparecer ou reduzir muito a satisfação inicial. Ao todo, 68% disseram estar menos satisfeitos quando comparado com o início de carreira, estando 41% desses “muito insatisfeitos”.
Tal como nas respostas já referidas, é no setor público que os professores manifestam maiores níveis de insatisfação. Os autores do estudo destacam, por exemplo, o fato de 29% dos que dão aulas em estabelecimentos privados estarem “mais ou muito mais satisfeitos do que no início da sua vida profissional”, contra menos de metade (12%) dos docentes das escolas estatais.
Desmotivados e exaustos
Perguntou-se também a educadores e professores se concordavam com a afirmação “os professores sentem-se motivados para ensinar”. E mais uma vez ficou evidente a descrença de muitos. No setor privado, um em cada cinco disseram discordar da afirmação. Já entre os professores do público a mesma resposta foi dada por um em cada três. Por outras palavras, 35% consideraram que os colegas não estão motivados para ensinar.
Claro que a percepção tende a tornar-se mais negativa à medida que aumenta o tempo de serviço e a idade. Mas o que os dados deste inquérito mostram é que mesmo entre os mais novos há um sentimento negativo, expresso por 25% dos inquiridos com menos de 3 anos de exercício profissional. Educadores de infância e professores das escolas profissionais são os que têm a visão mais otimista.
Tendo presente que a maioria dos professores (65%) define como “positiva” a sua relação com o trabalho docente, um número “apreciável”, nas palavras dos autores do estudo, diz-se “exausto” (19%), “desiludido” (13%), “baralhado” (2%). E é sobretudo a partir dos 11 anos de serviço que o trabalho parece começar a pesar, com estes sentimentos negativos a estenderem-se a mais professores.
O “desinteresse” da elite dirigente
O fato de as percepções e estados de espírito dos professores piorarem consideravelmente à medida que acumulam anos de aulas torna-se mais preocupante pensando que esta classe profissional está em processo de rápido envelhecimento.
Em 2014/15, apenas 0,4% do corpo docente em exercício nas escolas públicas tinha menos de 30 anos. Já com mais de 50 anos eram 43%. Não sendo um exclusivo nacional, Portugal é um dos países onde o fenômeno do envelhecimento mais se tem acentuado, indicam os números internacionais. Apenas um exemplo: no 3º ciclo e secundário, duplicou em uma década a porcentagem de professores com mais de 50 anos – de 20% para 40%. E passou de 14% para menos de 1% os que têm menos de 30 anos.
Joaquim Azevedo sublinha esta evolução e acrescenta outros fatores de desgaste acrescido como os cortes nos vencimentos, o congelamento das carreiras, o aumento da idade da reforma, do número de alunos por turma e do número de horas letivas.
Nas notas finais do estudo, deixa o lamento: “Nunca houve, desde o 25 de Abril, qualquer momento em que os professores tivessem sido alvo preferencial de políticas governamentais, com medidas articuladas e profundas de dignificação e valorização pública da sua atividade profissional. Isto apesar de muitos reconhecerem que os professores são um elemento chave da evolução da sociedade portuguesa, mais ainda quando a escolaridade obrigatória passou a ter 12 anos de duração. Este fato traduz, a meu ver, um evidente desinteresse por parte da elite dirigente, com o futuro do país e com a qualidade na educação da sua população.”
Fonte: Expresso, com ajustes
Data original da publicação: 08/09/2016