Por trás da taxa de desemprego

Flavio Fligenspan

Fonte: Sul21
Data original da publicação: 19/11/2018

Há duas semanas assisti a uma exposição sobre conjuntura econômica de um estrategista de um grande banco brasileiro. A exposição não fugiu ao tradicional na sua forma, muitos gráficos sobre a economia internacional e sobre como o Brasil se insere no cenário mais amplo, especialmente diante da virada de ano que se aproxima e a troca da Presidência. Ao longo de aproximadamente trinta anos, já presenciei várias dessas apresentações. Cada economista tem seu jeito de mostrar o ambiente atual e de projetar o futuro, sempre um exercício que exige muita humildade; felizmente a platéia raras vezes lembra-se de cotejar as previsões com o que realmente acontece.

Chamou-me atenção a resposta do apresentador a uma pergunta feita por um dos convidados ao final da reunião. Ele apontou o que lhe pareceu uma incongruência nos números atuais da economia americana: como uma taxa de desemprego tão baixa (3,7%) não pressiona a inflação, isto é, a variação do índice de preços ao consumidor está bem comportada, em torno de 2,5% anuais. Não sei as razões, mas o fato é que o analista deu uma longa resposta e não tocou no essencial; para mim ele não respondeu à questão.

Em primeiro lugar, há que se observar o que a medida do desemprego revela e, principalmente, o que ela esconde. Uma taxa de desemprego baixa, que a princípio poderia significar uma boa notícia, nem sempre demonstra efetivamente que esta economia e esta sociedade caminham sem tensões no mercado de trabalho. Se tivermos em conta que muitas pessoas estão fora da estatística por sequer terem condições de procurar emprego ou por terem desistido da procura depois de muito tempo sem sucesso, começamos a entender que o número frio da taxa de desemprego não diz tudo sobre a saúde do mercado de trabalho.

Por outro lado, há que se entenderem as condições objetivas de funcionamento de tal mercado, em especial nos últimos anos, pós crise de 2008 nos países desenvolvidos. Muitas pessoas que perderam seus empregos e se viram em situação orçamentária muito difícil, passaram a aceitar trabalhos de qualidade bem inferior ao do período anterior, empregos parciais, que ocupam menos horas da semana que as pessoas têm disponíveis para trabalhar e, em consequência, pagam menos do que o necessário para equilibrar as contas. Estas pessoas contam como empregadas na estatística e de fato o são, mas isto não leva em conta a precariedade da relação de trabalho e o baixo rendimento absoluto – não o rendimento por hora trabalhada. Isto para não falar da insegurança envolvida nestas atividades, já que é grande a fila de espera de pessoas interessadas em ocupar estes postos, ainda que de baixa qualidade.

Ora, estas condições bem podem gerar estatísticas “boas”, como baixa taxa de desemprego, mas condições sociais e econômicas não tão boas. Um empregado em tempo parcial ou mesmo um empregado com contrato intermitente – aqueles em que o trabalhador fica à espera do chamado do empregador e só trabalha e recebe se efetivamente convocado, normalmente por poucas horas – completa a estatística do lado dos empregados, mas tem renda baixa, ou pior, renda baixa e incerta. Este trabalhador não pressiona a demanda por bens e serviços e sequer consegue firmar compromissos no tempo, como compras parceladas, visto que não tem garantia de remuneração. Logo, este trabalhador que está no lado “positivo” da estatística de emprego, está no outro lado quando se pensa na estatística do consumo, ou seja, ele não pressiona o mercado consumidor e não ajuda a fazer pressão sobre os preços e a inflação.

Esta era a resposta curta e direta que o expositor não quis dar. Trazendo para o caso brasileiro, não estamos longe desta situação, dada a recessão de 2015-2016, o baixo crescimento desde então e suas repercussões sobre um mercado de trabalho que não se recuperou até hoje. O elevado desemprego e as novas regras trabalhistas, com a introdução de mecanismos de flexibilidade tal como o contrato de trabalho intermitente, bem podem gerar situações como a descrita anteriormente. Será cada vez mais necessário apoiar os institutos de pesquisa e sofisticar as medidas de emprego e desemprego, para capturar fenômenos novos que alteram as relações de trabalho, tanto mais quando estas alterações são para pior.

Flavio Fligenspan é professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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