No primeiro livro da socióloga Jennifer Silva, “Coming Up Short“, ela entrevistou jovens adultos da classe trabalhadora em Lowell, Massachusetts, e Richmond, Virginia.
A maioria tem dificuldade em ganhar salários decentes. Muitos sentiram que estavam em um estado perpétuo de limbo, incapazes de alcançar os marcadores tradicionais da idade adulta: trabalho, casamento, casa e filhos. Mas Silva ficou surpresa ao saber que muitos se culpavam por suas situações e acreditavam que confiar nos outros só poderia resultar em decepção.
Depois que o livro foi publicado, Silva ficou incomodada por não haver insistido mais em temas políticos com seus entrevistados para ver como eles poderiam estar conectados à sua visão de mundo.
Agora, em um novo livro, “We’re Still Here: Pain and Politics in the Heart of America“, ela fez da política da classe trabalhadora o seu foco.
A partir de maio de 2015, Silva começou a realizar entrevistas em uma cidade produtora de carvão no centro da Pensilvânia, a qual ela chama de “Coal Brook“. O momento era presciente: um mês depois de começar sua pesquisa, Donald Trump desceu a escada rolante na Trump Tower e anunciou sua candidatura à presidência.
Silva passou mais de um ano entrevistando pessoas da cidade. Ela ganhou a confiança deles, forjou relacionamentos e passou algum tempo em suas casas e em reuniões da comunidade. Depois de anos de perspectivas declinantes de ambos os partidos políticos, algumas das pessoas da cidade entrevistadas foram atraídas pela mensagem anti-establishment de Trump. Mas, para a maioria, a política havia se transformado em um abismo de cinismo que não podia ser penetrado nem mesmo por um político que prometia “consertar” tudo.
Em uma entrevista, editada para maior clareza e profundidade, Silva descreve uma comunidade que é racialmente diversa, trabalhadora e politicamente consciente. Mas seus moradores são também profundamente desconfiados e carregam imensas quantidades de dor e alienação.
Você poderia falar um pouco sobre o que a inspirou a estudar a classe trabalhadora norte-americana?
Fui a primeira pessoa da minha família a se formar na faculdade e experimentei alguma dúvida e desconforto ao tentar me integrar ao mundo acadêmico.
Na minha posição entre dois mundos – crescendo em meio a raízes da classe trabalhadora e construindo uma vida profissional de classe média – eu me encolhia sempre que via pessoas da classe média alta tratando as pessoas da classe trabalhadora com condescendência ou indiferença casual. Às vezes parecia que os próprios colegas que mais proclamavam seu compromisso com a justiça social eram os que tratavam o assistente administrativo como sua secretária pessoal ou queixavam-se do custo de sua empregada. Me tornei realmente cética sobre se as crenças políticas declaradas das pessoas eram mesmo um bom preditor de como elas tratam as pessoas com menos poder e status.
Qual foi a parte mais difícil da pesquisa?
Fazer as pessoas se abrirem para mim. Eu não era da área. Esse é o tipo de lugar onde, se você bater na porta de alguém, eles não o deixarão entrar. Comecei conversando com pessoas brancas. Eu ia a jogos de futebol e reuniões de dependência para tentar conhecer pessoas, e era capaz de ser conhecida como a “amiga do fulano”. Então percebi que queria ter um grupo não-branco em meu livro, porque houve um aumento de latinos e negros na área. Então eu tive que descobrir como fazer essa população confiar em mim, porque a população branca e a população minoritária não se sobrepõem muito.
Você passou meses conduzindo entrevistas. Então a eleição aconteceu e Trump venceu. De repente, havia muito interesse no tipo de comunidade em que você havia acabado de passar um tempo. Qual é a sua opinião sobre a cobertura da mídia nessas pequenas cidades?
Parecia haver uma história dominante: homens brancos mais velhos, com raiva e sofrendo, estavam se sentindo mal por não terem emprego e culpando minorias raciais ou estrangeiros.
E um elemento disso certamente surgiu em minha pesquisa. Mas o quadro geral era muito mais complexo. Uma das coisas que mais me impressionou foi quanta desconfiança havia. Entre todas as pessoas que entrevistei – brancas, latinas e negras – havia uma forte desconfiança e ódio dos políticos, uma suspeita de que políticos e grandes empresas estavam basicamente trabalhando juntos para tirar o American Dream. Todo mundo era muito crítico da desigualdade.
Portanto, não era essa ideia de “brancos burros votando em bilionários porque eles não entendem que isso é contra seus interesses”. Quase todo mundo sabia que o sistema é manipulado contra pessoas pobres. Eles culparam os políticos por se recusarem a aumentar os salários a um nível em que as pessoas possam viver. Muitos queriam impostos mais altos para apoiar a educação. Ouvi muito disso, em todos os grupos diferentes, e não li muito disso nos artigos sobre essas comunidades.
Você entrevistou 108 pessoas e apenas 37 delas realmente votaram, com 26 votando em Trump. Das 41 pessoas negras ou latinas com quem você falou, apenas quatro votaram. Então, para mim, uma das principais histórias não era necessariamente o apoio a Trump. Era uma recusa em participar da política completamente.
Dois terços da amostra eram não-eleitores. Eles sabiam que a eleição estava acontecendo, mas apenas viam a participação política como inútil. Eles pensavam nela como uma piada. E disseram: “Veja o que aconteceu na minha vida, realmente não importa quem foi presidente”.
Uma das críticas que ouvi muito foi que agora tudo se resume a dinheiro. Se você tem dinheiro, sua vida é boa. Você pode comprar qualquer coisa. Mas se você não tem dinheiro, o sistema está contra você. Eu ouvi isso de velhos brancos. Eu ouvi isso de jovens mulheres negras. E foi interessante, porque não é falso, certo? Se você matar alguém e for rico, é mais provável que saia.
Então, acho que para eles foi quase como: “Bem, se participarmos, estaremos apenas brincando e fingindo. Mas não somos ingênuos. Já sabemos que os políticos são comprados pelas empresas. Ninguém realmente se importa conosco.”
Há uma grande história em seu livro, mencionando que você apareceu em uma entrevista usando seu adesivo “Eu votei”.
Ele riu de mim! Assim, como: “Por que você votaria? Você é doida?”
E ainda assim dos que votaram, Trump emergiu claramente como o favorito.
Bem, Trump e Bernie Sanders. Mas Sanders não era uma opção no final. A opinião geral sobre Trump foi: “Nós gostamos da personalidade de Trump, gostamos de sua agressividade, gostamos de como ele não se importa com as regras”. E então eles gostaram de Bernie Sanders por sua autenticidade e seu coração. Mas para muitos que acabaram votando em Trump, eles ainda não achavam que importaria muito se votassem.
De onde vem essa desilusão?
Há uma sensação de traição por várias instituições sociais – educação, local de trabalho, forças armadas – todas essas coisas em que eles pensavam poder confiar, mas, por um motivo ou outro, acabaram os desapontando.
Então eles se voltaram para dentro. Ninguém estava realmente procurando estratégias coletivas externas que mudassem o mundo. Muitos queriam simplesmente provar que não precisavam confiar em outras pessoas. Havia a sensação de que qualquer tipo de redenção só poderá sair de seus próprios esforços. E então você verá alguns culparem outras pessoas que não parecem os apoiar.
Antes e depois da eleição de 2016, J.D. Vance, com a publicação de seu livro de memórias,”Hillbilly Elegy”, foi veiculado na grande mídia como um oráculo para americanos rurais desapropriados. Mas em seu livro, você discorda veementemente da visão de mundo dele.
Vance parecia olhar para outras pessoas em sua comunidade e pensar que o motivo de estarem sofrendo era por causa de suas próprias escolhas – que não eram realmente fortes o suficiente para enfrentar a verdade sobre si mesmas, que tinham que parar de culpar o governo e as empresas e realmente assumir a responsabilidade.
E essa não foi a história que ouvi. Ouvi muita culpa e muitas pessoas que queriam assumir a responsabilidade por seu próprio destino. Havia muita ponderação e muita dor. Vance faz parecer que todo mundo só precisa ser como ele – um herói solitário que escapa sozinho de seu passado difícil. Não é assim tão simples ou fácil.
A dor que as pessoas sentem pode ser usada como uma ponte para unir as pessoas? É assim que termino meu livro. E eu vi sinais disso. As famílias que sofrem de dependência estavam se unindo e se perguntando: como podemos mudar a maneira como os médicos prescrevem remédios? Ou como podemos desafiar as empresas farmacêuticas a parar de fabricar esses medicamentos que viciam nossos filhos? Podemos pedir à polícia que ajude os viciados em vez de prendê-los?
Isso soa como a agitação da mobilização política. Mas qual é o maior obstáculo que impede os eleitores da classe trabalhadora de se organizarem em massa?
Eu acho que é a ausência do que você poderia chamar de “instituições mediadoras”. As pessoas do meu livro têm muitas ideias críticas e inteligentes. Mas eles não têm muitas maneiras de conectar suas vozes individuais. Portanto, eles não têm um grupo da igreja ou um clube no qual participariam, que lhes daria ferramentas políticas ou uma voz mais alta. E nem sei se eles se uniriam a um, se eles existissem, por causa de sua desconfiança em relação às instituições. Então, tudo acaba sendo virado para dentro e não para fora.
Dentro do meio acadêmico, quais são alguns dos equívocos mais comuns que você encontra quando se trata de política da classe trabalhadora?
Eu ouvi alguns acadêmicos liberais falarem sobre como os brancos da classe trabalhadora são autodestrutivos e desinformados. Eles parecem acreditar que, se essas pessoas soubessem os fatos, mudariam seus votos imediatamente. Ou rejeitam todos os brancos da classe trabalhadora como zangados e racistas.
As pessoas da classe trabalhadora que conheci eram muitas vezes radicalmente críticas à desigualdade e profundamente céticas sobre se vivemos em uma meritocracia. Era importante para mim mostrar que as pessoas no meu livro, de todas as raças, são criativas e atenciosas – que elas chegam às suas posições reunindo suas histórias e experiências de maneiras significativas.
Às vezes, esses caminhos são destrutivos e divisivos e, às vezes, têm o potencial de transformar e curar.
Fonte: The Conversation
Texto: Nick Lehr
Tradução: DMT
Data original da publicação: 05/08/2019