Por que a responsabilidade social corporativa é balela

Enquanto grandes corporações dizem aos estadunidenses o quão virtuosas elas são, também fazem lobby contra a lei de política social de Biden.

Robert Reich

Fonte: Carta Maior, com The Guardian
Tradução: Isabela Palhares
Data original da publicação: 28/09/2021

Nos últimos anos, a “responsabilidade social corporativa” tem sido vista por alguns como a resposta para as múltiplas falhas do capitalismo. Executivos-chefes responderam a todos os tipos de problemas – a piora da mudança climática, a ampla desigualdade, os crescentes custos de assistência médica e por aí vai – prometendo que suas corporações liderarão o caminho para a solução porque estão comprometidos a serem “socialmente responsáveis”.

98% disso é balela. Os CEOs não farão nada que prejudique suas metas. Eles estão em um negócio de fazer a maior quantidade possível de dinheiro, não de resolver problemas sociais.

Na realidade, a real mudança social impediria que eles fizessem muitas das coisas altamente lucrativas que eles fazem agora. O que significa que eles não vão mudar suas maneiras a não ser que seja exigido por lei (e mesmo assim, somente quando a multa e a probabilidade de serem pegos forem maiores que os lucros que continuarão fazendo). Suas promessas de responsabilidade social são intencionais para adiar tais leis.

Eu já vi isso repetidamente. Quando eu era secretário do trabalho, grandes corporações violavam leis de segurança no trabalho, salários, horários e previdências, quando fazer essas coisas saía mais barato que obedecer às leis. E eles lutavam muito contra tais leis – tudo isso enquanto diziam ao público como eram cidadãos incríveis.

Vocês devem se lembrar que em agosto de 2019, a “távola redonda” das megaempresas – um dos grupos corporativos mais prestigiados de Washington, cujo conselho estão os CEOs da Apple, Walmart e da JPMorgan – divulgou uma declaração amplamente publicizada expressando “um compromisso fundamental” com o bem-estar de “todos os nossos acionistas” (ênfase no original), incluindo seus funcionários, comunidades e o meio ambiente.

A declaração foi tida como um marco de uma nova era de responsabilidade social corporativa.

Desde então, essa “távola redonda” e seus membros fizeram uma série de declarações insípidas sobre sua dedicação a coisas como o fornecimento de assistência infantil, e assistência médica acessível, promovendo as universidades comunitárias e treinamento de força de trabalho, aliviando a pobreza e revertendo a mudança climática.

Acontece que essas são exatamente as prioridades da lei de reconciliação de 3.5 trilhões de dólares de Joe Biden. Mas adivinha só? O grupo não está fazendo lobby para a lei. Está fazendo lobby contra ela intensamente.

Jessica Boulanger, porta-voz, disse ao Washington Post que o grupo está engajado em “uma campanha significativa e multifacetada” para parar com os aumentos de impostos que financiariam a lei, e continuará a “aumentar esforços nas próximas semanas”. O grupo está lançando uma campanha digital (na casa dos milhões) para se opor à lei.

Hipocrisia? Somente se você acreditava na balela do grupo sobre responsabilidade social corporativa. Se você sabe a verdade – que as corporações farão o que for para maximizar seus lucros e valores de ações, a responsabilidade social que se ferre – não há nada de surpreendente aqui.

Por que os grupos de negócios não lutaram contra a lei de infraestrutura do presidente? Porque os gastos governamentais em infraestrutura ajudam nos seus lucros abaixando os custos de aquisição de suprimentos e da comercialização de bens. A responsabilidade social não teve nada a ver com isso.

É tentador resumir tudo isso em “ganância corporativa”. Mas isso só faz sentido se você achar que as corporações são capazes de ter emoções, como a ganância. Elas não são. As corporações não são pessoas, não importa o que o tribunal diga. Elas são amontoados de contratos.

As pessoas específicas que entram nesses contratos (em nome de grandes corporações bem como milhares de pessoas que dirigem vastos fundos de investimento em nome de milhões de acionistas) não são gananciosos nem socialmente responsáveis. Eles estão meramente fazendo o que entendem ser seu trabalho. A ganância e a responsabilidade social foram retiradas dessas transações.

Se queremos que essas transações mudem – para alinhar melhor com as necessidades do público ao invés dos lucros – as leis devem mudar. Por exemplo, os impostos sobre grandes corporações devem subir de modo a financiar investimentos públicos e redes de segurança.

Mas tais leis não vão mudar se as corporações continuarem a gastar vastas somas na política. Porta-vozes corporativos como Boulanger – junto com pelotões de lobistas corporativos e vendedores de influência, advogados corporativos e economistas contratados, operativos políticos corporativos e relações públicas – juntos formam um quarto braço do governo, exercendo um poder enorme e crescente. Cerca de uma a cada quatro pessoas que agora trabalham no centro de Washington se encaixa em algum desses papeis.

O resultado é claro. As tendências mais notáveis das últimas três décadas têm sido a parte crescente da economia indo para os lucros corporativos – gerando pacotes de compensação cada vez maiores para os quatro principais executivos e pagamentos cada vez maiores para grandes investidores (todos que vivem de participação em ações) – e a parte decrescente indo para a maioria dos estadunidenses, como salários e remunerações.

O falatório sem sentido sobre “responsabilidade social corporativa” é feito com a intenção de mascarar essas tendências. O plano de trilhões de dólares de Biden mirou em reverter isso.

Mas as megaempresas estão fazendo de tudo para sabotar o plano. O único jeito de pará-los é ignorar qualquer menção a responsabilidade social corporativa e apoiar o plano de Biden, bem como criar leis para reduzir o poder do capital na política.

Robert Reich é um economista estadunidense.

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