Por que a economia segue frustrando as expectativas

A economia brasileira cresceu pelo segundo ano consecutivo. O resultado do PIB (Produto Interno Bruto), divulgado na manhã de quinta-feira (28) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostra que a soma dos bens e serviços que o Brasil produziu e consumiu em 2018 foi 1,1% maior do que em 2017.

R$ 6,8 trilhões é o valor do PIB brasileiro em 2018.

O crescimento de 1,1% em 2018 repete a variação ocorrida em 2017. Um avanço lento e pequeno se comparado às perdas da recessão que atingiu o país recentemente. Em 2015 e 2016, o PIB havia sofrido duas quedas pesadas, de 3,5% e 3,3% respectivamente.

O avanço da economia é lento, mas já dura oito trimestres. A última vez que o PIB teve uma retração no resultado trimestral foi no fim de 2016. A comparação aqui é entre um trimestre e o anterior, com um ajuste sazonal que ameniza as diferenças entre as épocas do ano.

O resultado do PIB é medido, basicamente, de duas maneiras: contando tudo que um país produz e tudo que ele consome. A essas duas metodologias se dá o nome de ótica da oferta e da demanda, respectivamente.

A demanda

O crescimento do PIB foi fraco, mas esteve espalhado entre os setores da economia. Medindo o lado do consumo, vem das famílias o principal impacto para o crescimento no ano. O componente, que corresponde a 65% do PIB, cresceu 1,9% em 2018. O governo, com problemas nas contas públicas e limitado pela regra do teto, gastou o mesmo que no ano anterior.

O resultado mais expressivo foi o da chamada Formação Bruta de Capital Fixo, que cresceu 4,1%, mas muito influenciada por um fator que pouco tem a ver com a atividade econômica. Essa categoria, popularmente conhecida como investimentos, cresceu artificialmente no terceiro trimestre.

Entre julho e setembro, uma mudança na legislação do setor de petróleo fez com que empresas brasileiras nacionalizassem bens que antes eram mantidos em nome de subsidiárias no exterior para escapar da cobrança de impostos. É uma espécie de importação fictícia.

Crescimento por segmento

Investimento é todo o gasto das empresas destinado a aumentar a produção, seja comprando máquinas e equipamentos para produzir mais bens, seja criando infraestrutura. O dado é importante porque é um indicador da capacidade de o país crescer no futuro — é um gasto que se transforma em mais crescimento. Além disso, o investimento sinaliza o grau de confiança dos empresários no futuro da economia.

Apesar do resultado positivo do ano, a taxa de investimentos (investimentos/PIB) segue em um patamar baixo. Um aumento da taxa de investimentos é uma sinalização de que a economia pode crescer mais no futuro.

A oferta

Olhando para a produção, o pior desempenho foi o da agropecuária. O setor de serviços, mais importante na ótica da oferta, segue como principal responsável pela lenta recuperação, tendo crescido 1,3% em 2018.

Depois de um 2017 profundamente influenciado por uma safra recorde de grãos, o resultado de 2018 da agropecuária foi apenas 0,1% melhor – praticamente uma estagnação. A indústria até cresceu 0,6%, mas é um dos setores mais afetados desde o início da crise econômica.

Crescimento por segmento

Um setor que tem peso na indústria e também nos investimentos é a construção civil, que tem tido problemas graves desde o início de 2014. Depois de atingir seu auge, o PIB da construção civil teve 16 quedas em 19 trimestres. O setor produziu, durante o ano de 2018, apenas dois terços do que produziu em seu ápice.

A lenta recuperação econômica

No auge da recessão que atingiu o Brasil, o Produto Interno Bruto chegou a registrar uma retração de 8,2% em relação ao período anterior à crise. Os crescimentos dos dois últimos anos não chegam perto de compensar as perdas.

A datação dos períodos de recessão ao longo dos ciclos econômicos é estabelecida pelo Codace (Comitê de Datação de Ciclos Econômicos) que considera que a última recessão brasileira começou oficialmente no segundo trimestre de 2014 e terminou no último trimestre de 2016.

Recessão é a contração da atividade econômica. Segundo a definição oficial do Codace, é uma “fase cíclica marcada pelo declínio na atividade econômica disseminada entre diferentes setores econômicos”. A recessão, oficialmente, acabou e o país já está em fase de recuperação. Mas ela é lenta e fraca.

Quando se compara o que o Brasil produzia no primeiro trimestre de 2014 com o resultado mais recente, percebe-se que a economia ainda é 5% menor. O buraco é tão profundo que o país acaba de alcançar o patamar que tinha no início de 2012, sete anos atrás.

Expectativas frustradas

O fim da recessão foi há dois anos, mas as consequências da crise persistem. O país tem 12,7 milhões de desempregados, o governo continua com as contas deficitárias e nem os juros no patamar mais baixo da história impulsionam a atividade econômica.

A confiança de consumidores e empresários vem crescendo, mas não a ponto de motivar gastos e investimentos.

O ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa não vê sinal concreto de que o desânimo possa ser revertido no curto prazo. Para ele, mesmo que haja a aprovação da reforma da Previdência e um aumento do investimento privado, o impacto na economia só viria em 2020. Entre as dificuldades adicionais, apontadas ao Nexo, ele cita os problemas nas economias da Argentina e da Venezuela, parceiros comerciais.

Em relatório da LCA Consultores, o economista Braulio Borges aponta a incerteza política como um dos motivos para a recuperação frustrante da economia. Para 2019, a projeção é de um crescimento de 2,3%, mas com “viés de baixa”.

As projeções dos economistas para o produto foram, quase sempre, frustradas nos últimos anos. Desde 2012, apenas uma vez o crescimento do PIB foi maior do que a mediana das expectativas medidas pelo relatório Focus no início de cada ano.

Sobre as razões das frustrações e as expectativas para 2019, o Nexo conversou com duas economistas: Laura Carvalho, professora de economia da FEA/USP, e Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos.

Por que a atividade econômica vem, sistematicamente, frustrando as projeções dos economistas?

Laura Carvalho: Está claro que é a recuperação mais lenta da história das crises. E se a gente olhar para os números de hoje a gente vê que o consumo das famílias continua estagnado, com alto desemprego e desigualdade crescente, com endividamento acumulado das famílias.

As exportações, considerando que o resto do mundo está em desaceleração, também não devem ajudar. O próprio governo, na política fiscal ou monetária, não está estimulando a economia, pelo contrário. Basicamente não há nada para estimular o investimento privado, que caiu no último trimestre.

As empresas ainda estão com capacidade ociosa, sem consumo, sem exportação, sem [estímulo do] governo, não tem muito como esperar que o investimento privado tenha razão para ocorrer. Ele dependeria de uma expectativa de crescimento maior.

Há uma insuficiência em todos os componentes da demanda. Estamos criando uma crise crônica de demanda. O país estagnou em uma taxa de desemprego muito elevada. Via política fiscal e taxa de juros, com redução insuficiente, o governo contribuiu para manter essa taxa de desemprego. Com isso, o consumo das famílias, ainda em uma economia como a brasileira, que tem uma massa em situação de insegurança econômica muito alta, não reage. Crônica não quer dizer que não tem como sair, mas precisa mudar.

Zeina Latif: Eu estava no grupo que achava que o Brasil poderia crescer 3%. Nos modelos, a gente projetava os efeitos de corte de juros do Banco Central que ainda estavam para se materializar. Isso sugeria uma aceleração do PIB em relação a 2017. Em 2017 cresceu 1,1% ainda sem o efeito da redução de juros. Quando há um corte de juros, o auge do impacto se dá um ano depois do corte, era o ano de colher esses frutos. E isso não aconteceu.

Muitos chamam atenção para o fato de ter sido um ano de muitos choques negativos adversos, como a greve dos caminhoneiros, o tabelamento do frete que foi muito ruim, teve crise na Argentina. Mas pelo menos uns 2% era pra ter tido. E aí eu acho que o Brasil tem um pano de fundo que é mais grave.

É uma mistura do conjuntural com o estrutural. No conjuntural, há uma crise grave que a gente não conseguiu superar totalmente. As empresas estão muito machucadas, com dívidas em atraso, pedidos de recuperação judicial não diminuíram, a média empresa está em uma situação muito complicada. Aí contrata menos, com pouca geração de emprego a confiança do consumidor melhora muito lentamente.

E tem as questões estruturais. Depois de anos de baixo investimento e retrocessos institucionais, nosso setor produtivo está muito debilitado. A indústria não consegue concorrer com o produto importado, o setor produtivo perdeu competitividade e o país está com produtividade muito baixa. Isso faz com que o potencial de crescimento seja muito baixo, acho que abaixo de 2%.

O que é possível fazer para destravar o crescimento e como esse processo se daria?

Laura Carvalho: Precisaria de uma situação fiscal mais confortável, política monetária um pouco menos rígida. Se o país tivesse optando por um tipo diferente de ajuste fiscal, com elevação de impostos sobre os mais ricos e um maior espaço para investimento público em setores como infraestrutura, teria sim como sair no curto prazo.

Estudos apontam que a expansão do investimento público tem capacidade de, inclusive, estimular os investimentos privados. Para o setor de construção, que é um dos mais atingidos na crise, isso é especialmente verdadeiro. É possível ter efeitos muito rapidamente, em cerca de um trimestre.

O problema é que a gente se colocou em uma situação de um teto de gasto que está espremendo o investimento público, segue assim mesmo se aprovada a reforma da Previdência porque ela não tem efeito imediato. Ao mesmo tempo, o Banco Central, mesmo com a inflação no piso, não reduziu os juros o suficiente.

Estamos em uma certa armadilha em que dependeria do [investimento do] setor privado, de um otimismo que é quase incompatível com a situação das famílias. O governo Dilma e o governo Temer já fizeram a tentativa de estimular investimento via concessões. Na prática, as concessões não saíram. Ao meu ver, imaginar que o setor privado vai entrar em concessões em uma economia que não está crescendo, sem perspectiva de lucro, é pouco provável.

Zeina Latif: Esses problemas estruturais não se resolvem facilmente. E isso é importante porque a gente vê muitas vezes, até no discurso político, a ideia de que se fizer a reforma da Previdência o país vai crescer 3%. Isso não é verdade. A reforma é essencial, sem ela a gente colapsa, mas para voltar a crescer como o mundo é uma outra agenda, é ambiente de negócios, reforma tributária, reduzir insegurança jurídica. E não está clara essa agenda do governo ainda.

O governo precisa acelerar a agenda de regulação, destravar investimentos. Dá para levar isso ao Congresso em paralelo à Previdência. É preciso, pelo menos, uma sinalização de que essas agendas que começaram com o Temer vão ter continuidade. Essas questões têm impacto no setor produtivo. Não é só a confiança vem e vai todo mundo investir’, os investidores estão esperando as definições.

Escuta-se muito que os empresários estão aguardando a reforma da Previdência. Então, se for assim o primeiro semestre está condenado. Em 2019, não tem greve dos caminhoneiros, mas seguem os efeitos do tabelamento do frete que o governo não quis mexer.

Mesmo que a gente não tenha o choque que tivemos em 2018, o fato é que ainda há indefinições em uma agenda econômica de uma economia que ainda está muito fragilizada. Ter uma aceleração da atividade econômica mais contundente é pouco provável.

Fonte: Nexo
Texto: José Roberto Castro, com colaboração de Rodolfo Almeida (gráficos)
Data original da publicação: 28/02/2019

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