Para especialistas, as mudanças na China são a oportunidade de fazer a grande revolução industrial na América Latina.
Victor Farinelli
Fonte: Carta Maior
Data original da publicação: 20/10/2016
Não há quem possa negar que os ventos da economia chinesa influem no clima financeiro do mundo inteiro, e que a América Latina é uma das regiões que está mais a mercê dessas condições. Por esta razão, a Universidade do Chile e a Câmara de Comércio Chile Ásia Pacífico organizou recentemente o seminário “A Nova Fase da China: Implicações Para a América Latina”, na capital chilena, onde se analisou tanto o passado recente quanto as perspectivas da economia chinesa para os próximos anos, e seus efeitos na região.
O evento contou com a presença de acadêmicos de nove diferentes países, sendo seis latino-americanos (Brasil, Chile, Argentina, Uruguai, Colômbia e México), que apesar terem diferentes receitas sobre como deve ser a relação dos seus países com a China, compartilhavam um diagnóstico bastante similar em termos econômicos, especialmente na necessidade de diversificar a oferta de exportações para acompanhar o novo modelo de desenvolvimento da potência asiática.
Numa das primeiras palestras do evento, o professor Wu Guoping, diretor do Instituto de Estudos sobre a América Latina da Universidade de Ciências e Tecnologia do Sudoeste da China (e principal conferencista chinês presente no evento) falou sobre as mudanças impulsadas pelo governo chinês a partir do seu mais recente Plano Quinquenal – projeto apresentado em 2015, que detalha as medidas adotadas para transformar a economia do país entre 2016 e 2020.
“A nova política econômica está baseada num grande esforço a longo prazo para transformar o modelo de desenvolvimento voltado à produção e exportação de manufaturas para um voltado ao consumo”, explicou Guoping, listando entre os detalhes da nova rota da economia chinesa, o fortalecimento do poder de compra dos trabalhadores, para fomentar a criação de um setor socioeconômico médio.
As mudanças descritas pelo professor mostram uma China que quer abandonar um pouco a imagem de “fábrica do mundo” – entre outras coisas, segundo palavras do próprio Guoping, porque mesmo com os avanços tecnológicos em muitos setores industriais do país não foi possível desfazer a imagem de má qualidade atrelada aos produtos chineses. Agora, o objetivo é fazer do país um gigantesco mercado consumidor, o mais atraente do mundo.
Guoping entende a frustração de boa parte dos países latino-americanos com a queda nas compras de matérias-primas por parte da China nos últimos anos: “era uma relação que favorecia muito o desenvolvimento de ambos os lados”, e reconhece que “o modelo que se fortaleceu até o começo desta década nos levou a ter índices de crescimento de até dois dígitos, e temo que durante os próximos anos isso não será mais possível”. Ainda assim, ele afirma que a China deverá manter uma média de crescimento anual próxima aos 7%.
Ao finalizar sua exposição, o representante chinês fez um convite aos países da região, a estudarem melhor as oportunidades criadas pelo novo Plano Quinquenal: “seremos um mercado muito importante para os países que souberem e se prepararem para aproveitar este novo cenário”.
Para os acadêmicos latino-americanos presentes no evento, as mudanças na China são a oportunidade de fazer a grande revolução industrial no continente. Porém, o economista chileno Álvaro Echeverría alerta também para um grande desafio. “Para poder competir num mercado asiático com produtos de valor agregado precisaremos melhorar os padrões. Em muitos casos, o nível de tecnologia das indústrias latino-americanas é bastante inferior aos de outros países asiáticos”, comentou o economista.
Para Echeverría, o principal obstáculo para os países da América Latina é o de pensar e executar estratégias que não visem somente o desenvolvimento interno, mas com um foco mais internacional. “Mesmo do ponto de vista do interesse de cada país, quando falamos num processo de industrialização, temos que entender que não é simples: requer coesão política e uma visão estratégica que seja compartilhada pelo setor político, empresarial, sindicatos, todos. Requer investimento em tecnologia e capacitação, em educação, amarrados por um projeto que seja apoiado pela grande maioria da sociedade, para que possa se manter independente de quem esteja governando”, analisou.
O também economista uruguaio Gustavo Bittencourt, da Universidade da República, seguiu a mesma linha do colega chileno, e destacou o papel das alianças regionais para a busca de um projeto continental de fomento à indústria. Porém, lamentando que os contextos políticos hoje sejam um problema para que isso possa ser alcançado. “A conjuntura da economia mundial, não só no que diz respeito à relação com a China, nos mostra que é imperativo a busca de valor agregado e maior variedade nas exportações. Neste sentido, os países que enfrentam problemas políticos estão alguns passos atrás, porque o momento pede coesão interna”, explicou.
Bittencourt também falou sobre as mudanças necessárias nos blocos regionais, tendo em vista a relação com a China: “as instâncias regionais também podem jogar um papel importante nesse novo cenário, mas novamente, é preciso haver coesão. Atualmente, os países da Aliança do Pacífico, embora também tenham seus problemas internos, estão trabalhando de forma muito mais sólida juntos do que os do Mercosul, que entraram num ponto de discórdia que não sabemos quanto tempo mais pode durar”.