“A Pobreza em Portugal – Trajetos e Quotidianos” é o título do estudo lançado esta segunda-feira pela Fundação Francisco Manuel dos Santos e que procurou perceber quem é a população em situação de pobreza e como vive essa situação. As conclusões confirmam os dados já conhecidos: “ter um emprego seguro não é suficiente para sair de uma situação de pobreza”, aponta o estudo, citado pela agência Lusa.
Cerca de um terço (32.9%) da população em situação de pobreza está empregada e a maioria com vínculo estável à empresa para a qual trabalha, em muitos casos, há mais de uma década. Trabalhadores e trabalhadoras que ganham ordenados pouco acima do salário mínimo, o que dividido pelo conjunto do agregado familiar as arrasta para baixo do limiar da pobreza.
O coordenador do estudo e professor de Sociologia na Universidade dos Açores, Fernando Diogo, encontrou “quatro perfis de pobreza em Portugal, que são uma novidade: os reformados (27,5%), os precários (26,6%), os desempregados (13%) e os trabalhadores (32,9%)”.
A taxa de pobreza em Portugal pouco tem evoluído desde o início do século. Entre 2003 e 2019, “o valor está sempre próximo de um quinto do total da população”. O último ano com dados disponíveis é 2018, com 17.2%, o que corresponde a 1.7 milhões de pessoas. Acima da média global desta taxa estão as famílias monoparentais ou onde existem dois adultos com três ou mais crianças. “Cerca de um terço dos indivíduos de cada uma destas categorias está em situação de pobreza, o que é um valor muito significativo. Há muito poucas categorias que tenham valores deste género”, afirmou à Lusa Fernando Diogo. “Os agregados onde existem crianças são aqueles em que a taxa de pobreza é mais elevada”, acrescentou. Esta taxa abrange pessoas com rendimento inferior a 60% do rendimento mediano, que em 2018 era de 501,2 euros mensais.
Outra conclusão do estudo prende-se com a “natureza estrutural” da pobreza, que se transmite num “processo de reprodução intergeracional da pobreza”, marcado pelo abandono precoce dos estudos para entrar no mercado de trabalho. Em todos os perfis de pobreza identificados, a maior parte das pessoas herdou essa situação dos pais. Entre os fatores que impedem a saída da pobreza e intensificam essa situação destacam-se “os três D da pobreza: desemprego, doença e divórcio”.
Impacto da pandemia: “Faz mais sentido falar de vulneráveis empobrecidos (e regressados à pobreza) do que de novos pobres”.
O estudo aponta ainda que “a maior parte das pessoas não acha que seja pobre”, ao relativizar a sua situação e comparando com situações de miséria extrema. A vida de uma parte importante destas pessoas alterna entre a situação de pobreza e a situação de vulnerabilidade. “Qualquer incidente de percurso, como o desemprego numa situação de crise, os faz voltar à situação de pobreza, não sendo por isso exatamente novos pobres, mas indivíduos com retorno à condição de pobreza.
Para os autores do estudo, o aumento da pobreza como consequência da crise económica provocada pela pandemia da covid-19 não está a ser marcado pelo surgimento de “novos pobres”, mas sim de pessoas que já estiveram nessa situação, pelo que faz “mais sentido falar de vulneráveis empobrecidos (e regressados à pobreza) do que de novos pobres”.
Para Fernando Diogo, “o que está escrito sobre a pobreza em Portugal não vai ser muito modificado pelo impacto da covid-19”, embora o número de pessoas nessa situação vá aumentar. “Muitas são pessoas que saíram da pobreza e regressam à pobreza, muitas são pessoas que estão em situação de vulnerabilidade, que pouco se distinguem dos pobres, a não ser por rendimentos um pouco acima do limiar de pobreza”, aponta o coordenador deste estudo. O documento sublinha ainda que a atual crise “não está a atingir todos por igual e os mais pobres estão a ser mais afetados”.
Farinha Rodrigues: Atual crise é oportunidade “para trazer muita gente para os setores formais da economia”
Em declarações ao Público, o investigador Carlos Farinha Rodrigues, que também integrou a equipa autora deste estudo, defende que o atual Rendimento Social de Inserção (RSI) terá de ser revisto, tal como os mecanismos existentes de proteção social. Farinha Rodrigues também integra a comissão de coordenação responsável pela proposta de Estratégia Nacional de Combate à Pobreza e defende que o montante do RSI se deve aproximar aos 540 euros que eram em 2019 o limite da linha de pobreza. Por outro lado, chama a atenção que “não temos nenhuma instituição que faça uma avaliação do RSI” ou que confronte as diferentes formas da aplicação da medida no terreno, pelo que é preciso haver “a capacidade de aumentar a transparência da sua execução, para combater a desinformação e o estigma que estão associados ao RSI”.
Na resposta à atual crise, Farinha Rodrigues diz que ela veio demonstrar que existem setores da população cuja atividade e rendimentos têm “uma relação muito ténue com o mercado de trabalho oficial”, pelo que ficaram completamente desprotegidas, caindo em situação de pobreza. É o caso dos feirantes ou outras pessoas com trabalho informal e sem qualquer sistema de proteção social que as abrangesse. “Devemos agora aproveitar esta oportunidade para trazer esta gente para os setores formais da economia, garantindo-lhes simultaneamente direitos e deveres”, afirma o investigador do ISEG.
Farinha Rodrigues aponta ainda as diferenças da atual crise para a dos tempos da troika. Desta vez “temos um conjunto relativamente largo de famílias que não viram os seus rendimentos afetados (os funcionários públicos e os reformados, por exemplo), mas houve imensos setores que ou foram parar ao desemprego ou vivem das medidas públicas adotadas e dos sistemas de lay-off”. Uma razão acrescida para que o processo de recuperação seja pensado “com muito cuidado”, tendo em conta que “nem todos os setores em crise vão recuperar à mesma velocidade”.
Fonte: Esquerda.net
Data original da publicação: 12/04/2021