Luke Messac
Fonte: Outras Palavras
Tradução: Inês Castilho
Data original da publicação: 24/06/2018
Lá se vão quase 80 anos desde que os economistas britânicos James Meade e Richard Stone criaram o método de cálculo da riqueza nacional que se tornaria o padrão global. Hoje, esse cálculo é chamado de Produto Interno Bruto (PIB).
Seu método pretendia oferecer um retrato amplo e atualizado de uma economia nacional inteira, estimando o valor monetário de toda a produção “econômica” ocorrida num dado país em determinado ano. Como a maioria das estatísticas econômicas da época, Meade e Stone preocuparam-se quase inteiramente em medir o valor de bens e serviços que foram comprados e vendidos de fato.
Mas logo surgiu um problema, graças à experiência e às observações de uma mulher de 23 anos chamada Phyllis Deane. Ela foi contratada por Meade e Stone, em 1941, para aplicar o método deles em algumas colônias britânicas. Nos territórios hoje pertencentes aos países Malawi e Zambia, Deane se deu conta de que era um erro excluir do PIB o trabalho doméstico não-remunerado.
Exponho, num relatório de pesquisa sobre a história do PIB que publiquei recentemente, como Deane acreditava que essa convenção excluía uma grande parte da atividade produtiva – especialmente na África rural. Ela argumentava que “não tinha lógica” excluir o valor econômico do ato coletar lenha para o fogo e preparar e cozinhar os alimentos. Alegava que esse tipo de trabalho havia sido historicamente excluído porque era em geral considerado como trabalho de mulher.
Para decidir quais atividades incluir em seus cálculos do PIB, Deane dispendeu meses conduzindo nas vilas pesquisas para medir, e incluir nas estimativas do PIB, atividades pesadas em particular, como a coleta de lenha. Ela concluiu que, se os governos quisessem formular políticas que aumentassem a renda nacional agregada e garantir a distribuição equitativa desse valor agregado, as contribuições de todos os produtores – incluindo as mulheres rurais – deveriam ser consideradas nos cálculos.
Nas sete décadas seguintes, os cálculos do PIB não incluiriam o trabalho não-remunerado (e principalmente feminino) em geral. Mas os esforços de Deane nos mostram que esse não era o único caminho para medir a produção econômica. À medida em que os cálculos do PIB começaram a receber cada vez mais críticas, devemos olhar para sua pesquisa como um caminho a seguir.
Invisibilidade do trabalho feminino
Richard Stone prestou pouca atenção às recomendações de Deane. Em 1953, ele supervisionou a publicação do primeiro Sistema de Contas Nacionais das Nações Unidas. Esse relatório oferecia padrões detalhados para o cálculo do PIB. O sistema ignorava o pedido de Deane para incluir o trabalho doméstico não-remunerado. E como os programas de assistência técnica da ONU procuravam assegurar que países de baixa e média renda seguissem os padrões do sistema, o método de Stone teve consequências globais. Atividades que eram centrais para a vida cotidiana nos países africanos de baixa renda – como buscar água, ralar milho e tecer tapetes – não foram incluídas nas contas nacionais.
Esta invisibilidade do trabalho feminino no cálculo da renda nacional acabou por provocar uma reação. Ao tentar fazer com o que o trabalho doméstico das mulheres fosse quantificado economicamente, ativistas acadêmicas tais como a filósofa de origem italiana Silvia Federici, que lecionou na Nigéria durante vários anos, argumentavam que a produção “econômica” masculina seria impossível sem o trabalho “não-econômico” feito pelas mulheres sem remuneração.
Por exemplo, sem uma esposa para cuidar das crianças e da casa, como poderia um trabalhador de fábrica ter tempo ou energia para cumprir seu papel de provedor, conforme manda o estereótipo?
Tempo, ao invés de dinheiro
Algumas economistas feministas tinham uma visão diferente. Em 1999, a economista nascida na Nova Zelândia Marilyn Waring elaborou suas preocupações a respeito da inclusão do trabalho não-remunerado nas contas nacionais. Ao invés de usar a atividade econômica para medir o valor do trabalho, Waring escolheu um novo indicador: o tempo.
Tempo, ela explicou, era “o único investimento que todos nós precisamos fazer”. Com base numa pesquisa conduzida na zona rural do Quênia, ela argumentou que as pesquisas com uso do tempo demonstrariam “qual sexo faz o trabalho invisível, servil, aborrecido, desvalorizado e não remunerado”.
Essas pesquisas mostrariam que intervenções pontuais, como o acesso a água limpa e fornos eficientes, poderiam aliviar a faina do trabalho doméstico e permitir que bilhões de mulheres ganhassem maior liberdade no emprego do tempo durante seus dias.
Em 2008, os autores do recém-atualizado Sistema de Contas Nacionais responderam às suas críticas feministas com um meio-termo. Concordaram em incluir a produção de todos os bens – fossem eles pagos ou não-pagos – nos cálculos do PIB, de modo que atividades como tecer tapetes ou fermentar a cerveja seriam consideradas.
Contudo, continuaram a excluir a maioria dos serviços domésticos não-remunerados, tais como cozinhar e limpar. E o sistema revisado ignorou os pedidos, tanto de Deane quanto de Waring, pela coleta de mais dados sobre a distribuição por gênero do uso do tempo. Isso fez com que novas críticas fossem dirigidas ao sistema.
Em décadas recentes, o trabalho de economistas feministas mostrou como os métodos de cálculo do PIB tornaram invisível a maior parte do trabalho das mulheres. Enquanto isso, pesquisas e estudos sobre o uso do tempo mostram o ônus que isso significou na vida das mulheres, particularmente no Sul Global. Um relatório recente revelou que centenas de milhões de mulheres em todo o mundo precisam andar mais de 30 minutos, na ida e na volta, em busca de água limpa para suas famílias.
Futuro do PIB
Um relatório de 2009, encomendado pelo então presidente francês Nicolas Sarkozy, afirmou que, porque o PIB é “tratado como uma medida de bem-estar”, ele “pode conduzir a indicadores errados sobre quão bem as pessoas estão, e induzir a decisões políticas erradas”.
Mais recentemente, o Banco Mundial ressaltou que o PIB mede apenas os fluxos de renda, mas não nos diz se a saúde, a educação e as riquezas naturais estão sendo preservadas ou saqueadas. A revista Economist pediu uma “nova métrica” de progresso econômico que incluísse “trabalho doméstico não-remunerado como cuidados com a família”.
Nenhum desses insights são novos. Mas eles sinalizam uma nova avaliação dos índices e políticas econômicas, que acadêmicas feministas há muito vêm defendendo. Por exemplo, a insistência de Silvia Federici de que o trabalho doméstico deveria ser pago foi concretizado, pelo menos em parte, nos programas de distribuição de renda na África.
Se de fato queremos tirar das sombras o trabalho das mulheres e reverter os papeis sexuais estereotipados que relegam a elas mais do que sua justa parcela de trabalho doméstico, precisamos primeiro tirar as vendas do sistema de cálculo do PIB.
Luke Messac é médico e doutor em História.