Leonardo Sakamoto
Fonte: UOL
Data original da publicação: 12/04/2019
Jair Bolsonaro quer aprovar a anistia da dívida bilionária de empregadores rurais com o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural) que financia aposentadoria, pensões e assistência social no campo. A bancada ruralista, que ajudou a elegê-lo, cobra o perdão, que foi promessa de campanha. A equipe econômica se descabela.
Se continuar apoiando a aprovação de um projeto de lei nesse sentido, o presidente terá tanta moral para defender a Reforma da Previdência quanto para criticar o combate à pirataria depois que se deixou fotografar vestindo uma camisa falsificada do Palmeiras em uma reunião ministerial.
Afinal, com que cara ele vai dizer que o buraco fiscal é tão grande que se faz necessário dificultar a aposentadoria de trabalhadores pobres do campo e, ao mesmo tempo, deixar de cobrar R$ 17 bilhões que iriam para esse fim?
Por conta de uma decisão de 2011, na qual um empregador conquistou o direito de não recolher a contribuição, produtores rurais conseguiram liminares para não pagar . Contudo, em 2017, o STF atestou a constitucionalidade da cobrança. Michel Temer criou um programa de regularização dessas dívidas, mas a maioria não aderiu esperando a vitória de Bolsonaro e a esperança de que a anistia viria com ele.
A Reforma da Previdência dificulta as exigências para que trabalhadores rurais da economia familiar se aposentem. O tempo de trabalho vai de 15 para 20 anos. E se o valor de imposto arrecadado no momento da venda de seus produtos não atingir um patamar mínimo, o núcleo familiar terá que completar uma cota até chegar a uma contribuição anual de R$ 600,00. Hoje, basta comprovação de trabalho. Considerando que a atividade rural está exposta a uma série de fatores como sol, chuva, clima, ataque de pragas, variação do preço do produto (que, às vezes, não paga nem o custo da produção), não raro, ao final de um ano, a renda líquida é insuficiente até para a sobrevivência, sendo necessário suporte de programas como o Bolsa Família.
Os assalariados rurais também não terão vida fácil. A reforma passa a exigir desse grupo também 20 anos de contribuição, ou seja, 240 meses. Se já era difícil completar os 180 meses antes, vai se tornar quase impossível para um grande naco desse pessoal se aposentar por conta das altas taxas de informalidade. Dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) sobre números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) Contínua do IBGE, de 2016, mostram que cerca de 56% dos 3,4 milhões de empregados rurais trabalhavam sem carteira assinada.
A Câmara dos Deputados e governadores do Nordeste já disseram que a mudança para pequenos produtores, pescadores artesanais e extrativistas não passa nem que a vaca tussa. Mas o governo insiste em manter esse bode na sala em entrevistas à imprensa e audiências no Congresso. Enquanto isso, trabalhadores pobres do campo, que aumentam a taxa de desaprovação do governo, segundo o Datafolha,acompanham tudo achando que são eles que vão pagar o pato.
Desmoralização, contudo, é uma questão relativa. Há governo que não se importa com ela desde que mantenha uma base de apoio gritando “mito”.
Bolsonaro está com um problemão para resolver. Se apoiar um projeto de lei para a anistia, vai aumentar o rombo e dissolver o discurso pró-Reforma. Se não, vai ser odiado por muitos daqueles que são seus defensores fiéis – num momento em que essa categoria murcha rapidamente.
Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e o desrespeito aos direitos humanos no Brasil. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil e conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão.