Pensamento, subdesenvolvimento e geopolítica na história

Favela da Rocinha, na zona sul do Rio de Janeiro. Fotografia: Tomaz Silva/Agência Brasil

Neste texto buscamos debater a formação do capitalismo contemporâneo, considerando a interação entre o Imperialismo enquanto formação social e econômica e sua interação com as sociedades dependentes latino-americanas, especialmente brasileira.

José Raimundo Trindade

Fonte: Carta Maior
Data original da publicação: 18/03/2021

1. Introdução

Neste texto buscamos debater a formação do capitalismo contemporâneo, considerando a interação entre o Imperialismo enquanto formação social e econômica e sua interação com as sociedades dependentes latino-americanas, especialmente brasileira. Partimos do clássico trabalho de Lenin: “Imperialismo fase superior do Capitalismo”, publicado em abril de 1916, com base nele se problematiza os aspectos históricos de formação do capitalismo do século XX e sua forte influência sobre o capitalismo presente. No momento seguinte busca-se visualizar o imperialismo na atual conformação capitalista, tendo em David Harvey[1] e Eric Hobsbawm[2] duas referências para lidarmos com as contradições e intensidade global do “novo-imperialismo”. Por fim, na seção final, trata-se das relações de dependência e interferência do imperialismo nas sociedades periféricas, especialmente o caso brasileiro, para tal nos utilizamos principalmente de Theotônio dos Santos[3]. Fazemos aqui a devida homenagem a Theotônio como um lutador, rebelde e formador de muitas gerações de pesquisadores e construtores de futuro no Brasil e na América Latina.

2. A formação do capitalismo contemporâneo

A superioridade do pequeno opúsculo escrito por Lenin na primavera de 2016 é ressaltada por Lukács[4], pois o mesmo fez a “articulação concreta da teoria econômica do imperialismo com todas as questões políticas do presente, transformando a economia da nova fase do capitalismo no fio condutor para todas as ações concretas na conjuntura que se configurava naquele período”. A preocupação do cientista social, ali externado por Lenin não era somente compreender a realidade, sua função fundamental era transformar o mundo, seguindo os passos já trilhados por Marx.

A natureza econômica do imperialismo é tratada por Lenin[5] desde o reconhecimento que a produção capitalista passava na virada do século XIX para o XX a se dar na forma de monopólios e empresas oligopolizadas, resultante do processo de concentração e centralização dos capitais, ou seja, o maior controle da economia por um pequeno número de grandes empresas. O capitalismo na sua fase contemporânea (imperialista), conduz à socialização quase integral da produção nos mais variados aspectos, mas a “apropriação dos ganhos continua a ser privada”.

Essa característica do capitalismo se acelera no século XX e agora no XXI, inclusive sob o aspecto do controle de vastos territórios nacionais por empresas que pertencem a um punhado de grandes capitalistas associados. Por exemplo, em estudo publicado pelo Instituto Federal de Tecnologia de Lausanne em 2011, na Suíça, utilizando-se de modernas técnicas de garimpagem de dados e modelos econômicos de redes neurais, tendo como base dedados 37 milhões de empresas e investidores em todo planeta, revelou que 147 “super-empresas” (integradas em uma ampla rede de holdings) controlam aproximadamente 60% de todas as vendas realizadas no mundo todo, sendo que, finaliza o referente estudo, que menos de 1% das companhias controla 40% da rede inteira de empresas globais, sendo a maioria delas bancos[6].

A partir do processo de concentração e centralização do capital emerge uma oligarquia financeira que controla os pequenos capitais, subordinando-os aos grandes capitais. Essa oligarquia resulta em uma modificação dos papéis dos bancos, que deixam de atuar como simples intermediários bancários e passam a financiar e controlar grandes empresas, entrelaçando os interesses do capital bancário com o capital industrial, fundamentalmente através da compra de ações de grandes empresas.

Essa fusão entre os capitais bancários e industrial constitui o principal processo da mudança de fase do capitalismo concorrencial para monopolista e dá surgimento ao atual capital financeiro. Este, por sua vez, submete de forma crescente a indústria e os demais setores da economia e do poder de Estado, tornando-se hegemônico no processo de acumulação do capital[7].

A frase de Lenin no referido opúsculo, poderia ser proferida nos dias de hoje, ele nos diz: “o desenvolvimento do capitalismo chegou a um ponto tal que, ainda que a produção de mercadoria continue reinando (…) os lucros principais vão parar nas mãos de gênios das maquinações financeiras”, o que hoje são os fundos de especulação controlados por senhores como George Soros ou Paulo Guedes, por exemplo.

A mudança da fase concorrencial do capitalismo (caracterizada pela exportação de mercadorias) para a fase monopolista (caracterizada pela exportação de capitais) tem como objetivo último o aumento dos lucros monopolistas, via empréstimos ou através de investimentos estrangeiros diretos em nações periféricas, onde o capitalismo se estabelece em bases estruturais diferentes, subordinadas ao regramento das relações de poder imperialistas. Essa dinâmica do capital impõe à busca de novos espaços que permitam a expansão do raio de atuação desse capital, fazendo com sua ampliação alcance maior plenitude.

Este processo se caracteriza por cinco pontos, a saber: a) a exportação de capitais; b) a produção e distribuição centralizada em grandes empresas; c) a fusão de “capital bancário” com “capital industrial” na forma de “capital financeiro”; d) a “disputa geopolítica entre as potências capitalistas”; e e) as guerras como fenômeno recorrente dessa disputa. Lenin afirma que a concentração da produção se conecta com uma fase monopolista que será a fase superior do capitalismo, a qual será chamada de Imperialismo.

Lenin frisou com rara capacidade visionária que o capitalismo caminharia para formação de “Estados usurários, cuja burguesia vive cada vez mais à custa da exportação de capitais e do corte de cupões” (rentabilidade de títulos aplicados em bolsa ou títulos da dívida pública). Porém ele observa corretamente que isso não necessariamente levará a menor taxas de crescimento do capitalismo, porém “este crescimento não só é cada vez mais desigual como a desigualdade se manifesta também, na decomposição dos países mais ricos em capital”, na época a Inglaterra, hoje os EUA.

3. Capitalismo e Novo Imperialismo

Nos últimos anos entramos em uma nova fase das relações geopolíticas do capitalismo. A lógica de formas econômicas integradas e politicamente subservientes se revelam como a face explicita de um novo imperialismo, sendo que a condição de inserção de variadas economias nacionais se altera a partir de então. Podemos afirmar que as condições políticas autoritárias que se estabelecem no Brasil a partir de 2016 são parte desta nova ordem geopolítica global.

A retomada da análise do desenvolvimento do capitalismo e, especialmente, de suas contradições, crises e ações do Estado constituem o centro para o entendimento dos acontecimentos econômicos e políticos recentes ao nível internacional e brasileiro. Os trabalhos de Harvey (2004) e Hobsbawm (20070, por mais que ambos publicados no início do século XXI constituem textos problematizadores e, até certo ponto, elucidativos do nosso atual e complexo presente-futuro.

Harvey, em seu “O Novo Imperialismo”, assinala que certas características da sociedade estadunidense (EUA), tal como o “inflexível individualismo competitivo”, soma-se aos padrões de domínio econômico, político e militar dessa potência imperial, para impor o atual perigoso jogo de domínio internacional, cuja ultimas vítimas foram as democracias latino-americanas, sendo o Brasil no atual quadro a principal sociedade exposta ao poder do império decadente.

Quando Harvey escreveu ainda tínhamos certa discrição nas ações de império. Vale lembrar que Obama ao autorizar a morte televisionada de Bin Laden o fez com a percepção de tornar “hollywoodiana” a ação, estabelecendo desde então um novo padrão de ação imperial: o uso da tecnologia para subordinação máxima dos oponentes.

O uso da reorganização do poder de império se acelera desde fins de 2010, sendo que o eixo da lógica geopolítica estadunidense se redirecionou para América Latina, seu “quintal” principal. No governo Trump o alinhamento automático de governos em alguns dos principais países latino-americanos, especialmente Argentina, no governo de Macri, e o golpe de 2016 que retira Dilma e impõe um programa (“ponte para o futuro) sob o governo Tamer completamente associado aos interesses do poder imperial estadunidense, inclusive no desmonte das estruturas produtivas de petróleo, infraestrutura e desorganização institucional.

Harvey ressalta que a acumulação capitalista produziu as modernas formas de domínio imperialista, denotando as diferenças entre o imperialismo britânico (1814/1914) e o que ele denomina de Novo Imperialismo Norte-Americano. O desiderato desse novo imperialismo para ser entendido necessita da compreensão de como interagem a acumulação interminável de propriedade e a acumulação interminável de poder político.

O capital financeiro, a capacidade produtiva e a força militar são os pilares em que se apoia a hegemonia no capitalismo. Harvey observa que a partir do final do século XIX, os EUA passam gradualmente a mascarar o caráter explicito das conquistas e ocupações territoriais sob a capa de uma universalização não espacial de seus valores, discurso que culminaria na atual retórica da globalização.

Para o historiador inglês Eric Hobsbawm, também se tem a universalização de certos padrões econômicos e culturais enquanto cerne de construção da hegemonia internacional estadunidense. Hobsbawm, porém, enfatiza que o mundo por ser demasiado grande, complexo e plural inviabiliza qualquer possibilidade de que os Estados Unidos, ou qualquer outra potência singular possam estabelecer um controle duradouro, mesmo que o desejassem sobre a economia mundial.

O questionamento atual caminha para a inevitável indagação de como se consolidará a hegemonia estadunidense ou se a atual crise já demarca o campo do devir do imperialismo norte-americano e de sua inevitável decadência. Vale ressaltar que o tempo de hegemonia unipolar estadunidense foi muito curto, a polarização hoje é intensa entre o poder imperial estadunidense e os emergentes China e Rússia, o que se estabelece nos diversos campos fundamentais: tecnológico, militar e geopolítico.

Os recentes episódios internacionais econômicos e políticos reforçam a percepção de Hobsbawm. A ausência de autoridades globais não consegue ser substituída pela presença de uma única superpotência, com o agravante, como mostram os episódios de crises cambiais internacionais e de crises das dívidas soberanas de um grande número de países como o estabelecido a partir de 2014 nos países europeus (Grécia, Itália, Espanha, entre outros) que a adoção de medidas de autoproteção por parte desta superpotência enfraquece os elos de convergência hegemônica e o aparecimento de crescentes vozes destoantes entre subpotências regionais, as principais hoje Alemanha, Rússia e China.

O autor de “Globalização, Democracia e Terrorismo”, denota que quatro movimentos estariam por detrás das tentativas de manter “um império mundial” decadente (o primeiro teria sido o Britânico):

i) o acelerado processo de globalização desde a década de 1960, contudo com consequências deletérias de elevação ou agravamento das desigualdades econômicas e sociais entre e intra-nações, além da incapacidade, até aqui, de efetivação de uma globalização da política; o que nos parece que se impõe nos últimos cinco anos é justamente o poder de império político se agudizando, sendo que a América Latina constitui o quintal para experimentação da globalização política do império decadente;

ii) o colapso do equilíbrio internacional de forças oriundos da Segunda Guerra Mundial, especialmente o desmantelamento da antiga URSS e o desaparecimento de forças divergentes necessárias ao equilíbrio do sistema de forças. Neste caso o reaparecimento do poder de interação geopolítica da Rússia e a nova ordem de ascensão da China, curiosamente tem na América Latina seu espaço de acirramento;

iii) a crise dos Estados nacionais soberanos e/ou a fragilização desses agentes frente outros agentes de acumulação, tais como as mega transnacionais, como acima exposto se tornam uma força praticamente hegemônica mundialmente, estabelecendo uma classe dominante transnacional. A lógica aqui parece ser de uma nova corrida ao controle de recursos naturais estratégicos, assim a subordinação radical da América Latina ao controle dos estoques de recursos naturais como petróleo e minérios constitui o centro da nova escalada de dependência destas sociedades;

iv) o regresso de catástrofes humanas maciças e a presença de medo generalizado, seja na forma mais simples de violência causada por disputas banais, por exemplo, a violência juvenil, até formas como a expulsão de populações e o genocídio são aspectos que são comuns em diversas partes do planeta ao longo do século XX. A atual crise brasileira apresenta os elementos explicitados por Hobsbawm, integrando dois pontos que são fortes nesta conformação: a) a perda de capacidade tecnológica, especialmente brasileira, de fazer frente a atual crise sanitária com o desenvolvimento de vacinas e equipamentos; b) a fragilização do poder soberano submetendo as condições, inclusive territoriais nacionais, ao mando imperial estadunidense.

Por mais que os autores não tenham se detido na análise da crise recente do capitalismo central, mas no geral apontam para desdobramentos bastante sérios e a necessidade de compreensão e ação por parte da esquerda. O agravamento da crise estadunidense, como assim parece estar dada, mesmo com a saída de Trump e a entrada de Biden, tem levado ao avanço da desestruturação econômica e institucional tanto nos EUA, quanto na Europa. Vale reforçar que a história nos mostra que a condição de crise mais radical do capitalismo e de decadência de sua potência hegemônica na época histórica se resolve sempre pela radical subordinação das sociedades periféricas, geralmente impondo formas autoritárias subservientes ao centro decadente.

As análises em foco concluem com o impasse quanto aos desdobramentos da economia e sociedade estadunidense, do mesmo modo quanto às incertezas que assopram sobre o desenvolvimento internacional. Da nossa parte nos parece que as condições brasileiras de se impor soberanamente e colaborar com uma saída propositiva são sinais da profunda crise sanitária que se encontra o Brasil e da inapetência econômica completa do governo Bolsonaro. A lógica do governo neofascista estabelecido no país está definitivamente condicionada ao grau de imposição dos interesses do império decadente. A luta social neste momento impõe, mais do que nunca na história brasileira, o discurso anti-imperialista e a queima das bandeiras do império decadente.

4. A Renovada dependência Latino-americana

A economia mundial capitalista tem o caráter de desenvolvimento desigual e combinado, o que se materializa em um padrão internacional de divisão do trabalho na qual a economia mundial se divide em três grandes zonas de soberania e de arranjos tecnológicos, geopolíticos e de controle financeiro: o centro, a semiperiferia e a periferia, sendo que essa divisão aparece funcional para garantir a apropriação de mais-valor pelos centros e novos-centros, permitindo o acumulo do poder econômico nas regiões de liderança tecnológica, militar e financeira e o subdesenvolvimento (em condições de dependência) nas regiões de menor progresso tecnológico, subordinação geopolítica e financeira.

A expansão mundial do capital e a configuração do capitalismo enquanto economia-mundo se processa desigualmente em termos territoriais, não havendo “convergência” como processo econômico, mas o estabelecimento de diferentes hierarquias geoeconômicas, em conformidade a referida dinâmica de desenvolvimento desigual e combinado. A economia mundial se estabelece, portanto enquanto diversos circuitos reprodutivos de capital superpostos e integrados, sendo que essa relação é o que constitui a lógica imperialista, por um lado, e de dependência por outro. O que se denomina de soberania nacional deve ser entendido como o maior ou menor grau de autonomia nacional em relação a quatro eixos centrais: tecnológico, financeiro, geopolítico e de reprodução social das populações.

A América Latina está na região espacial periférica de proximidade dos EUA, sendo que em função disso a soberania dos Estados nacionais latino-americanos é extremamente frágil nos quatro pontos centrais que constituem ou determinam a soberania nacional enquanto ordem de poder na divisão internacional do trabalho:

i) Quanto a capacidade de domínio tecnológico e de controle sobre os principais segmentos da reprodução técnica do capital. Neste aspecto, tanto a dependência de plantas industriais transplantadas, quanto pelo fato da não neutralidade da tecnologia e de sua razão antropocêntrica, observa-se uma série de consequências negativas as sociedades latino-americanas, inclusive os aspectos de formação de uma gigantesca superpopulação relativa e as consequências de bolsões de pobreza, desocupação e informalidade.

ii) A maior ou menor influência sobre o circuito financeiro internacional, e como se estabelece as condições de controle nacional sobre seu sistema de crédito e base monetária, componente de soberania financeira. Este fator implica a capacidade, em termos de moeda nacional de conseguir fazer tanto as trocas comerciais internacionais tendo como base sua moeda nacional, como também o controle sobre os fluxos de capitais (Investimento Externo Direto) e as consequentes transferências de rendas (lucros e juros) para os países centrais, no caso da América Latina centralmente para os EUA.

iii) 
O controle geopolítico do território e a capacidade de intervenção extraterritorial. Aqui três elementos se integram de um lado o poder militar autônomo que apresenta maior ou menor capacidade de dissuasão de ofensivas de outros Estados beligerantes, o uso autônomo e soberano do território em conformidade aos interesses de um projeto nacional e, por fim, a capacidade de arbítrio e influência na ordem de decisão multilateral internacional. A América Latina apresenta enorme dependência e subordinação neste aspecto, seja pela incapacidade de se colocar nos acordos multilaterais internacionais, seja pela própria gestão dos seus territórios, em grande medida sujeitos a intervenção do poder imperial estadunidense.

iv) Por fim, mais central e de grande consequência, os fatores de ordenamento social considerando a qualidade econômica, educacional e de saúde da população, o exercício da cidadania enquanto poder de organização e convívio coletivo, o poder de exercício de interação democrática nas decisões do Estado.

Considerando o ocaso brasileiro, temos magnificado o sentido da manutenção da dependência e da restrição da soberania nacional: em termos tecnológicos temos uma dependência estrutural aos EUA; no caso financeiro, o sistema de crédito brasileiro constitui um biombo do sistema estadunidense. Visível no sistema de dívida pública, que basicamente funciona como um meio de transferência de riqueza nacional para os controladores externos ou internacionais da dívida, algo em torno de 5% do PIB anual[8]; quanto aos aspectos geopolíticos, plenamente vinculados as relações exteriores do império norte-americano; por fim o aspecto da qualidade de vida, onde a lógica de superexploração do trabalho impõe precárias condições de vida para a maior parte da população brasileira.

As relações entre economias capitalistas centrais e periféricas se mantém pela transferência ou vazão líquida de valor (riqueza) para os países centrais, seja pelos mecanismos clássicos de remessas de dividendos, juros e ordenados pagos aos diretores das grandes companhias imperialistas e aos débitos crescentes dos países subdesenvolvidos, mas também pelo agravamento da troca desigual, especialmente estabelecidos desde o crescente hiato tecnológico consolidado a partir dos anos 2000.

Convém lembrar que a dependência a partir da segunda metade do século XX estaria fundada numa situação de compromisso entre os interesses que movem as estruturas internas dos países dependentes e as do grande capital internacional, o que implica numa profunda internalização dos interesses das empresas transnacionais e nova limitação ao grau de autonomia das economias e sociedades periféricas no que diz respeito aos componentes de soberania já assinalados.

Duas grandes tendências se estabelecem no sistema capitalista mundial neste início do século XXI:

i) O desenvolvimento da revolução científico-técnica determina o acirramento da contradição entre o aumento da produtividade e a mais-valia extraordinária, isso ao reduzir a massa de valor empregada na força de trabalho a uma parte cada vez menor do processo produtivo, tornando a economia de trabalho estabelecida pela inovação tecnológica exígua para valorizar a quantidade de mercadorias gerada pelo aumento da produtividade.

ii) A tecnologia nas economias nacionais permite significativamente o barateamento dos preços, em função da elevação do nível de produtividade, sendo que a adoção crescente da automação diminuiu drasticamente o emprego industrial, agravando ainda mais as condições de expansão do exército industrial de reserva e a subutilização de força de trabalho, ao lado da intensificação da exploração dos trabalhadores.

Será neste contexto que se impõe as economias latino-americanas e, especialmente, aos países mais industrializados da região (Brasil, México e Argentina) uma agenda que sedimentará uma trajetória de desestruturação industrial ou de reprimarização de suas bases exportadoras.

Assim, a dependência estrutural latino-americana, e muito especificamente a brasileira, se aprofundou nos últimos anos, impondo uma trajetória de regressão industrial. Se observa a sujeição ao mercado internacional pela exportação de bens primários (ferro e soja) e a importação de bens de elevada intensidade tecnológica, levando ao desmonte da estrutura industrial nacional e a perda de capacidade soberana nacional.

Theotônio dos Santos (2000) registra, portanto, o quanto a manutenção das cadeias de subordinação tecnológica, financeiras e políticas do Brasil ao imperialismo norte-americano nos leva ao crescente empobrecimento de nossa população e a incapacidade do Brasil se colocar no cenário internacional enquanto uma nação líder de seu próprio futuro, algo que parece mais do que evidente no triste quadro que temos hoje, uma nação que não consegue ne sequer planejar a vacinação de sua população e detém o triste recorde de maior número de pessoas vitimadas diariamente pela pandemia do Covid.

Theothônio, a partir dos seus escritos, nos convida a romper com essa covarde realidade.

Notas

[1] David Harvey. O Novo Imperialismo. São Paulo: Edições Loyola, 2004.
[2] Eric Hobsbawm. Globalização, democracia e terrorismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
[3] Theotônio dos Santos. Teoria da Dependência: balanços e perspectivas. Florianópolis: Editora Insular, 2015.
[4] Gyorgy Lukács. Lenin, [1924], 2012. São Paulo: Boitempo, 2012. p. 61.
[5] Vladmir Ilitch Lênin. Imperialismo, fase superior do capitalismo. Lisboa: Edições Progresso. 1986.
[6] Ver: https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0025995, acesso em: 17/03/2021.
[7] Vale chamar atenção para outros três clássicos que tratam da formação do caráter imperialista do capitalismo e que nutrem o próprio Lenin: Hobson (1985); Hilferding (1985); Luxemburgo (1985); Buckarin (1987).
[8] Ver: BBC News Brasil. Acessível em: https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2011/07/110727_divida_brasil_juros_rw.shtml#pagamentos, último acesso em 26/02/2020.

José Raimundo Trindade é Professor da UFPa.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *