Secretário Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e um dos fundadores do PT, o economista e sociólogo Paul Singer não faz coro com o governo que integra na defesa do pacote de ajuste fiscal, que considera equivocado, prematuro, até dramático. “Dilma está fazendo o que prometeu que não faria”, afirma.
Líder da famosa greve dos metalúrgicos de 1952 que depois se tornou professor titular da USP, ele admite que a presidenta “tem lá a sua lógica”, mas defende que o ajuste fiscal deveria, no mínimo, ter sido feito negociado com a sociedade brasileira, em especial com os eleitores de Dilma, os grandes prejudicados pelo desemprego crescente.
Em entrevista à Carta Maior, Singer avalia o momento delicado pelo qual passa o governo do seu partido, fala do perigo do avanço conservador, critica a política de alianças do PT e defende a criação de uma Frente Popular que abrigue não só os partidos de esquerda, mas principalmente os movimentos sociais.
Confira:
Carta Maior – Como o senhor avalia este momento do governo Dilma, que muitos apontam como bem delicado, principalmente do ponto de vista econômico?
Paul Singer – É exatamente isso: é um momento delicado, sem dúvida nenhuma, e Dilma está fazendo o que prometeu que não faria. Se ela me perguntasse, eu diria para não fazer, mas ela tem lá a lógica dela, não é gratuito. Esse ajuste fiscal está prejudicando muito os trabalhadores, principalmente com a questão do desemprego, mas o objetivo é indiscutível. O que ela está tentando conseguir é fazer o Brasil voltar a crescer.
CM – Na sua avaliação, existe alternativa a este ajuste fiscal para fazer o Brasil voltar a crescer?
PS – Não sei qual é. Mas, de qualquer modo, o ajuste fiscal em si foi iniciado de uma forma que eu diria dramática, tanto que o próprio governo hoje já está achando que não vai conseguir alcançar [as metas propostas]. E fazer isso à toque de caixa, já no primeiro ano, eu não entendo. Eu penso que a presidenta teria feito bem de explicar para a nação o porquê da urgência, a importância e o objetivo. Quanto ao objetivo, eu não tenho dúvidas: ela está querendo convencer o empresariado a investir, porque sem investimentos, em uma economia capitalista, o crescimento não é possível. Portanto, o objetivo eu não critico. Mas ela deveria, como ela já deve ter percebido, porque isso vai em detrimento justamente do setor que a reelegeu, seria necessário não somente explicar, mas inclusive consultar. Daí isso não seria visto como uma traição, o que a imprensa explora de todas as formas. Não há propriamente traição, mas sim uma falta de negociação.
O desemprego subiu muito e o ajuste fiscal é o grande culpado. Porque o governo arrecada mais ou menos um terço do produto bruto nacional, sobre a forma de diferentes impostos e taxas. Se o governo não gasta esse dinheiro – e é isso que é o ajuste fiscal – a demanda cai. Um terço do produto nacional sai do mercado e fica no banco para fazer o “raio” do superávit. Agora, há sinais de que setores do empresariado reagiram positivamente. Uma das comprovações é o fato da Bolsa de SP ter subido. Porque quando a bolsa sobe, significa que uma parte da burguesia investe. Não há outra forma de fazê-la subir. Então, a política não é totalmente sem eficácia.
CM – Mas o impacto para os de baixo tem sido grande… justamente para os eleitores de Dilma…
PS – Sim. A manchete hoje no Valor Econômico é que as fábricas da linha branca e as lojas que vendem estão mandando embora milhares de pessoas. Isso deveria ter sido previsto e devidamente negociado com os sindicatos, com os partidos e com a opinião pública. Mas não foi.
CM – A taxação do capital especulativo ou a taxação das grandes fortunas seriam alternativas a forma escolhida por Dilma para fazer o ajuste fiscal?
PS – Primeiro é preciso dizer que, no capitalismo contemporâneo, o capital é todo ele especulativo. O que o ajuste fiscal está querendo, inclusive, é que ele seja especulativo, porque isso leva a economia a crescer. O capitalista não pode se organizar com outros capitalistas e não ser especulativo, porque é contra a lei. No Brasil, cartel é proibido. Eu já escrevi sobre isso um pouco. Eu acho que o cartel poderia ser estimulado, porque aí não há erro. E pode ser controlado pelo governo de forma que os preços não sejam abusivos, e ao mesmo tempo você satisfaz as necessidades com aquilo que é produzido. Mas, com o neoliberalismo, falar isso virou um crime. Daí, se você se organizar e se aliar para fazer as coisas é um crime, só resta a especulação.
Quanto à taxação das granes fortunas, deveria ser prioridade. Já que tem que fazer o tal do ajuste, ao invés de tomar outras medidas, as grandes fortunas poderiam fornecer os recursos. Até porque taxar as grandes fortunas seria cumprir a Constituição.
CM – Por que tanta resistência neste governo? É o tal DNA neoliberal da equipe econômica?
PS – Não, não. A resistência no governo é muito pequena. É a Câmara e o Senado que não aprovariam isso nem a tiros. E eu não posso criticar a presidenta por não encaminhar uma proposta em que ela seria derrotada, porque isso a enfraquece, a desprestigia. A disputa decisiva foi a para presidência da Câmara. Ela apoiou o candidato do PT, que já tinha sido presidente da Câmara, de modo que não era nada muito obtuso. Mas fomos derrotados: ela, eu, enfim, outros. E agora, eu tenho, junto com muita gente, dito isso. E não estou falando nem exatamente das grandes fortunas, porque são imóveis. Uma fortuna que está em algum lugar e você tira, se os possuidores tinham algum plano para essa fortuna, não vão fazer mais, o que não é bom para o país também. Eu diria antes que deveríamos ter cotas muito maiores para os grandes ganhos. Não a fortuna, mas o grande ganho. O cara que ganha R$ 1 milhão por mês pode, tranquilamente, pagar a metade em imposto. Com meio milhão dá pra viver bem no Brasil. Não estou dizendo para igualar tudo, mas reduzir as enormes diferenças.
CM – O senhor concorda que este é o Congresso mais conservador que um governo do PT já enfrentou?
PS – Sim. Você está absolutamente certa.
CM – E isso, em alguma medida, desvela a falência dessa política de aliança adotada pelo PT, que, na prática, não está mais funcionando?
PS – É verdade. Você tem razão. Eu sou um dos fundadores do PT. Eu conheço o PT desde a fundação. Durante anos, o PT adotou uma regra, uma postura, de só fazer alianças com partidos mais a esquerda do que ele próprio. Se não fosse mais a esquerda, ele nem fazia. E durante algum tempo, isso funcionou bem para o PT. Mas, agora, a partir principalmente deste último governo da Dilma, ela passou a chamar até adversários. Pessoas que, ideologicamente, estão em posições opostas. Como a ministra Kátia Abreu, que disse que no Brasil não há latifúndios. Para quem vê as propriedades de terras no Brasil, isso é piada. É ela, que não é uma mulher boba, define latifúndio como aquela propriedade de terra que viola a função social da propriedade. Aí sim, é outra história. Mas temos um monte de latifúndios em termos de tamanho.
CM – Há a perspectiva do tamanho e a perspectiva da terra ser improdutiva ou não…
PS – É. São discussões. Agora, não faz nenhum sentido deixar terra sem uso, já que o Brasil se tornou o maior exportador de alimentos do mundo. O agronegócio, aliás, está indo muito bem. Mas de qualquer forma, não quero ser injusto com a Dilma. O Lula fez a mesma coisa. Fez acordo com o PP, partido que apoiou o regime militar. E quanta gente boa foi morta pelo regime que eles apoiaram. O PMDB acabou incorporando o Sarney, que não foi o pior dos mundos, mas foi um homem que dirigia o partido do regime militar. Mas houve outras alianças muito obtusas que o Fernando Henrique fez. Eu quero dizer que ele é amigo meu há muitos e muitos anos. É um homem de esquerda. Mas fez alianças que depois o PT fez também. Então, o PT tem que ser criticado, mas não podemos esquecer que outros também à esquerda, fizeram algo semelhante.
CM – O senhor vê com bons olhos a criação de uma Frente Popular, como vem sendo discutido, para dar respostas a esse conservadorismo crescente? Essa tradição das frentes realmente funciona?
PS – Na minha opinião, deveria se criar uma frente em que o fundamental não seriam só os parlamentares, mas sim os movimentos sociais. Seria uma forma para que o PT e seus aliados fizessem as políticas que a população está pedindo, está precisando. Porque a partir do governo, onde eu estou, ou mesmo do parlamento, você não tem uma noção muito clara, urgente ou dramática. Por exemplo, esses cortes tanto na educação quanto na saúde podem causar situações muito ruins que precisam ser logo mais evitadas. Não tenho nenhuma prova disso, mas a lógica diz isso. Então, eu diria que a função de uma frente dessas seria realmente proteger a população.
CM – A criação dessa frente é, na sua visão, uma tarefa histórica que teria que ser encabeçada pelo PT, pelo seu protagonismo, pela sua própria participação no governo?
PS – Ah, sim. Eu concordo plenamente, mas se uma frente de esquerda for construída, eu seria favorável que os outros partidos participassem, como por exemplo o PSOL. Acho que seria lógico entregar alguma coisa do governo para o PSOL, porque hoje ele tem deputados e é um partido que continua fiel as coisas que o próprio PT defendeu ao longo da história. Mas isso é só um exemplo. O que eu quero dizer é que os aliados devem ter a oportunidade de praticar suas políticas, como é próprio da democracia.
Fonte: Carta Maior
Texto: Najla passos
Data original da publicação: 24/06/2015