Países “como o Brasil” ainda precisarão ser convencidos sobre imposto mundial, diz OCDE

Pascal Saint-Amans, diretor do Centro para a Política Fiscal da OCDE. Fotografia: OECDtax/Flickr

Reunidos no G7, os países mais desenvolvidos do planeta chegaram a um acordo sobre a adoção de um imposto mundial sobre os lucros das multinacionais, inclusive nos países onde elas não estão instaladas, mas atuam e geram receita. A proposta é considerada “histórica” para combater os paraísos fiscais e finalmente tributar as gigantes da internet, em uma adaptação necessária à economia digital do século 21. Mas a ideia pode enfrentar resistência dos pequenos países e os emergentes, como o Brasil.

O acordo é costurado há quase 10 anos pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e agora venceu esta etapa crucial no G7, graças à saída do ex-presidente americano Donald Trump da mesa de negociações. Seu sucessor, Joe Biden, tenta emplacar uma ambiciosa reforma fiscal em um momento em que os cofres públicos não só dos Estados Unidos, como do mundo inteiro, estão vazios por conta da pandemia.

Neste contexto, o imposto mundial vem a calhar para ajudar os países a pagarem a salgada conta da Covid-19 – ao mesmo tempo em que, ironicamente, as empresas de big tech registram lucros recordes pelo mundo, graças à crise sanitária. A arrecadação seria dividida entre os países nos quais as companhias têm lucros, embora não estejam fisicamente implantadas, a exemplo do Facebook mundo afora.

O economista especialista em tributação Jacques Le Cacheux, do Observatório Francês de Conjuntura Econômica (OFCE), avalia que ficará muito difícil para as grandes companhias fugirem dos impostos – já que a prática se tornará ilegal. “Vai mudar muita coisa, mas o diabo está nos detalhes. Precisaremos ver como fazer, concretamente, o cálculo da repartição dos lucros das multinacionais. Teremos de ver como aplicar a regra para empresas como mineradoras, por exemplo, e como faremos para compartilhar os lucros dessas multinacionais entre os diferentes países, nos quais elas atuam”, explica.

Próxima etapa: negociação no G20

Este é um dos pontos delicados para a aprovação da proposta no grupo de trabalho da OCDE sobre o tema, reunindo 139 países, e depois pelos líderes do G20, na reunião prevista em julho. A taxa de “no mínimo 15%” representará um avanço inédito ao acabar com a exoneração praticada nos paraísos fiscais e elevar o índice praticado em lugares como a Irlanda, destino preferencial das companhias digitais na Europa, ao aplicar apenas 12,5% em impostos. Mas em outros casos, como Brasil, a taxa já é superior à proposta pelo G7 – e eles temem sair perdendo com a reforma.

O diretor do Centro de Política e Administração Fiscal da OCDE, Pascal Saint-Amas, explicou à emissora FranceInfo que a maior potência emergente, a China, se mostra cooperativa, mas outros países podem colocar barreiras ao projeto.

“Antes mesmo de convencer a China, teremos que convencer os países do leste europeu, a Irlanda, vários pequenos países que pensam que esse assunto só interessa às grandes grandes economias. Estamos trabalhando dia e noite na OCDE para chegarmos a um acordo no fim do mês de junho, para depois termos a adesão dos países do G20: Brasil, África do Sul, Índia, Indonésia”, afirma Saint-Amas. “Esses países dizem que querem o direito de tributar mais nos países emergentes.”

Detalhes em aberto

Além disso, no caso do Brasil, na esfera bolsonarista, a notícia da criação de um “imposto mundial” foi interpretada como a consolidação da suposta agenda globalista – e o presidente Jair Bolsonaro pode acabar resistindo à proposta para não desagradar a sua base eleitoral. O governo ainda não fez um comentário oficial sobre o tema.

O professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) especialista em tributação Marcos Fernandes avalia que os detalhes do projeto ainda estão vagos, em especial para as empresas tradicionais.

“No ponto de vista do Brasil, não está muito claro no que isso pode nos afetar. Não há nada ainda que a gente possa inferir sobre benefícios para o Brasil”, aponta Fernandes. “Não está claro, por exemplo, se essa discussão valeria para qualquer multinacional, inclusive para as filiais delas instaladas em diversos outros países. Impostos sobre repatriações de lucros já existem e praticamos aqui. O caso da Irlanda é diferente: ela atrai as sedes das multinacionais.”

Um valor mínimo de receita para ser alvo do fisco em nível mundial ainda não foi determinado. Desde os anos 1980, a guerra fiscal entre os países para atrair as empresas fez a tributação cair pela metade. Estimativas apontam que as multinacionais – em especial as americanas – direcionam até 40% dos seus lucros para países onde os tributos são menores, o que representa um buraco de US$ 500 bilhões de impostos não recolhidos.

Fonte: RFi Brasil
Texto: Lúcia Müzell
Data original da publicação: 08/06/2021

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