Leonardo Sakamoto
Fonte: UOL
Data original da publicação: 29/03/2019
A população desocupada no Brasil atingiu 13,1 milhões, ou 12,4% do total, no trimestre compreendido entre dezembro de 2018 e fevereiro de 2019, de acordo com dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) Contínua , divulgada, na manhã de sexta (29), pelo IBGE.
A população fora da força de trabalho (65,691 milhões), recorde da série histórica, teve aumento de 595 mil pessoas (0,9%), em comparação ao trimestre anterior, e de 754 mil (1,2%), com relação ao mesmo trimestre há 12 meses.
Um dos números mais angustiantes divulgados periodicamente pelo IBGE é o do desalento. Esse contingente específico está fora da força de trabalho por não acreditar que exista oportunidade ou espaço no mercado, não contar com experiência ou qualificação, ser considerado muito jovem ou muito idoso, não encontrar serviço no local de residência ou não ter conseguido trabalho adequado.
De acordo com dados da PNAD Contínua, o número de pessoas desalentadas foi de 4,855 milhões (4,4% do total) – mantendo o auge da série histórica – nesse trimestre. Por conta da margem de erro, o IBGE considera que ele permaneceu estável em relação ao trimestre anterior, quando a estimativa era 150 mil menor, ou seja, 4,705 milhões. O número é 6% maior que o apresentado um ano atrás.
A manutenção dessa população, que desistiu de procurar emprego porque acredita que não vai encontrar algo, é um dos piores indicadores para um país. Isso vai além do desemprego, é o resultado da corrosão não só da autoestima e da fé na vida em sociedade, mas também da esperança e da confiança na economia, na política, no governo e nas instituições.
A responsabilidade por esses números é do governo Bolsonaro? Não. Mesmo que o atual governo federal estivesse implementando grandes políticas de geração de postos de trabalho (se estiver, guarda como segredo para si mesmo), elas não levariam a uma tendência sólida de retomada no emprego no curto prazo.
Mas, se por um lado, o governo federal não pode ser responsabilizado se um dos indicadores de trabalho aponta para a manutenção do problema, ele também não deveria se apropriar de resultados quando um outro traz um dado positivo.
Na segunda (25), foi divulgado que o país criou 173.139 empregos com carteira assinada em fevereiro, de acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados. A PNAD e o Caged devem ser vistos como indicadores complementares, o primeiro, mais amplo, por amostra, e o segundo mais específico, que usa um banco de dados nacional. Determinadas melhoras não significam aumento na velocidade de crescimento do emprego e devem ser acompanhadas ao longo do tempo. O resto é questão de crença e fé.
Mesmo assim, isso foi o suficiente para o presidente da República tentar capitalizar nas redes sociais com os dados do Caged. “Queremos muito mais e não descansaremos! Vamos em frente!” foi ecoado pela equipe do Ministério da Economia que disse ser isso o efeito do ambiente liberal e confiável para que contratações voltem a ocorrer que estaria sendo criado pelo governo. É fato que uma parte dos empresários torciam e ficaram animados com a vitória do capitão, mas muitos condicionam o investimento para gerar empregos à aprovação da Reforma da Previdência e à melhora nas contas públicas. A demanda por novos empregados pode não manter o ritmo se a economia seguir girando em torno de um ponto de interrogação.
Em reunião da Frente Nacional de Prefeitos, o ministro da Economia, Paulo Guedes , afirmou que o dado do Caged é fruto da Reforma Trabalhista, que passou a valer em novembro de 2017. “Isso já é efeito da mudança lá atrás. A Reforma Trabalhista acelerou o crescimento.” Ele não é analista isento, claro, pela posição em que está, mas por ser interessado na “fase 2” da reforma, com a implementação de uma “carteira verde e amarela” – contrato de trabalho onde seria possível ignorar as proteções da CLT para jovens ingressantes no mercado.
Durante o governo Michel Temer, sua base de apoio no Congresso Nacional e associações empresariais martelaram, dia e noite nos veículos de comunicação, que, com a Reforma Trabalhista, leite e mel correria para dentro das casas logo após as mudanças passassem a valer. Isso não se concretizou porque a economia não cresceu e não houve políticas eficazes contra o desemprego – apenas para compra de parlamentares a fim de salvar o pescoço do presidente.
Na época, a equipe do governo afirmou que, em pouco tempo, os postos de trabalho precarizados se converteriam em carteira assinada, pois realmente a informalidade é a primeira etapa da retomada formal. O problema é que a geração de emprego seguiu derrapando e o brasileiro demitido foi se especializar em vender quentinha e bolo na rua – setor que conheceu verdadeiramente um boom, segundo números do IBGE.
E, quando os dados negativos seguem insistentes, culpa-se a Justiça do Trabalho por estar “dificultando” a implementação da desregulamentação do trabalho. Como se a responsabilidade por um time ruim fosse sempre do árbitro.
Ao invés de puxar para si ou afastar os ônus e bônus dos indicadores, o governo convenceria melhor empresários, trabalhadores e sociedade se apresentasse uma política de geração de empregos que não contasse apenas com a aprovação da Reforma da Previdência. Uma que não incorresse nos erros das desonerações de governos anteriores, mas demonstrasse que há um plano para o país de fato e não um conjunto de interesses sem líder e sem organização.
Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e o desrespeito aos direitos humanos no Brasil. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil e conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão.