Os trabalhos de escritório também estão na mira dos robôs

Fotografia: Alex Knight/Unsplash

Nas revoluções industriais anteriores, as máquinas assumiram os trabalhos manuais. Agora elas estão vindo para um trabalho “cognitivo” – mais artístico e intelectual.

Ryan Zickgraf

Fonte: Jacobin Brasil
Tradução: Sofia Schurig
Data original da publicação: 04/04/2023

Elon Musk finalmente acertou em alguma coisa: o novo modelo de linguagem da OpenAI, o GPT-4, é “assustadoramente bom”. Quão bom? Considere este pequeno trecho de “Robôs e Revolução“, uma música que pedi ao ChatGPT para criar:

Alguns socialistas dizem que a IA poderia ser uma ameaça

Para o sustento dos trabalhadores e os lucros que eles obtêm

Eles argumentam que os lucros da IA devem ser compartilhados

E que o governo deve ajudar aqueles que são prejudicados

Mas outros dizem que a IA poderia ser uma força para o bem

Poderia reduzir a necessidade de trabalho, como deveria ser

Poderia criar uma sociedade onde somos livres do trabalho assalariado

Onde podemos seguir nossas paixões, sem nenhum favor

Não é uma obra genial. Eu daria uma nota 5 para a letra, com notas baixas para o fluxo lírico desajeitado e falta de humor. Por outro lado, esta canção de três versos e um refrão foi criada em cerca de trinta segundos e fez um trabalho razoável, resumindo os argumentos sobre inteligência artificial em forma básica de rima.

Além disso, isso apenas arranha a superfície das capacidades do gênio das palavras baseado no navegador. Desde que a OpenAI lançou o ChatGPT para o público em novembro, as pessoas o usaram para escrever ensaios de nível universitário, aprimorar o diálogo de seus roteiros, criar receitas para o jantar e escrever código de software.

Eu decidi transformar “Robôs e Revolução” em um projeto de vídeo musical, então passei algumas horas usando outras ferramentas de IA para fazê-lo sozinho como novato. Eu me inscrevi para um aplicativo de voz (Murf) para fornecer vocais, Midjourney para visuais gerados por computador, Amper Music para criar uma trilha sonora melancólica e Canva para editar e produzir.

Hesito em chamar o resultado de meu vídeo musical porque não o fiz tanto quanto o curador, deixando a IA fazer o resto. Fazê-lo me poupou o custo pesado de pagar artistas, músicos, engenheiros e designers gráficos.

Da mesma forma, alguns sites comerciais começaram a empregar artistas de IA em vez de ilustradores, e criadores de conteúdo usam cada vez mais músicas geradas por algoritmos para evitar pagar diretamente a artistas ou taxas de royalties.

Agora, com mais combustível para especulação, há indícios de que a chamada Quarta Revolução Industrial já esteja em andamento. Klaus Schwab, fundador e presidente executivo do Fórum Econômico Mundial, descreveu a Quarta Revolução Industrial como “uma fusão de tecnologias que borrará as linhas entre as esferas física, digital e biológica”. É a convergência de inteligência artificial, aprendizado de máquina, robótica avançada e biotecnologia.

Nas revoluções industriais anteriores, as máquinas assumiram muitos empregos de trabalho manual, depois trabalhos repetitivos em linhas de montagem e trabalhos de escritório analógicos. Agora elas estão vindo para o trabalho “cognitivo” de nível superior.

Um estudo de 2013 da Universidade de Oxford sugeriu que quase metade das profissões atuais poderiam ser eliminadas pela automação na próxima geração, incluindo muitos empregos de colarinho-branco ou considerados “qualificados”, como trabalhos de escritório em geral.

Muito se falou aqui no Brasil, em tom até apocalíptico, sobre o artigo recente — produzido por dois economistas homens do banco Goldman Sachs — sobre como a inteligência artificial generativa, que cria conteúdo a partir de comandos de usuários como o GPT-4, poderá substituir 300 milhões de empregos.

Os economistas avaliaram que essas tecnologias poderão, em breve, fazer coisas “simples” como cálculo de impostos ou documentações de cenas de um crime, por exemplo. A discussão é extremamente semelhante ao debate sobre os níveis de importância social do “trabalho qualificado” e “trabalho não qualificado” (em inglês, skilled unskilled labor).

Kai-Fu Lee, especialista em IA e CEO da Sinovation Ventures, escreveu um ensaio em 2018 que especulava que metade de todos os empregos seriam automatizados em 15 anos — ou seja, em 2033, contando o ano de publicação do artigo.

“Contadores, trabalhadores de fábricas, caminhoneiros, paralegais e radiologistas – apenas para citar alguns – serão confrontados por uma interrupção semelhante à enfrentada pelos agricultores durante a Revolução Industrial”, escreveu Lee.

“Claramente, a IA vai vencer”, observou o psicólogo ganhador do Prêmio Nobel Daniel Kahneman em 2021. “Como as pessoas se ajustam é um problema fascinante.”

Esse ajuste claramente prejudica desproporcionalmente a maioria dos trabalhadores.

Tecnologias que economizam tempo de trabalho não são inerentemente erradas. O que é problemático é o processo em que ela é integrada ao sistema capitalista. Em O Capital, Karl Marx explicou como a substituição do trabalho pela automação é uma ferramenta usada pelo capital para enfraquecer o trabalho e enriquecer a si mesmo sem considerar o padrão de vida dos trabalhadores ou as necessidades da sociedade. “O instrumento de trabalho, quando toma a forma de uma máquina, imediatamente se torna um concorrente do próprio trabalhador”, escreveu Marx.

Essa competição exerce ainda mais pressão descendente sobre os salários de uma massa de trabalhadores não qualificados, uma “população excedente artificial” de desempregados. Marx chamou a automação de “a arma mais poderosa para suprimir as greves, aquelas revoltas periódicas da classe trabalhadora contra a autocracia do capital”. Como resultado, a desigualdade cresce.

Os apologistas capitalistas estão errados quando dizem que, embora a nova tecnologia substitua os trabalhadores a curto prazo, ela deve eventualmente libertar os trabalhadores do trabalho mecânico e permitir que trabalhem em setores mais avançados. Essa é a argumentação que ChatGPT apresentou no segundo verso de “Robôs e Revolução“.

Se isso fosse verdade, por que tantos trabalhadores do presente suportam longas horas, baixos salários e odeiam seus empregos, apesar de todos os ganhos de produtividade resultantes dos avanços em eletricidade, computação, robótica e outras tecnologias ao longo dos últimos dois séculos?

Se a história nos ensina algo, é que sem organização da classe trabalhadora, o capital sempre sai vencedor.

Não é tudo má notícia. Ferramentas novas e reluzentes de IA como o ChatGPT ainda não são boas o suficiente em 2023 para substituir, digamos, Beyoncé e Kendrick Lamar com robôs cantando e rimando. Mas devemos considerar seriamente o futuro médio e longo prazo daqueles de nós empregados em arte, música, escrita, codificação e outros campos propensos a perturbações da IA, como a primeira estrofe de “Robôs e Revolução” adverte.

Ryan Zickgraf é um jornalista residente no Alabama e editor da Third Rail Mag.

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