Perdas de rendimento são bem mais acentuadas no sul da Europa do que no norte. Cerca de 20% não têm emprego cinco anos após despedimento e quem encontra tem salários mais baixos.
Edoardo Acabbi, Andreas Gulyas, Antoine Bertheau, Cristina Barceló, Raffaele Saggio e Stefano Lombardi
Fonte: Esquerda, com The Conversation
Tradução: José André
Data original da publicação: 29/10/2022
Imagine um trabalhador italiano e um dinamarquês com qualificações e empregos muito semelhantes numa indústria semelhante. Imagine que de repente perdem os seus empregos devido a um despedimento coletivo ou ao encerramento da sua empresa. As consequências da perda dos seus empregos são diferentes para os trabalhadores italianos e dinamarqueses?
Num artigo recente, analisámos esta questão utilizando dados de sete países europeus que cobrem três décadas de perdas de postos de trabalho. A nossa principal conclusão é que a perda de empregos tem implicações muito diferentes para várias dimensões do mercado de trabalho na Europa.
Como tirámos esta conclusão?
Em primeiro lugar, construímos dados harmonizados combinando registos administrativos recolhidos por institutos de Segurança Social em sete países caraterizados pelas suas próprias instituições do mercado de trabalho: Áustria, Dinamarca, França, Itália, Portugal, Espanha e Suécia. A harmonização é essencial para a comparabilidade dos resultados, a fim de assegurar que as definições e metodologias utilizadas sejam consistentes entre países.
Em segundo lugar, utilizamos uma estratégia popular de investigação em economia baseada no estudo de eventos para extrair efeitos causais (Card, 2022). Para cada país, identificamos os trabalhadores afetados por um despedimento coletivo – ou seja, os trabalhadores que sofrem uma separação involuntária do seu emprego – e acompanhamos a evolução dos seus principais resultados no mercado de trabalho durante cinco anos, antes e depois da perda do emprego.
A fim de estimar o efeito da perda do emprego, comparámos as mudanças nas variáveis de interesse do mercado de trabalho selecionadas para estes trabalhadores involuntariamente despedidos com a evolução experimentada por trabalhadores equivalentes cujas principais caraterísticas observáveis são muito semelhantes e que não foram afetados por um despedimento coletivo durante o mesmo período.
Por “equivalentes” queremos dizer que estes trabalhadores de comparação têm caraterísticas demográficas semelhantes (idade e sexo), rendimentos muito semelhantes antes do despedimento coletivo e condições de trabalho semelhantes em empresas do mesmo sector.
A figura 1 mostra que os países do Norte da Europa sofrem de longe as menores perdas de rendimentos: nos cinco anos que se seguem ao despedimento, os rendimentos são quase 10% inferiores aos observados antes do despedimento.
Em contrapartida, os rendimentos dos trabalhadores afetados por despedimentos coletivos no Sul da Europa (Itália, Portugal e Espanha) são cerca de 30% mais baixos.
Os trabalhadores austríacos apresentam perdas de rendimento no meio dos países escandinavos e do Sul da Europa, enquanto as perdas de rendimento dos trabalhadores franceses são semelhantes às dos trabalhadores do Norte da Europa.
Países e probabilidades
Grande parte da diversidade entre países em termos de perdas de rendimento deve-se a diferenças na probabilidade de encontrar um emprego. Cerca de 20% dos trabalhadores involuntariamente despedidos em Espanha, Portugal e Itália não encontram emprego cinco anos após o despedimento. Esta percentagem é apenas de de 5% na Suécia e Dinamarca e cerca de 10% em França e Áustria.
As perdas salariais diárias estão menos dispersas pelos países, com a maioria concentrada na faixa entre 5% a 10% aos cinco anos após a perda do emprego.
Investigámos, com uma técnica de decomposição estatística, se é possível que os trabalhadores despedidos no Sul da Europa possuam certas caraterísticas que os tornam menos suscetíveis de encontrar um emprego (por exemplo, se trabalham em indústrias diferentes, se têm idades diferentes, etc.). Mas constatámos que as diferenças observadas nos rendimentos do trabalho entre países não se devem a caraterísticas diferentes dos trabalhadores e dos seus empregadores nestes países.
Por contraste, verificámos que as caraterísticas específicas das empresas explicam, em grande medida, o ajustamento dos salários diários. Uma parte considerável da diminuição dos salários após a perda do emprego é explicada pelas transições dos trabalhadores despedidos para empresas com salários mais baixos: a percentagem explicada varia entre cerca de 40% para Espanha e mais de 95%, em Portugal.
Finalmente, analisámos se a grande heterogeneidade das instituições do mercado de trabalho na Europa pode estar relacionada com as diferenças entre países nos nossos resultados.
Caraterísticas institucionais fundamentais, tais como o grau de proteção do emprego, a generosidade dos subsídios de desemprego e a extensão dos programas ativos do mercado de trabalho podem ter um impacto significativo na procura de emprego dos trabalhadores despedidos.
As políticas ativas de emprego são fundamentais
Os nossos resultados sugerem que as políticas ativas de emprego, tais como programas de formação, são um preditor particularmente significativo de perdas de rendimento. Nos países que implementam mais políticas de formação, as perdas de rendimento são significativamente menores três anos após a perda do emprego.
Obtemos sempre resultados semelhantes quando temos em conta uma vasta gama de caraterísticas demográficas adicionais, qualidades patronais e outros fatores invariáveis específicos de cada país ou do ano de estudo em particular.
A grande dimensão (sem precedentes) da amostra da análise e a utilização de um desenho de investigação idêntico em todos os países fornece novas provas sobre a heterogeneidade dos efeitos da perda de postos de trabalho entre países, com base em dados individuais.
A grande diversidade das trajetórias de rendimentos após a perda de emprego documentada neste estudo deve ser de interesse para os decisores políticos e académicos.
Os nossos resultados revelam que os mercados de trabalho parecem funcionar melhor nalguns países do que noutros e que as instituições que intervêm no mercado de trabalho têm provavelmente o potencial para mitigar estas diferenças.
Edoardo Acabbi é professor de Finanças na Universidade Carlos III.
Andreas Gulyas é professor de Economia na Universidade de Mannheim.
Antoine Bertheau é investigador de pós-doutoramento na Universidade de Copenhaga.
Cristina Barceló é economista na Direção Geral de Economia e Estatística do Banco de Espanha.
Raffaele Saggio é professor na Universidade da Colúmbia Britânica.
Stefano Lombardi é investigador no VATT Institute for Economic Research.