A DoorDash retirou da administração tradicional de restaurantes a ideia de tomar para si as gorjetas que são dadas aos trabalhadores. Mesmo revertendo a situação depois de pressão pública, a plataforma de delivery chamou a atenção para o foco da exploração capitalista no mercado de trabalho.
Meagan Day
Fonte: Carta Maior, com Jacobin
Tradução: Cristiane Manzato
Data original da publicação: 01/08/2019
DoorDash, Postmates, GrubHub, Seamless, InstaCart: essas empresas de entrega de alimentos prometem interromper a relação empregador-empregado e inovar as desvantagens de trabalhar na indústria de serviços alimentícios.
Seu truque é fazer parecer que não há patrões nem trabalhadores. A empresa é um prestador de serviço, e qualquer pessoa que encomenda ou entrega um pedido é um usuário. A plataforma está simplesmente conectando usuários, alguns dos quais estão pagando e outros estão sendo pagos. Um trabalhador consegue fazer sua própria programação e aceitar trabalhos conforme sua conveniência, como um freelancer. Eles podem “ser seus próprios patrões”. E aparentemente, isso soa muito melhor do que ser mandado por outra pessoa durante todo o seu expediente.
Mas mesmo que muitos entregadores tenham coisas boas a dizer sobre essas plataformas, eles estão rodeados de armadilhas. Desde plataformas de serviços de delivery até serviços de carona, as empresas que as operam podem facilmente lavar as mãos em relação as obrigações mais básicas de um empregador para com seus funcionários de tempo integral – como fornecer benefícios de saúde, salários estáveis, segurança de emprego, etc. – e então dão as costas e agem exatamente como chefes da pior maneira.
Lembre-se: não é só porque você não vê seus chefes que significa que eles não estejam lá. E se eles estão lá, estão te explorando, porque é isso que os chefes capitalistas fazem.
A DoorDash recentemente mostrou como isso realmente funciona. A empresa foi fortemente criticada por agir como restaurantes tradicionais, ficam com as gorjetas de seus entregadores a fim de complementar o valor ao qual eles têm direito devido serviço prestado. No mundo dos restaurantes, os patrões podem usar as gorjetas que os funcionários recebem para inteirar o valor já estabelecido de salário mínimo que os empregados devem receber.
Isso é confuso, mas pense assim: você dá de gorjeta US $ 2 em um hambúrguer de US $ 10, se você nunca trabalhou na indústria alimentícia, você provavelmente vai achar que os dólares extras são como um “obrigado” ao servidor por anotar seu pedido e levar o hambúrguer à sua mesa. Em vez disso, no sistema de salários mais a gorjeta, é muito comum o restaurante apropriar se desses ‘extras’ e os usa para compensar a diferença entre a taxa fixa que eles estão dispostos a pagar – apenas $ 2,13 em muitos estados – e o salário mínimo estabelecido naquele estado.
Sua gorjeta não é realmente uma gratificação para o servidor. É um subsídio para o patrão.
DoorDash foi pego fazendo exatamente a mesma coisa. Imagine que você fez um pedido com o DoorDash em um horário X e o tempo estava horrível. Você sabe que o entregador está tendo dificuldades em chegar até você, mas ele está determinado a te encontrar, e você finalmente consegue seu frango frito tarde da noite. Você é uma pessoa consciente e percebe que não foi uma entrega fácil, então você dá uma gorjeta para o motorista do DoorDash como uma demonstração de respeito pelo esforço que ele fez.
No entanto, eles nunca veem a cor dessa gorjeta, ou até mesmo sabem dela. Eles simplesmente ganham a mesma taxa fixa de sempre, e a empresa tem um lucro maior naquela noite, mesmo que a entrega não tenha sido feita por um alto executivo, que estava desafiando a tempestade e a escuridão da estrada para atender às suas necessidades de beliscar um franguinho.
Assim como o InstaCart antes dele, o DoorDash só parou de pagar salários indevidos em resposta a um clamor público. A queixa não foi sem razão: os salários e as gorjetas são realmente enganosos e só funcionam a favor dos patrões, não dos trabalhadores. As pessoas dão gorjetas para os trabalhadores individuais com quem tiveram interações pessoais. Quando é dada a gorjeta, não se tem a intenção de coloca-las nos caixas das grandes corporações para que sejam distribuídas a fim de atender aos requisitos mínimos salariais para esses trabalhadores. Esse sistema salarial significa que quanto mais os trabalhadores trabalham e quanto maiores forem as gorjetas, menos os patrões precisam se preocupar em pagar os trabalhadores com dinheiro de seus próprios bolsos.
Os salários baixos e as gorjetas são uma fonte de controvérsia no mundo dos restaurantes. Obviamente, os trabalhadores querem ser pagos melhor, mas não sabem em quem acreditar. Por um lado, os donos dos restaurantes insistem que devem se apropriar e reembolsar as gorjetas como parte do salário para se manter abertos, e que, se os empregados ficarem com as gorjetas como um extra, eles estariam levando os empregos à ruina. Eles afirmam ficarem de mãos atadas – embora as vendas e os lucros dos restaurantes tenham crescido ininterruptamente por uma década inteira, e seus salários permaneceram estagnados.
Por outro lado, os defensores dos trabalhadores dizem que seria mais justo pagar aos trabalhadores o salário mínimo comum antes das gorjetas e considerar as gorjetas como uma gratificação genuína. Como prova de que isso seria melhor para os trabalhadores, o Instituto de Política Econômica cita pesquisas que mostram que nos estados em que os trabalhadores que são pagos juntos a gorjeta, recebem US $ 2,13 por hora e são usadas as gorjetas para chegar no salário mínimo comum, 18,5% dos garçons, garçonetes e bartenders; vivem na pobreza. Esse número cai para 11.1% quando os trabalhadores recebem um salário mínimo estabelecido. (O fato de as pessoas que receberem um salário mínimo e ainda assim estarem vivendo na pobreza é outra história, para outra conversa.)
O DoorDash tomou a decisão sobre essa controvérsia: isto é, decidiu se comportar exatamente como um restaurante comum. Mesmo mudando de ideia , demonstrou a natureza exploradora do emprego no capitalismo, os patrões têm o poder de fazer políticas unilateralmente, sem a contribuição dos trabalhadores (desculpe, usuários ). Eles podem então alegar que são as melhores políticas possíveis para os trabalhadores, dadas as circunstâncias, sem que esses funcionários tenham o poder de inspecionar os livros para ver se estão dizendo a verdade.
As plataformas prometiam derrubar tudo o que sabíamos sobre o trabalho – mas o que elas realmente queriam dizer era que elas não pagariam pelos cuidados de saúde de ninguém ou pela aposentadoria como um empregador decente. Eles só se comportariam como empregadores quando se trata de pagar mal os trabalhadores e aumentar os lucros.
A realidade é que o DoorDash tem funcionários e patrões, e assim como todas as outras empresas de plataformas gig. Quando dizem que você pode “ser seu próprio patrão”, eles estão mentindo. Esse posto é tomado por outra pessoa, alguém que tem tanto – e em muitos casos mais – poder sobre suas condições de trabalho quanto um chefe normal.
A principal diferença é como os chefes invisíveis dessas plataformas são bons em esconder sua exploração sob a linguagem de inovação. Eles são, exatamente, chefes – eles apenas se esconde nas sombras.