Na segunda-feira (25/06), a Argentina foi cenário de mais uma greve geral contra as políticas econômicas de Mauricio Macri, a terceira desde que o presidente do país sul-americano tomou posse, em dezembro de 2015.
As greves foram convocadas pela CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores), opositora do governo de centro-direita que veio substituir Cristina Kirchner, alinhada à esquerda e herdeira da linha peronista assumida antes pelo marido.
A Argentina é um país marcado por um forte sindicalismo e Macri, diferentemente de seus dois últimos antecessores, é duro com entidades sindicais.
O presidente já chegou a se referir aos membros da centrais como parte de uma “máfia”. Essa tensão e a capacidade de pressão dos movimentos ajuda a entender o que leva diversos setores de trabalhadores da sociedade argentina a aderirem amplamente às greves, além da própria situação econômica do país.
Em duas das greves gerais (a primeira e a mais recente), houve uma paralisação significativa de bancos, postos de gasolina, escolas e universidades, atendimentos não urgentes em hospitais, estradas, portos, serviços de limpeza urbana e de transporte – que, no caso dos aviões, chegou a ter repercussão internacional.
Os persistentes embates ao longo dos últimos 15 meses têm levado a uma tentativa de reconciliação e à abertura de canais de diálogo entre as partes, como mostrou o parcelamento do projeto de reformas de Macri no início de 2018 e a recente reabertura de negociações com os sindicatos.
A mudança na política econômica
Néstor Kirchner governou a Argentina de 2003 a 2007 e Cristina Kirchner, sua esposa, assumiu logo em seguida, numa sequência que foi até dezembro de 2015.
O casal é herdeiro do peronismo, movimento criado pelo ex-presidente argentino Juan Domingo Perón, que governou o país três vezes entre os anos 1940 e 1970.
Apesar de ter adquirido correntes distintas ao longo do tempo, o peronismo essencialmente conta com o apoio de movimentos sociais e sindicais que defendem maior participação do Estado na economia.
O movimento tem a lealdade das camadas de baixa renda da população argentina e, até hoje, representa importante força política no país. Os governos peronistas também têm um cunho personalista, ou seja, baseado na personalidade de seu líder.
Após Néstor conquistar uma lenta saída da crise argentina – iniciada em 2001 e marcada pela declaração de moratória da dívida externa pelo governo –, a economia do país voltou a entrar em recessão em 2011.
Nesse contexto, a Argentina viu a paralisação de seu crescimento econômico e da entrada de investimentos estrangeiros no país. Cristina restringiu a compra de dólares, algo que acabou levando ao surgimento de um mercado negro da moeda americana, e foi acusada de maquiar os índices oficiais.
Macri assumiu com uma forte crítica à condução de Cristina, com um discurso liberal de recuperação econômica e defesa à abertura ao mercado externo. Quando assumiu o governo, por exemplo, o presidente anunciou o fim imediato das restrições cambiais.
Das promessas às realizações
Segundo o grupo argentino de checagem de dados Chequeado, Macri havia cumprido apenas 10% de suas promessas de campanha até a metade de seu mandato, ao fim de 2017.
Dentre as que não foram cumpridas, estão atingir a “pobreza zero” (apesar de não estar erradicada, ela caiu), reduzir a inflação – hoje de 25% ao ano – a um só dígito (ela está em dois dígitos há 13 anos) e diminuir os índices de desemprego, que em 2017 estavam acima dos níveis de novembro de 2015, último mês do mandato de Cristina.
Abaixo, o Nexo mostra qual o contexto específico de cada uma das três greves gerais promovidas pela central sindical argentina.
A primeira greve: Fórum Econômico Mundial
Em 6 de abril de 2017, a CGT convocou a primeira greve geral do governo Macri. A paralisação ocorreu à ocasião do primeiro Fórum Econômico Mundial dedicado à América Latina, o maior já feito na região.
A reunião simbolizou a nova atitude da Argentina, distantes durante a gestão de Cristina. O encontro reuniu mais de 1.200 líderes, incluindo representantes de governos, empresas e ONGs. Foi um momento de maior exposição internacional de Macri.
Ao mesmo tempo em que era aplaudido no cenário internacional, Macri enfrentava grandes descontentamentos internos com suas mudanças na política econômica.
A inflação havia subido e trabalhadores – especialmente os informais – viam seu poder de compra diminuir. À ocasião da greve, a diminuição do consumo interno do país já vinha acontecendo durante os 13 meses anteriores.
Reivindicando principalmente por medidas que diminuíssem o índice de inflação e alinhassem os aumentos salariais a esse índice, centrais sindicais pararam a Argentina naquele dia.
Mais simbolicamente, em Buenos Aires, no nobre bairro de Puerto Madero, manifestantes organizaram uma passeata em direção ao hotel Hilton, onde estava acontecendo o fórum.
A paralisação fez com que os convidados do evento tivessem que chegar à Argentina com um dia de antecedência, pois os vôos haviam sido cancelados pela adesão de sindicatos aeronáuticos à greve.
“Não há plano B para a economia. Nós vamos seguir trabalhando no que consideramos ser o plano A”
Mauricio Macri, presidente da Argentina, em entrevista para a Bloomberg em 5 de abril de 2017
“Há um mal-estar enorme, porque a política econômica não deu resultados”
Juan Carlos Schmid, secretário-geral da CGT
A segunda greve: a reforma da Previdência
No dia 18 de dezembro de 2017, um dia antes da aprovação da reforma da Previdência argentina, dezenas de milhares de pessoas se uniram em frente ao Congresso para protestar. As maiores centrais sindicais da Argentina realizaram uma greve de diversos setores para pressionar o governo.
Além de sindicatos, movimentos sociais e partidos de oposição se posicionaram contra a reforma, sob o argumento de que ela diminuiria a renda da população que depende de aposentadorias e pensões. Pessoas comuns também participaram das reivindicações, incluindo aposentados.
Houve queixas de repressão policial perante manifestações pacíficas, enquanto Macri classificou os protestos como uma “violência orquestrada” de quem se opunha à reforma. Manifestantes e policiais saíram feridos – foram cerca de 160 no total. A reforma previdenciária argentina faz parte das mudanças econômicas empregadas por Macri para equilibrar as contas do país.
A reforma entrou em vigor em março de 2018. A partir dela, a expectativa do governo é economizar até 100 bilhões de pesos argentinos em 2018, o que equivalia a cerca de R$ 18 bilhões.
A terceira greve: o acordo com o FMI
A greve geral mais recente, de 25 de junho de 2018, foi principalmente motivada pelo acordo firmado entre o governo argentino e o FMI (Fundo Monetário Internacional), que já vinha se delineando desde maio. O fundo concedeu um crédito de 50 bilhões de dólares ao país.
O acordo tem como pano de fundo a crise cambial argentina, um problema recorrente no país, mas que neste momento é muito resultado do déficit externo da economia. Isso significa que a Argentina compra mais produtos e serviços do exterior do que vende.
Nesse caso, o que acaba acontecendo é a falta de dólar em solo argentino. Esse fator, junto às baixas reservas do país no exterior e à valorização do dólar no mundo, levou a uma grande desvalorização do peso. No início de maio, um dólar chegou a equivaler 23,30 pesos.
Para lidar com o problema, o governo argentino aumentou seus juros básicos, que foram a 40%. Com isso, tornaria-se mais rentável investir nos títulos do país e a tendência seria aumentar a remessa de dólares para a Argentina. O governo, no entanto, não teve sucesso. Foi nesse contexto, para obter dólares e equilibrar a economia argentina, que Macri pediu ajuda ao FMI.
O fundo é uma reserva de socorro para países em dificuldade. Mas, em troca da ajuda, o FMI exige a adoção de políticas fiscais rigorosas, que levam a cortes de gastos públicos.
Segundo Christine Lagarde, presidente do FMI, o governo argentino pediu crédito por meio de um acordo stand-by, a linha mais antiga e tradicional de obtenção de auxílio financeiro. Com ela, o fundo disponibiliza o dinheiro com rapidez, de acordo com a necessidade do país, mas faz exigências sobre políticas que devem ser implementadas para evitar novas crises financeiras.
O crédito tem vigência por três anos e, nesse período, a Argentina se comprometeu com ambiciosas metas de inflação e a atingir o equilíbrio fiscal até 2020. Segundo Nicolás Dujovne, ministro da Fazenda argentino, o objetivo é chegar ao superávit em 2021.
O acordo contém uma cláusula que permite ao Estado elevar o gasto em projetos sociais, caso a pobreza aumente no país.
Ao mesmo tempo, para alcançar as metas de reajuste fiscal exigidas pelo FMI em troca do auxílio, será necessário interromper obras públicas, reduzir o tamanho do Estado, cortar salários de funcionários públicos e limitar as transferências financeiras às províncias.
Apenas em setembro, porém, o orçamento de 2019 será discutido e detalhes sobre quais setores serão mais prejudicados virão à tona.
Desde o início, a relação entre Macri e o FMI foi alvo de críticas por parte da esquerda. O órgão internacional é associado a crises anteriores do país, pois é visto como o responsável pela crise de 2001.
À época, o órgão suspendeu a ajuda à Argentina, alegando o não cumprimento das metas fiscais impostas pelo bloco em troca de auxílio. Foi quando houve o “calote” argentino da dívida externa, e somente em 2006 Néstor Kirchner pagou o último empréstimo com o FMI.
“Vai ser um grande acordo para os argentinos, para ajudar as pessoas. Ajudará a fortalecer o desenvolvimento e a criação de empregos”
Mauricio Macri, presidente da Argentina, após o anúncio do acordo firmado com o FMI
“A greve é contra o programa econômico para que se abandone esta linha de ajuste permanente. O FMI sempre trouxe penúria aos argentinos”
Juan Carlos Schmidt, secretário-geral da CGT
Fonte: Nexo
Texto: Laila Mouallem
Data original da publicação: 01/07/2018