Em 28 de setembro de 1864, em Londres, nascia o ponto de referência das organizações do movimento operário: a Associação Internacional dos Trabalhadores.
Marcello Musto
Fonte: Carta Maior
Tradução: Daniella Cambaúva
Data original da publicação: 29/09/2014
Em 28 de setembro de 1864, a sala do St. Martin’s Hall, um edifício situado no coração de Londres, estava lotado. Estavam reunidos cerca de dois mil trabalhadores e trabalhadores para participar de um comício de sindicalistas ingleses e colegas parisienses. Graças a esta iniciativa, nascia o ponto de referência do conjunto das principais organizações do movimento operário: a Associação Internacional de Trabalhadores.
Em poucos anos, a Internacional despertou paixões por toda a Europa. Graças a ela, o movimento operário pode compreender mais claramente os mecanismos de funcionamento do modo de produção capitalista, adquiriu maior consciência de sua própria força e inventou novas formas de luta. De forma contrária, nas classes dominantes, causou terror a notícia da formação da Internacional. A ideia de trabalhadores reclamarem maiores direitos e um papel ativo na história suscitou repulsa nas classes acomodadas e foram muitos os governos que a perseguiram com todos os meios a seu alcance.
As organizações que fundaram a Internacional eram muitos diferentes entre si. Seu centro motor inicial foram os sindicatos ingleses, que passaram a considerá-la o instrumento mais idôneo para lutar contra a importação de mão de obra de fora durante as greves. Outro importante ramo da associação foi a dos mutualistas, a componente moderada fiel à Teoria de Proudhon, predominante na França à época, enquanto o terceiro grupo, por ordem de importância, foram os comunistas, reunidos em torno da figura de Marx.
Inicialmente, fizeram parte também da Internacional grupos de trabalhadores que reivindicavam teorias utópicas, núcleos de exilados inspirados por concepções vagamente democráticas e defensoras de ideias interclassistas, como alguns seguidores de Mazzini. O empenho em fazer com que convivessem todas estas almas na mesma organização foi indiscutivelmente obra de Marx. Seus dotes políticos lhe permitiram conciliar o que não parecia conciliável, assegurando um futuro à Internacional. Foi Marx quem outorgou à Associação a clara finalidade de realizar um programa político não excludente, apesar de ser fortemente de classe, como garantia de um movimento que aspirava ser de massas e não sectário. Foi sempre Marx, alma política do Conselho Geral de Londres, que redigiu quase todas as resoluções principais da Internacional. Entretanto, diferentemente do que foi propagado pela liturgia soviética, a Internacional foi muito mais do que apenas Marx.
Desde o final de 1866, intensificaram-se as greves em muitos países europeus, o coração vibrante de uma época de luta significativa. A primeira grande batalha vencida graças ao apoio da Internacional foi a dos bronzistas de Paris no inverno de 1867. Neste período, tiveram também o vitorioso desenlace nas greves dos trabalhadores das fábricas de Marchienne, as dos operários das bacias mineiras de Provenza, dos mineiros de carvão de Charleroi e dos pedreiros de Genebra. Em cada um destes acontecimentos, repetiu-se de modo idêntico a pauta: arrecadação de dinheiro em apoio aos grevistas, graças aos chamamentos redigidos e traduzidos pelo Conselho Geral e depois enviados aos trabalhadores de outros países, e à compreensão de que estes últimos não fizessem ações fura greve.
Todo isso obrigou os patrões a buscar um compromisso e a aceitar muitas das demandas dos operários. Iniciou-se uma época de progresso social, durante a qual os movimentos dos trabalhadores conseguiu maiores direitos para aqueles que ainda não gozavam deles, como prescreviam as receitas liberais da direita. Depois do êxito de todas estas lutas, centenas aderiram à Internacional em todas as cidades em que foram registradas greves.
Apesar das complicações derivadas da heterogeneidade das línguas, culturas políticas e países implicados, a Internacional conseguiu reunir e coordenar mais organizações e numerosas lutas nascidas espontaneamente. Seu maior mérito foi o de ter sabido indicar a absoluta necessidade da solidariedade de classe e da cooperação transnacional. Objetivos e estratégias do movimento operário mudaram de maneira irreversível e são atuais ainda hoje, 150 anos depois.
A proliferação de greves mudou também os equilíbrios no interior da organização. O Congresso de Bruxelas de 1868 votou a resolução sobre a socialização dos meios de produção. Tal ação representou um passo decisivo no decorrer da definição das bases econômicas do socialismo e, pela primeira vez, um dos baluartes reivindicativos do movimento operário ficou integrado ao programa político de uma grande organização. Entretanto, depois de ter derrotado os partidários de Proudhon, Marx teve que enfrentar seu novo rival interno, o russo Bakunin, que se somou à Internacional em 1869.
O período compreendido entre o final dos anos 60 e o início dos anos 70 foi rico em conflitos sociais. Muitos dos trabalhadores que fizeram parte dos protestos neste intervalo de tempo receberam apoio da Internacional, cuja fama ia sendo difundida cada vez mais. Da Bélgica à Alemanha e da Suíça à Espanha, a Associação aumentou seu número de militante e desenvolveu uma eficiente estrutura organizativa em quase todo o continente. Foi também para além do oceano, graças à iniciativa dos imigrantes reunidos nos Estados Unidos.
O momento mais significativo da história da Internacional coincidiu com a Comuna de Paris. Em março de 1871, após o fim da guerra franco-prussiana, os operários expulsaram o governo Thiers e tomaram o poder. Este foi o acontecimento político mais importante da história do movimento operário do século XIX. Desde aquele momento, a Internacional esteve no olho do furacão e adquiriu grande notoriedade. Na boca da burguesia, o nome da organização se tornou sinônimo de ameaça à ordem constituída, enquanto na dos trabalhadores se tornou a esperança de um mundo sem exploração e injustiças. A Comuna de Paris deu vitalidade ao movimento operário e levou-o a tomar posições mais radicais. Uma vez mais, a França mostrou que a revolução era possível, que o objetivo podia e devia ser a construção de uma sociedade radicalmente diferente da capitalista, mas também que, para alcançá-lo, os trabalhadores teriam que criar formas de associação política estáveis e bem organizadas.
Por esta razão, durante a Conferência de Londres de 1871, Marx propôs uma resolução sobre a necessidade de a classe trabalhadora se dedicar à batalha política e construir onde fosse possível um novo instrumento de luta considerado indispensável para a revolução: o partido (utilizado até então apenas pelos operários da Confederação Germânica). Muitos, entretanto, opuseram-se a esta decisão. Para além do grupo de Bakunin, contrário a qualquer política que não fosse a da destruição imediata do Estado, várias federações se uniram em sua impaciência e rebeldia em relação {a proposta do Conselho Geral, ao considerar que a eleição de Londres era uma ingerência na autonomia das federações locais.
O adversário principal da campanha iniciada por Marx foi uma atmosfera ainda resistente em aceitar o salto qualitativo proposto. Desenvolveu-se assim um enfrentamento que fez da direção da organização algo ainda mais problemático, enquanto ela se estendia na Itália e se ramificava na Holanda, Dinamarca, Portugal e Irlanda.
Em 1872, a Internacional era muito diferente do que havia sido no momento de sua fundação. Os componentes democratico-radicais tinham abandonado a Associação, depois de terem sido encurralados. Os mutualistas haviam sido derrotados e suas forças drasticamente reduzidas. Os reformistas já não constituíam a parte predominante da organização (salvo na Inglaterra) e o anticapitalismo tinha se transformado na linha política de toda a Internacional, também das novas tendências – como a anarquista, dirigida por Mijail Bakunin, e a blanquista – que haviam se somado no decorrer dos anos. O cenário, por outro lado, havia mudado radicalmente também fora da Associação. A unificação da Alemanha em 1871 sancionou o inicio de uma nova era em que o Estado nacional se afirmou definitivamente como forma de identidade política, jurídica e territorial.
O novo contexto tornava pouco plausível a continuidade de um organismo supranacional em que as organizações de vários países, apesar de dotadas de independência, deviam ceder uma parte considerável da direção política.
A configuração inicial da Internacional estava superada e sua missão original era concluída. Não se tratava de preparar e coordenar iniciativas de solidariedade em escala europeia, em apoio a greves, nem de convocar congressos para discutir acerca da utilidade da luta sindical ou da necessidade de socializar a terra e os meios de produção. Estes temas haviam se transformado em patrimônio coletivo de todos os componentes da organização. Depois da Comuna de Paris, o verdadeiro desafio do movimento operário era a revolução, ou seja, como se organizar para colocar fim ao modo de produção capitalista e derrocar as instituições do mundo burgues.
Durante sucessivas décadas, o movimento operário adotou um programa socialista que se estendeu primeiro por toda a Europa e depois por todos os rincões do mundo, construindo novas formas de coordenação supranacional que reivindicavam o nome e o ensino da Internacional. Esta imprimiu na consciência dos trabalhadores a convicção de que a libertação do trabalho do jugo do capital não podia ser obtida dentro das fronteiras de um país apenas, mas era, pelo contrário, uma questão global. E igualmente, graças à Internacional, os operários compreenderam que sua emancipação poderia ser conquistada somente por eles mesmos mediante sua capacidade de organização, uma conquista que não poderia ser delegada a outros. Em suma, a Internacional difundiu entre os trabalhadores a consciência de que sua escravidão terminaria somente com a superação do modo de produção capitalista e do trabalho assalariado, posto que as melhoras no interior do sistema vigente não transformariam sua condição estrutural.
Em uma época em que o mundo do trabalho se encontra acuado, também na Europa, sofrendo com condições de exploração e legislações semelhantes às do século XIX e em que velhos e novos conservadores tratam, uma vez mais, de separar o que trabalha do desempregado, precário ou migrante, a herança política da organização fundada em Londres recobra uma extraordinária relevância. Em todos os casos em que se comete uma injustiça social relativa ao trabalho, cada vez que se pisa em um direito germina a semente da nova Internacional.
Marcello Musto nasceu em Nápoles, na Itália, em 1976 e vive em Toronto, no Canadá, onde ensina teoria sociológica na York University. É doutor em filosofia e política pela Universidade de Nápoles, L’Orientale, e em filosofia pela Universidade de Nice, Sophia Antipolis.