OIT lembra importância de promover trabalho decente para domésticas em tempos de COVID-19

Aprovação da Convenção n.189 na Conferência Internacional do Trabalho em 2011. Fotografia: OIT

Observou-se na segunda-feira (27/04) o Dia Nacional da Trabalhadora Doméstica. A data marca a luta da categoria por seus direitos trabalhistas e ganha ainda mais relevância em meio à pandemia da COVID-19.

Por enfrentarem a difícil escolha entre trabalhar ou perder sua fonte de renda, assim como muitas pessoas na economia informal, as trabalhadoras e os trabalhadores domésticos estão entre as pessoas mais expostas ao risco de infecção, seja por dependerem de transporte público, por estarem expostas ao contato direito com outras pessoas, entre outros fatores.

Diversos governos adotaram medidas de distanciamento social como forma de conter o avanço do vírus, restringindo a circulação de pessoas, suspendendo atividades comerciais e serviços e estabelecendo o confinamento, obrigatório ou recomendado, das pessoas em casa.

A redução da atividade econômica e as restrições à circulação afetam diversos setores da economia, tanto formal quanto informal.

Trabalho invisível

Apesar de sua importância central para a organização social e econômica de um país, o trabalho doméstico ainda se caracteriza pela invisibilidade, desvalorização e baixa regulamentação.

Trabalhadoras(es) domésticas(os) representam uma parte significativa da força de trabalho global no emprego informal e estão entre os grupos de trabalhadoras(es) mais vulneráveis.

Em muitos países, as(os) trabalhadoras(os) domésticas(os) geralmente recebem salários muito baixos, trabalham horas excessivamente longas, não possuem um dia de descanso semanal garantido e, às vezes, são vulneráveis a abusos físicos, mentais e sexuais ou a restrições à liberdade de movimento.

A exploração de trabalhadoras(es) domésticas(os) pode ser parcialmente atribuída a lacunas na legislação nacional sobre trabalho e emprego e, muitas vezes, reflete a discriminação presente nas relações sociais e de gênero e raça.

Nesse contexto, as Normas Internacionais do Trabalho da OIT, aprovadas por representantes de governos, organizações de trabalhadores e de empregadores, são importantes para os países, porque fornecem uma abordagem centrada nas pessoas para o crescimento e o desenvolvimento, inclusive promovendo políticas que estimulam a demanda e protegem trabalhadoras(es) e empresas.

Elas criam parâmetros sociais mínimos a partir dos quais se pode promover o trabalho decente para homens e mulheres. Em tempos de crise, as normas apresentam uma base sólida para as principais respostas políticas voltadas para o papel crucial do trabalho decente na obtenção de uma recuperação sustentável e equitativa.

A Convenção Nº 189, a pandemia e o trabalho decente

Entenda como quatro pontos da Convenção sobre Trabalho Decente para as Trabalhadoras e os Trabalhadores Domésticos (Nº 189) são importantes para a promoção do trabalho decente para trabalhadoras(es) domésticas(os) em meio à pandemia:

1. Quem são as(os ) trabalhadoras(es) domésticas(os) – Segundo a Convenção, o termo “trabalho doméstico” designa o trabalho executado em ou para um domicílio ou domicílios, e o “trabalhadores domésticos” designa toda pessoa, do sexo feminino ou masculino, que realiza um trabalho doméstico no marco de uma relação de trabalho.

Uma pessoa que executa o trabalho doméstico apenas ocasionalmente ou esporadicamente, sem que este trabalho seja uma ocupação profissional, não é considerada trabalhador doméstico. Embora um número substancial de homens trabalhe no setor, muitas vezes como jardineiros, motoristas ou mordomos, o trabalho doméstico continua sendo altamente feminizado. No mundo, 80% de todas as pessoas que executam trabalho doméstico são mulheres e, na América Latina e no Caribe, 88%.

No Brasil, essa proporção é ainda maior: 92,4% das 6,3 milhões de trabalhadores domésticos são mulheres, e 62% são mulheres pretas ou pardas, segundo dados da PNAD Contínua Trimestral, referente ao quarto trimestre de 2019, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Trabalhadoras(es) domésticas(os) podem: trabalhar em tempo integral ou parcial, ser empregada(o) por uma única família ou por várias, morar na casa do(a) empregador(a) ou em sua própria residência. A categoria também inclui trabalhadoras domésticas imigrantes, que, no caso da legislação brasileira, têm os mesmos direitos das trabalhadoras domésticas brasileiras.

Com relação à inspeção do trabalho, por exemplo, a Convenção determina que os países devem “formular e colocar em prática medidas relativas à inspeção do trabalho e, na medida em que sejam compatíveis com a legislação nacional, estas medidas devem especificar as condições com relação sob as quais poderá autorizar o acesso ao domicílio”.

Esse é um ponto importante visto que são pessoas que predominantemente trabalham em casas de família, em um ambiente privado, muitas vezes sem termos claros de relações de trabalho, sem registro formal e excluídos(as) do âmbito da legislação trabalhista.

2. Promoção dos direitos humanos e direitos fundamentais do trabalho – Trabalhadoras(es) domésticas(os) são frequentemente vítimas de violação dos direitos humanos e dos direitos fundamentais do trabalho, como trabalho forçado, trabalho infantil e discriminação.

A Convenção Nº 189 determina que os países devem adotar medidas para assegurar a promoção e a proteção dos direitos humanos de trabalhadoras domésticas. Entre elas, a liberdade de associação e a liberdade sindical, assim como o reconhecimento efetivo do direito à negociação coletiva e a eliminação da discriminação relativa ao emprego e ocupação.

A Convenção exorta ainda a erradicação efetiva do trabalho infantil, o estabelecimento de uma idade mínima para as pessoas que exercem o trabalho doméstico, em consonância com a Convenções sobre Idade Mínima para Admissão (Nº 138) e a sobre Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil e Ação Imediata para sua Eliminação (Nº 182) , ambas ratificadas pelo Brasil.

Vale lembrar que o trabalho doméstico infantil em casa de terceiros é uma das formas mais comuns e tradicionais de trabalho infantil, sendo caracterizado por todas as atividades econômicas realizadas por pessoas menores de 18 anos e pelas quais elas podem ou não receber alguma remuneração.

Os riscos existentes fazem com que diversos países o classifiquem entre os trabalhos perigosos que estão proibidos para menores de 18 anos, em virtude do Artigo 3º da Convenção nº 182 sobre as piores formas de trabalho infantil. No Brasil, o Decreto nº 6.481, de 12 de junho de 2008 regulamenta os artigos 3º, alínea “d”, e 4º da referida convenção.

A maioria do trabalho doméstico infantil é realizado por meninas, que, geralmente, exercem atividades de adultos, trabalhando muitas horas diárias em condições prejudiciais à sua saúde e desenvolvimento, por rendimentos baixos ou em troca de habitação, alimentação e educação.

Dados do IBGE revelam que do total de trabalhadoras(es) domésticas(os) no Brasil, 90 mil são adolescentes de 14 a 17 anos, o que não é permitido pela legislação brasileira. Crianças e adolescentes em situação de trabalho doméstico infantil também sofrem com a falta de oportunidades educativas e de desenvolvimento social e emocional. Os maiores desafios para proteger as crianças nessa situação são a desinformação e a crença popular de que o trabalho doméstico infantil não é perigoso, mas sim desejável.

O risco do aumento de formas inaceitáveis do trabalho, a exemplo do trabalho infantil e do trabalho escravo, é um dos possíveis efeitos das crises econômica e laboral decorrentes da pandemia.

3.Proteção contra a informalidade – Em diversos artigos, a Convenção exorta os países a adotarem medidas para assegurar que as(os) trabalhadoras(es) domésticas(os) tenham condições equitativas de emprego e de trabalho decente, sejam informados sobre as condições de emprego de maneira verificável e por meio de contratos escritos de acordo com a legislação nacional.

Os contratos devem explicitar, por exemplo, total de horas regulares de trabalho, férias remuneradas, período de descanso diários e semanais, remuneração, cálculo e periodicidade do pagamento, dentre outros pontos. Tais medidas visam combater a vulnerabilidade e a informalidade das condições de trabalho, as quais a maioria da categoria profissional está exposta.

No Brasil, a maior parte do trabalho doméstico é feito sem que haja contribuição à previdência social. Um emprego informal é uma relação de assalariamento na qual o(a) trabalhador(a) não tem carteira assinada e corresponde a uma relação de trabalho que não está coberta pela legislação trabalhista nacional.

Formalizar as relações de emprego significa melhorar as condições de trabalho e de vida das(os) trabalhadoras(es), o que por sua vez aprimora a qualidade e a produtividade dos serviços prestados aos(às) empregadores(as). No caso das diaristas, inclusive as autônomas, é muito importante o acesso à proteção e à seguridade social por intermédio da contribuição previdenciária.

Dentre outros grupos de trabalhadoras e trabalhadores que, ainda que não sejam enquadrados na informalidade, possuem enorme vulnerabilidade em função da natureza e da fragilidade do trabalho, e das consequências oriundas das ações de prevenção e combate à COVID-19 estão 1,6 milhão de trabalhadoras(es) domésticas(es) com carteira assinada.

A vulnerabilidade socioeconômica de trabalhadoras(es) domésticas(os) é exposta diante do avanço da pandemia. Uma parcela da população conseguiu manter os vínculos trabalhistas formais e adotar modalidades alternativas de trabalho, como o teletrabalho, sem que houvesse prejuízo para a renda ou riscos à saúde e à segurança pessoal e familiar.

Entretanto, grande parcela de trabalhadoras(es) domésticas(os), muitos delas na economia informal, inclusive as diaristas, não dispõe de condições mínimas para adotar o isolamento social, sem que haja um impacto negativo e direto sobre a sobrevivência e a manutenção da renda – uma em cada quatro trabalhadoras(es) domésticas(os) recebe até meio salário mínimo por mês, e 36,7% ganham de meio a um salário mínimo mensal. Por outro lado, pela natureza e local de trabalho, seguir trabalhando significa um risco para saúde e bem-estar, de trabalhadoras(es), empregadoras(es) e membros de suas famílias.

4. Segurança e saúde no trabalho – A Convenção estabelece que trabalhador(a) doméstico(a) tem direito a um ambiente de trabalho seguro e saudável. Atualmente, promover a segurança e saúde no local de trabalho tornou-se uma questão de sobrevivência no combate à COVID-19.

Enquanto há trabalhadoras(es) que podem reduzir sua exposição ao risco de contágio ao trabalhar remotamente ou se beneficiar de medidas preventivas, muitas pessoas não contam com essa vantagem. Em todo o mundo, 2 bilhões de trabalhadoras(es) (61,2% da população trabalhadora do mundo) estão em empregos ou trabalhos informais.

Essas pessoas são mais propensas a enfrentar maior exposição a riscos de saúde e de segurança por não terem proteção adequada, como máscaras, luvas ou desinfetantes para as mãos. Isso não apenas as expõe a riscos à saúde, como também torna as medidas preventivas para a população em geral menos eficazes.

Além disso, em função da informalidade, o acesso é restrito à diversas modalidades de seguridade social, a exemplo dos benefícios previdenciários por acidente e aposentadoria.

Saiba mais

O Brasil contou com uma representação sindical das trabalhadoras domésticas na Conferência Internacional do Trabalho em 2010 e 2011, nas quais foram realizadas discussões que levaram à adoção de um instrumento internacional de proteção ao trabalho doméstico na forma da Convenção sobre o Trabalho Decente para as Trabalhadoras e os Trabalhadores Domésticos, 2011 (Nº 189), acompanhada de uma Recomendação com o mesmo título (nº 201). A Convenção entrou em vigor em setembro de 2013. Ao todo, 29 Estados-membros da OIT a ratificaram.

O Brasil ratificou a Convenção em janeiro de 2018 , tornando-se o 25º Estado-membro da OIT e o 14º Estado-membro da região das Américas a fazê-lo. A ratificação somou-se a um longo processo de conquistas de direitos para as(os) trabalhadoras(es) domésticas(os), iniciado em 1972, com a Lei nº 5.859, que reconheceu o trabalho doméstico como função e estabeleceu a assinatura da carteira profissional para a categoria.

A promulgação da Constituição Federal de 1988 assegurou para os(as) trabalhadores(as) domésticos(as) o direito a salário mínimo, 13º salário, repouso semanal remunerado, férias, licença maternidade, aviso prévio e aposentadoria, entre outros.

Novos direitos foram decorrentes da aprovação da Emenda Constitucional Nº 72, de abril de 2013, fixando a jornada semanal de trabalho de no máximo 44 horas, e a adoção da Lei Complementar nº 150 de 1º de junho de 2015, proibindo o trabalho doméstico para menores de 18 anos e instituiu a jornada de trabalho de no máximo oito horas por dia, o direito a férias remuneradas, a multa por demissão injustificada e o acesso à proteção social, dentre outros pontos.

Fonte: ONU Brasil
Data original da publicação: 28/04/2020

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