Ocupação e desocupação: o fim dos limites entre formalidade e informalidade do mercado de trabalho brasileiro

O mercado de trabalho brasileiro entrou em um novo ciclo de informalidade. As condições de empregabilidade e de regularidade dos contratos de trabalho se alteraram, aprofundando a precarização.

José Raimundo Trindade

Fonte: Carta Maior
Data original da publicação: 15/01/2020

Encerrado 2019 e independente do quadro que se avizinha em termos de crescimento da economia brasileira para 2020, algo incerto e de pouca consensualidade, porém um aspecto parece notório: o mercado de trabalho brasileiro entrou em um novo ciclo de informalidade, sendo que as condições de empregabilidade e de regularidade dos contratos de trabalho se alteraram, aprofundando a estrutural precarização das relações de trabalho brasileiras. O texto seguinte analisa com pormenores a evolução comparativa do último trimestre de 2019 em relação ao ano anterior (2018), tendo como tela de fundo observar as condições evolutivas do mercado de trabalho considerando os grandes números oferecidos pela PNAD-C (Trimestral).

Vale observar que tratamos os dados a fim de observar, principalmente, o problema da desocupação e da subutilização da força de trabalho, pois como notaremos, os números referentes aos trabalhadores que se consideram subutilizados é muito elevado, ou seja, a parcela da força de trabalho acima de 14 anos que declara que gostaria de exercer alguma atividade remunerada acima da que desenvolve no momento da pesquisa, claro sinal da incapacidade da economia brasileira e estadual de gerar condições médias pelo menos razoáveis de emprego e renda.

Com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar (PNAD-C) do IBGE, podemos refletir sobre o atual padrão de deterioração das relações de trabalho e ocupação no Brasil e observar o quanto estes dados refletem um paulatino esgarçamento das condições básicas de vida da grande maioria da população brasileira. Abaixo especificamos cada um dos principais subgrupos estabelecidos na PNAD, sabendo que mesmo os chamados ocupados formalmente também apresentam elevada precariedade ocupacional (condições de vida). A subutilização da força de trabalho brasileira e a informalidade estão muito integradas, seja pelos aspectos de precariedade da qualidade de vida dos trabalhadores, seja pela grande transição entre as condições de informalidade e subutilização.

Gráfico 1 – TAXA DE DESOCUPAÇÃO E TAXA DE DESOCUPAÇÃO POR SEXO (3°T 2018 / 3°T 2019)

Fonte: SIDRA/ PNAD-C/ IBGE (2019)

O gráfico acima demonstra a evolução da taxa de desocupação por sexo, em termos trimestrais para o Brasil. De modo geral, na comparação entre os trimestres a taxa de desocupação sofreu uma leve oscilação positiva para o terceiro trimestre de 2019, com um total de 12,5 milhões de brasileiros desocupados, número expressivo para uma expectativa de recuperação do mercado de trabalho em 2019, que acabou demonstrando baixa capacidade de crescimento e frustrando todas as expectativas geradas, pois esse padrão se repete em praticamente em todos os períodos mantendo-se muito próximos do 3° trimestre de 2018, apenas com altos e baixos nas taxas de forma quase imperceptíveis.

Esses dados revelam um cenário de forte rigidez nas condições macroeconômicas referentes ao mercado de trabalho, não se observando a recuperação econômica na velocidade esperada para o ano de 2019, longe disso, pois tanto para homens e mulheres não se apresenta taxas com declínio significativo no número de desocupação. Dois pontos merecem ser ressaltados: i) as alterações trabalhistas não evidenciam a recuperação de postos de trabalhos esperados ou prometidos, sendo que a tímida melhora observada deve-se mais a movimentos sazonais típicos (datas comemorativas especificas) e pequenas ações governamentais ocorridas (liberação do FGTS, 13° da Bolsa Família), porém não sustentáveis. Vale lembrar que essas mesmas políticas tímidas também foram encetadas nos anos de 2017 e 2018, decorrendo pequena recuperação, porém logo se agravando as taxas de desocupação e não sustentando o crescimento da economia.

Tabela 1 – Taxa de desocupação por grau de instrução – Brasil (3°T 2018 / 3°T 2019) (em %)

Fonte: SIDRA/ PNAD-C/ IBGE (2019)

A tabela acima mostra a distribuição da taxa de desocupação por grau de instrução no Brasil. No comparativo dos trimestres em questão, observa-se que as faixas que demonstram números significativos de desocupação estão entre os de ensino médio incompleto, com taxas que chegam a casa dos 20%, seguido do ensino médio completo que para todas as regiões analisadas obteve uma variação pouco significativa em termos positivos para esse quadro comparativo entre os trimestres. Para o ensino superior incompleto as taxas evidenciam um aspecto em comum ao do ensino médio onde o número de desocupados tem uma taxa elevada até mesmo para aqueles que possuem um maior nível de escolaridade. Essas informações deixam nítido que o problema colocado é estrutural, ou seja, atinge todas as faixas de qualificação, ressaltando-se que a única faixa de maior escolaridade (superior completo) exerce atividades não necessariamente condizentes com o grau de formação, o que denota o problema da qualidade do emprego gerado na economia.

Gráfico 2 – Taxa de Desocupação por Faixa Etária – Brasil (3°T 2018 / 3°T 2019)

Fonte: SIDRA/ PNAD-C/ IBGE (2019)

A taxa de desocupação por faixa etária demonstrada no gráfico acima, denota o gravíssimo problema de desocupação entre a juventude, destaque nos grupos de faixa etária entre 18 a 24 anos que atinge um quarto (25%) da população sem ocupação para todas as regiões. Um ponto a ser ressaltado nesse aspecto é que ao evidenciarmos uma alta taxa de desocupação para um grupo que espera-se uma ativa participação no mercado, temos um forte indício de uma economia de baixo crescimento de postos de trabalhos para as gerações que estão em busca do primeiro emprego ou procurando atuar na sua área de formação após o ensino superior, esse cenário não só restringi a entrada desse grupo na força de trabalho ativa por conta da falta de oportunidades, mas também ressalta as dificuldades mais comuns percebidas por esse grupo: seja pela falta de experiência profissional ou da resistência das empresas na contratação de jovens. Nos grupos etários de 25 a 39 anos e de 40 a 49 anos, houve pequena redução nas taxas em comparação ao trimestre de 2018, mas novamente retorna-se a magnitude do problema ao associarmos o percentual desses dois grupos temos um relevante somatório de desocupados que reflete a situação de desempregados que gira em torno de 13 milhões de brasileiros.

A SUBUTILIZAÇÃO COMO FENÔMENO DE RIGIDEZ DA INFORMALIDADE

A Taxa Composta da subutilização da Força de Trabalho é a divisão da subutilização da força de trabalho (subocupados por insuficiência de horas desocupados força de trabalho potencial) pela Força de Trabalho Ampliada (número de ocupados de desocupados força de trabalho potencial). Esta taxa é “um conceito construído para complementar o monitoramento do mercado de trabalho, além da medida de desocupação (unemployment), que tem como objetivo fornecer a melhor estimativa possível da demanda por trabalho em ocupação (employment)”, segundo a Nota Técnica 02/2016 do IBGE. Para que tenhamos um cenário mais amplo sobre as precárias condições de ocupação do povo brasileiro, soma-se, ainda, a estas categorias, a população compreendida pelo conceito de Desalentados (que consiste na população que desistiu de procurar por emprego e que, portanto, encontra-se fora da força de trabalho).

Quando se compara o terceiro trimestre de 2019 com o terceiro trimestre de 2018, a taxa composta de subutilização da força de trabalho apresenta pouca variação, se mantendo em um patamar elevado em todas as esferas analisadas. No Brasil, esta taxa teve uma diminuição de apenas 0,1% ao comparar os dois períodos, assim em termos absolutos temos hoje no Brasil aproximadamente 27,4 milhões de pessoas que se encontram em condições subutilizadas, com pequena alteração em relação ao segundo trimestre de 2019 (menos 950 mil pessoas ou 3,1%), porém ainda superior ao volume de trabalhadores subutilizados do 3° trimestre de 2018 (mais 279 mil).

Gráfico 3- Taxa Composta de Subutilização por Sexo (em %)

Fonte: SIDRA/ PNAD-C/ IBGE (2019)

Observa-se no gráfico acima que as mulheres são mais afetadas pela subutilização do que a população masculina. No terceiro trimestre de 2019 houve um pequeno crescimento na taxa de subutilização na mão de obra feminina no Brasil, passando de 28,6% para 29,9%, denotando o maior impacto das condições precárias de trabalho sobre a força de trabalho feminina.

Gráfico 4 – Taxa composta de Subutilização por Faixa Etária (em%)

Fonte: SIDRA/ PNAD-C/ IBGE (2019)

Para diferentes faixas etárias, constata-se que a população mais jovem, a exemplo dos números de desocupação, é a mais afetada pela subutilização de mão de obra. Entre os jovens de 14 a 17 anos, conforme o gráfico acima, esta taxa foi superior a 60%, no terceiro trimestre de 2018, sendo que no terceiro trimestre de 2019 houve uma pequena elevação da subutilização desta faixa etária de 0,8% no país. A população com idade superior a 40 anos é a menos afetada pela subutilização, apresentando uma taxa inferior a 20%.

Estas elevadas taxas de subutilização demonstram que está faltando trabalho para grande parte da população, isto é, o atual fluxo de criação de postos de trabalho não consegue suprir a demanda por emprego. Pode-se concluir a partir dos dados que as mulheres e os jovens são os mais afetados pela subutilização da força de trabalho, em todas as esferas analisadas. Sendo que uma consequência desta forma social do mercado de trabalho é que a busca por formas de ocupação mas mais variadas e precárias constituem a tônica deste Brasil de início da segunda década do século XXI, algo nada auspicioso.

Gráfico 5 – Taxa de Desalento(em %)

Fonte: SIDRA/ PNAD-C/ IBGE (2019)

A Taxa de Desalento denota a condição de desistência, por diversos motivos, da procura de emprego pelo trabalhador – principalmente pelo tempo de busca e dificuldade de intermediação – condição em que o trabalhador passa a acreditar que não encontrará vaga. Ao analisarmos as condições do Brasil pouco altera-se a taxa nacional. Essa baixa diminuição da taxa para o país está interligada à não alteração geral dos fatores macroeconômicos que produziriam uma maior atração ou retorno desta força de trabalho na busca por ocupação. Dois elementos devem ser aqui assinalados: i) a taxa de desalento é muito rígida, pois uma nova colocação de trabalhadores desalentados exige uma taxa de crescimento econômico mais forte e sustentável no tempo que os pequenos movimentos sazonais ocorridos; ii) uma parcela dos trabalhadores desalentados cumpre “bicos” ou atividades não regulares, somando-se ao volume de trabalhadores subutilizados.

Considerando-se as duas taxas expostas (taxa composta de subutilização e a taxa de desalento) podemos enfim ter uma perspectiva mais consistente sobre o tamanho do problema do desemprego. A primeira constatação a partir dos dados acima é a de que, embora a taxa de desocupação oscile em torno de um mesmo patamar no período representado, tanto a população subocupada por insuficiência de horas trabalhadas, quanto a força de trabalho potencial e os desalentados definem trajetórias alarmantes, encontrando-se, atualmente, para o Brasil nos mais altos níveis já medidos em toda a série histórica da PNAD. Somados todos esses indicadores, temos um total de mais de 35 milhões de brasileiros em idade de trabalhar, mas que ou não conseguem emprego, ou não trabalham tanto quanto gostariam ou, ainda, estão fora da força de trabalho (seja por que não têm como assumir um emprego, ou por que desistiram de procurar por emprego).

Gráfico 6 – Taxa de Trabalhadores por Conta Própria

Fonte: SIDRA/ PNAD-C/ IBGE (2019)

Classifica-se trabalhador por conta própria o indivíduo que trabalha explorando sua própria força de trabalho, sozinho ou com sócio, sem ter empregado e contando, ou não, com ajuda de trabalhador não remunerado de membro da unidade domiciliar em que reside. Observa-se uma tendência crescente nos trimestres de 2018 com uma leve queda no primeiro trimestre de 2019 voltando a crescer em movimento contínuo nos trimestres seguintes de 2019. Estabelecendo uma comparação do terceiro trimestre de 2018 com o terceiro trimestre de 2019 o trabalho por conta própria aumentou em 4,15%. A flexibilização do trabalho através de terceirizações, subcontratações e consequente “pejotização” do trabalhador torna algumas atividades promissoras e atraentes fazendo o trabalhador fugir de trabalhos assalariados, realizando atividades por conta própria fortalecendo essa atividade como uma saída diante da completa insegurança que lhe é apresentada.

Gráfico 7 – Taxa de Informalidade (Brasil)

Fonte: SIDRA/ PNAD-C/ IBGE (2019)

Por fim a taxa de informalidade busca evidenciar aqueles trabalhadores que não estão inseridos regularmente no mercado de trabalho, muitas vezes tendo que suportar altas jornadas de trabalho em situações insalubres e, além disso, um baixo rendimento médio se comparado com os trabalhadores que possuem carteira assinada ou trabalhadores estatutários. A taxa de informalidade resulta da razão entre a soma de formas precárias ou não formais de ocupação (empregado no setor privado sem carteira de trabalho assinada; trabalhador doméstico sem carteira de trabalho assinada; empregado no setor público sem carteira de trabalho assinada; conta própria e trabalhador familiar auxiliar) e população ocupada total. Pode-se notar a tendência crescente e recorrente ao longo dos últimos anos, evidenciando uma conjuntura de desemprego onde os indivíduos buscam tentar garantir sua subsistência em outras atividades empregatícias sem vínculo formal.

Os resultados obtidos refletem, de um lado a dinâmica de desemprego no setor formal da economia, que leva a um crescente número de trabalhadores por conta própria, componente da informalidade; por outro, as recentes reformas adotadas pelo governo federal acentuaram esta tendência, produzindo estimulo a permanência de uma parcela dos trabalhadores que antes buscaria se colocar no mercado de trabalho como celetistas mas que agora não apresenta mais estimulo para isso, por outro o quadro geral é de gigantesca precarização das relações de trabalho e de forte tendência de permanência de uma economia de baixa geração de empregos com alguma qualidade (melhores rendimentos e qualidade de emprego) e de intensificação de formas informais de ocupação.

José Raimundo Trindade é Coordenador do OPAMET e professor da UFPA.

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