Textos reunidos na 12ª edição do Democracia e Direitos Fundamentais incorpora parte de uma ampla discussão que abarca as distintas implicações do trabalho por plataforma.
Julice Salvagni
Fonte: DDF
Data original da publicação: 17/11/2022
No Brasil, a reforma trabalhista de 2017 fui substancial para a sustentação do modelo de trabalho das plataformas digitais, tecnologias em ascensão nos mais diferentes setores. Isentas de responsabilidades ou garantias de direitos, as plataformas têm sido um dos recursos para consolidação dos modos de trabalho informal dentro de aparente legalidade. Não se trata de dizer que as plataformas inauguram a informalidade no país, já que a economia dos ‘bicos’ é uma realidade histórica, ainda que em boa parte das vezes não houvesse atravessadores. No caso das plataformas, além da precarização ser ampliada e acentuada, há também uma lógica de apropriação do valor do trabalho humano, que sob o pretexto da intermediação, faz com que elas consigam se desviar das responsabilidades trabalhistas, conforme asseguradas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Ainda que essas plataformas operem de modo internacional, elas não atuam como a mesma intensidade ao redor do mundo. O projeto de pesquisa-ação chamado Fairwork, que é coordenado por Oxford, tem mapeado as condições de trabalho por plataforma em mais de 40 países e constatou que o Brasil está entre os piores indicadores quando observados os princípios constitutivos do trabalho decente. Para inferir sobre essas condições, analisou-se as formas de remuneração, os contratos, as condições que mitiga riscos da tarefa e segurança, os aspectos de gestão (especialmente em relação às gênero, raça e etnia) e, por fim, as possibilidades de representação e organização coletiva. Cabe salientar que essas plataformas estão crescendo no mundo inteiro, não apenas no setor de transportes e de serviços de entregas, que são os mais conhecidos, mas em uma série de outras atividades com ênfase nas áreas da educação, saúde e cuidado, serviços geais, além dos microtrabalhos, que são os ‘trabalhos em nuvens’, feitos a partir de casa.
Diante desse cenário, é urgente pensar em formas de regulamentação do trabalho por plataforma que sejam efetivamente protetivas. Há múltiplos projetos em circulação, sendo que muitos deles interessam unicamente às próprias plataformas, forjando falsas instância de segurança que, na verdade, tem fins majoritariamente arrecadatórios. Sublinha-se que luta por uma regulamentação deve, minimamente, comtemplar os princípios do trabalho decente. Defende-se, ainda, que esse debate deve envolver diferentes atores sociais, sobretudo os grupos organizados de trabalhadores, formalizados ou não, em sindicatos, associações e coletivos. Por fim, destaca-se a importância dos incentivos públicos ao fomento do cooperativismo de plataforma, para que sejam ampliados os diferentes modelos associativistas que englobam a chamada ‘outra economia’.
Partindo da premissa da irreversibilidade da tecnologia, que, aliás, pode ser lida como um facilitador da vida em sociedade, o debate sobre a plataformização do trabalho deve mensurar as entrelinhas de mais um processo produtivo do capitalismo e suas antigas formas de exploração, que agora se apresentam sob o disfarce do “novo”. Assim, o conjunto de textos reunidos na 12ª edição do Democracia e Direitos Fundamentais, incorpora parte de uma ampla discussão que abarca as distintas implicações do trabalho por plataforma. Contemplando o aprofundamento de múltiplos aspectos sobre o tema, se trata de um conjunto seleto e provocativo de estudos, feitos por consagrados pesquisadores, que deverão contribuir ao desafiador debate acerca dos rumos do trabalho por plataforma no país.
Confira os textos aqui.
Julice Salvagni é professora do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e do Departamento de Ciências Administrativas da UFRGS. Também é integrante do Fairwork Brasil.