A organização e defesa dos direitos trabalhistas encontra, em contrapartida, um sistema econômico que exige mais trabalhadores desprotegidos para avançar.
Álvaro Ruiz
Fonte: El Destape
Tradução: DMT
Data original da publicação: 04/05/2019
As crises econômicas não são causadas pela proteção do trabalho, nem podem encontrar uma saída para a desregulamentação das instituições tutelares do Sistema de Relações Trabalhistas que apenas causam uma maior precarização e redução do emprego. Pelo contrário, em circunstâncias semelhantes, é imperativo reforçar dispositivos de proteção neutralizar suas consequências, promovendo justiça e paz social.
O tempo passa
A sangrenta Primeira Guerra Mundial – sua denominação fiel a uma reducionista visão eurocêntrica – promoveu em 1919 (Tratado de Versalhes) a constituição de uma Organização Internacional que fosse capaz de evitar outra conflagração dessa natureza: a Liga das Nações, de breve e mal sucedida existência. Em menos de 20 anos outra experiência de tanta ou maior magnitude foi constatada, a Segunda Guerra Mundial.
Em 1945, a Organização das Nações Unidas (ONU) foi criada como um substituto com concepções semelhantes, bem como em uma comum hegemonia dos países centrais e cuja avaliação excede os propósitos desta nota, mas que é necessário pelo menos enfatizar que basicamente ratificou as posições dominantes em detrimento dos Estados e das Nações com menor desenvolvimento, alto grau de dependência e escasso poder militar, as quais, ao longo do tempo, foram identificadas como pertencentes ao Terceiro Mundo.
Um único organismo sobreviveu àquela primeira iniciativa multilateral, tornando-se parte da nova, a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Este fato único não é menos relevante do que outro que realmente o caracteriza: é o único no quadro da ONU com composição tripartite, uma vez que é constituído pelos Estados-Membros, juntamente com as Representações – em cada uma delas – dos trabalhadores e empregadores.
O Preâmbulo da Constituição da OIT afirma: “Considerando que a paz universal e permanente só pode ser baseada na justiça social; Considerando que existem condições de trabalho que implicam tal grau de injustiça, miséria e privação para um grande número de seres humanos, que o descontentamento causado constitui uma ameaça à paz e harmonia universal; e considerando que é urgente melhorar essas condições…”
Sua atividade é expressa em diferentes funções e instâncias orgânicas, embora ganhe especial atenção a sanção de Centenas de Convenções e Recomendações – de livre adesão – que resultam da Conferência anual que reúne as três representações e que vêm dos consensos alcançados.
Em 1998, a OIT formulou uma Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho (liberdade de associação, liberdade sindical e direito à negociação coletiva; eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou compulsório; abolição efetiva do trabalho infantil; eliminação de discriminação no emprego e na ocupação), que considerou integradora de sua Constituição e imperativa para todos os Estados-Membros, para além de terem ou não aderido a cada um dos respectivos Acordos.
Sem prejuízo da importância de que a tais direitos cabe reconhecê-los, o certo é que a enunciação é concisa, levando em conta a evolução do Direito Internacional dos Direitos Humanos e o amplo espectro que abrange o normativo emanado desse Organismo da ONU.
Na mesma linha de pensamento, deve notar-se que até agora não foi possível sancionar uma Convenção específica sobre o Direito de Greve, que já contava em 1947 e 1948 com iniciativas concretas com tal intenção; e o que é ainda mais grave é que por vários anos as Representações dos Empregadores (acompanhadas por muitos Estados) tentaram colocar em debate a validade desse direito básico dos trabalhadores e suas organizações sindicais, contornando inumeráveis pronunciamentos de órgãos da OIT que o reconhecem. Como também a normativa que consagra a liberdade sindical – entre outras, a contida na Convenção Nº 87 do ano de 1948 – e que participa indiscutivelmente da proteção da autoproteção dos sindicatos, que não poderiam ser concebidas sem a proteção das ações de confrontação coletivo, onde a greve é sua expressão por excelência.
O que não acontece é a rejeição da proteção trabalhista
A história dos direitos sociais, e no que nos interessa aqui sobre os direitos trabalhistas, esteve longe de reconhecer uma evolução linear e permanente, mas que registra marchas e contramarcas que revelam o papel determinante do Movimento dos Trabalhadores e dos próprios Estados quando seus governos implementam políticas que incentivam e acompanham os ganhos progressivos de maiores e melhores direitos para os trabalhadores.
O Neoliberalismo representa a forma mais dura e desumanizada do Capitalismo, ampliada em sua atual manifestação sustentada em uma matriz de acumulação financeira que prevalece sobre qualquer alternativa produtiva. A tal ponto, que nem sequer se importa demonstrar qualquer apego às concepções teóricas liberais fundadas na fraternidade, igualdade e liberdades civis, nem às proclamadas virtudes do livre mercado em termos de suas potencialidades redistributivas e de equidade no esforço compartilhado dos cidadãos.
Tanto é assim, que não se identifica com a promoção institucional republicana e democrática que a doutrina liberal reivindicava como dogma, mas que se apresenta como o principal antagonista e detrator de qualquer expressão dessa natureza.
Por certo, o neoliberalismo conta com importantes fábricas de produção de doutrinas econômicas para muni-lo de uma racionalidade cientificista aparente, o apresentando como o único caminho para o desenvolvimento das Nações e fundamentando a rejeição explícita de expressões políticas de raízes nacionais e populares às quais ele insulta com o apelido de “populistas”.
Em diferentes campos essas doutrinas têm seus correspondentes, como ocorre no Direito do Trabalho. Na medida em que é frequente que se expresse como o necessário acompanhamento do desenvolvimento das relações de produção, atravessadas por fenômenos como a transnacionalização ou a globalização; das exigências de novas formas de organização do trabalho; das próprias demandas de uma maior elasticidade e autonomia das pessoas que trabalham; de um imperativo da época, da pós-modernidade que exige tanto novas regulações, quanto profundas desregulamentações normativas.
A atualização de uma disciplina jurídica é comum a todos e indiscutível, considerando a lei em geral como um computador social que deve acompanhar as transformações que estão ocorrendo. O que não pode significar, é que consista apenas de um eufemismo com o propósito de privá-la de sua função, significado e essência. Diante de relações assimétricas, como as que existem entre o Trabalho e o Capital, o surgimento – já centenário – do Direito do Trabalho visava proporcionar-lhes maior equidade, gerando normativamente outras desigualdades em favor dos trabalhadores – e suas organizações sindicais – que lhes forneceram maior equilíbrio.
As doutrinas neoliberais propiciam uma inversão de valores, substituindo o trabalhador pelo empregador como centralidade tutelar, bem como o trabalho humano protegido pela competitividade e produtividade da empresa, o que implica uma absoluta distorção do Direito do Trabalho e na sua desconfiguração como tal.
Outras vozes desmentem o “modernismo” apócrifo
Na cidade de Tucumán, nos dias 2 e 3 de maio, realizou-se um Congresso Internacional (“A proteção do trabalho 100 anos após a criação da OIT”), cujos organizadores foram a Associação de Advogados Trabalhistas de Tucumán, a Associação Latino-Americana de Juízes do Trabalho, a Associação Ibero-Americana de Direito do Trabalho e da Previdência Social, e a própria OIT através do seu escritório na Argentina.
O importante encontro acadêmico incluiu, entre os palestrantes, figuras proeminentes do Direito do Trabalho, renomados professores de diferentes Universidades, magistrados da Justiça Nacional e de Tribunais Regionais do Trabalho, profissionais especializados na área, personalidades internacionais (da Bolívia, Brasil, Chile, El Salvador, Espanha e Guatemala) e o Diretor do Escritório da OIT.
A pauta abordou questões relacionadas às relações individuais e à previdência social (fronteiras do Direito do Trabalho, prevenção e reparação dos riscos do Trabalho, o trabalhador como cidadão da empresa, questões atuais da Previdência Social), além de aspectos estruturais do Sistema de Relações do Trabalho (proteção ao Emprego, acesso à Justiça do Trabalho como direito fundamental, desafios do Direito Coletivo do Trabalho).
Das exposições surgiram coincidências notórias, tanto no diagnóstico crítico das políticas de deslaboralización das relações de trabalho, quanto da crescente precariedade decorrente dos processos de flexibilização impulsionados pelas reformas normativas e também constatadas – de fato – como emergentes do aumento do desemprego, o aumento das situações de trabalho informal e a ausência de controles por parte do Estado.
Em particular, foi apontada a interferência pró-empresarial das autoridades trabalhistas no desenvolvimento dos sindicatos, com singular incidência em sua vida interna, mas também pelas limitações impostas à negociação coletiva. A falta de proteção que sofrem os representantes sindicais nas empresas, como os ativistas sindicais.
Se destacou a falta de aceitação das responsabilidades tutelares próprias dos tribunais do trabalho, que se verifica não só em matéria coletiva, mas também no âmbito individual, pela aceitação passiva de regulamentos contrários aos direitos fundamentais (consagrados na Constituição Nacional e nos Tratados Internacionais de Direitos Humanos) e em face dos abusos causados por novas formas de contratação e ocupação, em especial as decorrentes da intermediação de mão-de-obra (subcontratação, agências de emprego privadas),das tecnologias de informação e comunicação (TICs) ou das plataformas digitais (APP).
Hora de remover a maquiagem
O notável regressão que se vem verificando no mundo do trabalho responde, principalmente, às demandas de maximização de ganhos de capital em detrimento da redução da proteção ao trabalho.
Na prática, as consequências são muitas, diversas e sérias em todas as áreas da vida, não se limitando ao local de trabalho. A falta de trabalho degrada as condições nas quais estão ocupados aqueles que trabalham e afeta sua saúde, o que, somado ao flagelo do desemprego, leva ao detrimento da dignidade das pessoas.
A Argentina hoje oferece um dos muitos exemplos da maneira como o neoliberalismo se desdobra, propondo um presente de sacrifícios para combater o desemprego mas que só aponta para a perda dos direitos trabalhistas, com absoluta consciência de sua ineficácia.
As diretrizes básicas dessas políticas exigem: queda no salário e no emprego; uma taxa de desemprego de mais de 15% como disciplinador social e sindical; o esfriamento da economia e a redução do consumo para – supostamente – controlar a taxa de câmbio e a inflação; e uma matriz produtiva baseada no capital financeiro (esquema de agro-exportação, incentivo aos setores primários, desestímulo à indústria e de qualquer projeto de substituição de importações).
Agora, como antes, a rachadura existe, se amplia e se aprofunda, gerando maior pobreza e injustiça social. Mais uma vez, são as trabalhadoras e trabalhadores do Movimento Operário organizado que são chamados a desempenhar um papel fundamental na defesa de seus direitos e conquistas, travando essas políticas. Os acontecimentos da semana passada dão conta da consciência, como da decisão, de assumir tal protagonismo.
Álvaro Ruiz é advogado trabalhista com experiência na assessoria de sindicatos.