O trabalhador está morrendo, dane-se o mercado nervoso

Imagem do filme “Eu, Daniel Blake”, de Ken Loach. Fotografia: Joss Barratt/Entone Group

Na imprensa tradicional preocupada com o patronato, o trabalhador é sempre bicho homem.

Xico Sá

Fonte: Bemdito
Data original da publicação: 05/04/2021

Sou do tempo em que os principais jornais brasileiros tinham até editoria sindical, para cobrir, minimamente, a vida, reivindicações, pensamentos dos trabalhadores e dos servidores públicos. Óbvio que isso não impedia que a linha editorial fosse mais a favor dos patrões, né, afinal de contas o jogo é jogado e o lambari é pescado, assim é a linha na grande imprensa, quem viveu no chão dessa fábrica de salsichas desde muito cedo sabe disso muito mais que esse cronista matuto a suar tintas de manchetes populares.

Sou do tempo presente. E só leio, agorinha mesmo, a mídia tradicional brasileira preocupada com o patronato. Quando tem trabalhador como personagem é o bicho homem já lascado de tudo feito maxixe em cruz, além muito além do lúmpen do lúmpen do proletariado. Tal e qual o homem-gabiru comendo lixo do poema de Manuel Bandeira. Seria um homem ou um bicho?

O mercado está nervoso. Nossa madre. Vixe. Vamos gastar o suor final e salvar essa santa entidade. Fizeram uma reforma trabalhista durante meses e eu não vi – desafio a quem enxerga melhor que meus 8 graus de miopia + astigmatismo – um só líder trabalhista ou operário avulso com direito a opinião nos telejornais das tevês abertas brasileiras. Resultado: lascaram os pobres. De verde e amarelo. Fumo de Arapiraca nos trabalhadores, para usar uma civilizada metáfora nordestina das antigas.

Nesse domingo em que rascunho essa crônica – vocês que a terminem na imaginação -, passei e repassei, de norte a sul, de nordeste a sudeste, tudo quanto é jornal tradicional deste país. Só o Capital fala; o Trabalho cala. Não há um só homem ou uma só mulher representando o trabalho dizendo alguma coisa. 

Havia um empresário bolsonarista do Renova BR falsamente arrependido condenando o Lula e o Ciro na Folha de S. Paulo, havia um banqueiro, no mesmo jornal,  se dizendo arrependidinho cristão do voto no mesmo traste, como se fosse perdoável um cara que se diz de “elite” não estudar uma linha de história e votar em um fascista.

Eis um jornalismo tradicional e esquisito que diz toda hora que o mercado está nervoso e esquece de falar que o trabalhador está morrendo. 

Que tal a gente botar um filtro meio Ken Loach, esse cineasta britânico fodão que tem filmado sobre a precariedade da classe trabalhadora? Estamos lascados e não pense que esse pensamento classe média vai nos salvar da merda. Hoje pertencemos todos ao reino da precariedade.

Xico Sá é escritor, jornalista e autor de Big Jato (Companhia das Letras), entre outros livros.

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