O sindicato precisa deixar de ser corporativista e pensar mais na sociedade, alerta professor Carlos Schmidt

Fotografia: Charles Soveral/DMT

por Charles Soveral

Com pós-graduação na área econômico-social e doutorado em Socioeconomia do Desenvolvimento, além de uma larga militância na esquerda brasileira desde os tempos de estudante, o professor de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Carlos Schmidt, conhecido como Ximitão, vai direto ao ponto e acusa os sindicatos brasileiros de serem corporativistas, classistas demais e despreocupados com o conjunto de mudanças sociais. “O que se quer e o que se precisa hoje é de uma organização de trabalhadores engajada na transformação social, que defenda, sim, seus interesses de classe, mas esteja na luta pela melhoria da qualidade de vida da população como um todo”.

O recado do professor, que também tem trajetória no sindicalismo como membro por diversas direções da Adufrgs Sindical, antiga Associação dos Docentes da UFRGS, aparece com tom de crítica e, ao mesmo tempo, de alerta. Ximitão não tem dúvidas de que a atual forma e desempenho do sindicalismo tendem a estagnar conquistas dos trabalhadores, dar campo ao retrocesso social, além de se dissociar do conjunto da sociedade. “Não dá mais para ficar discutindo apenas o salário da categoria, que é importante, todos nós sabemos, mas não podemos esquecer questões de fundo como, por exemplo, a jornada de trabalho, que virou uma bandeira. Mas qual investimento efetivo para mobilizar os trabalhadores e a sociedade em torno desta questão?”, pergunta.

No sindicalismo do setor público, o professor Carlos Schmidt lembra que há ainda mais desafios. Poucos sindicatos de servidores públicos trabalham a importância social do serviço prestado à população, da finalidade daquele serviço. O sindicalismo docente também peca neste aspecto, segundo ele, com a questão da finalidade do seu trabalho. “Eu estive trabalhando com o pessoal de uma instituição bancária pública aqui no Rio Grande do Sul, na condição de consultor, ajudando a discutir e a pensar um plano de carreira para a categoria e propus inverter a história. Em vez de pensar a carreira que a gente quer, vamos discutir também o papel da instituição. Como é que este banco pode ser público, especialmente na área de fomento onde estas instituições estão muito pouco presentes? Temos como modelo as experiências do crédito assistido, que foram muito bem-sucedidas. Isso pode ser uma oportunidade para os trabalhadores se qualificarem e prestarem um serviço público de alcance para toda a sociedade. Mas a ideia sofre muitas resistências ainda. Parece que ainda precisamos evoluir muito nisso”, relata ele.

Ximitão recomenda, por exemplo, que os professores não deveriam se apegar apenas à pauta de remuneração, mas deveriam discutir também a questão pedagógica, a educação como um todo, até para dar resposta qualificada para a sociedade. Esta falta de disposição de aproveitar o movimento dos trabalhadores para discutir o todo da atividade é algo que se repete e se expõe a cada greve de professores, garante ele. “Aqui na universidade, temos pesquisas reveladoras sobre como investir no todo da educação repercute na vida de toda a sociedade. Isso não é aproveitado pelos sindicatos”, explica Ximitão.

Outro exemplo do professor de Economia vem da própria história do sindicalismo em todo o mundo. Ele lembra que nos Estados Unidos, onde os sindicatos sempre se pautaram pela negociação salarial e horas trabalhadas da força de trabalho, sem envolvimento com as questões sociais e políticas, as condições de vida dos trabalhadores são inferiores às existentes na Europa Ocidental, onde o sindicalismo sempre teve um cunho ideológico, seja comunista, social-democrata, social-cristão ou até mesmo fascista, em alguns casos. “Em termos de resultado financeiro, os trabalhadores norte-americanos até têm melhor remuneração, mas as condições de vida dos trabalhadores europeus são muito superiores. Isto é fruto desta associação de postura sindical com uma visão mais societária, envolvendo políticas públicas nas relações de trabalho, que não se limitam ao salário, mas exigem atenção social, saúde, educação, etc.”.

Na Europa, a construção dos direitos do trabalhador, em decorrência desta visão mais politizada das organizações, consolidou uma situação completamente diferente dos Estados Unidos e que, segundo o professor Ximitão, marca uma diferença significativa na qualidade de vida da população que deveria ser observada pelas lideranças dos trabalhadores brasileiros. “Mesmo sem emprego, o trabalhador europeu desfrutou de níveis de proteção, como seguro-desemprego e outros mecanismos, que deram ao trabalhador a oportunidade de vencer os momentos de crise.”. Ele explica que estes exemplos que ele cita são para que os sindicatos tenham referências mais amplas sobre o tipo de sociedade que querem para o Brasil e justifica afirmando que “é preciso articular interesses cotidianos com interesses históricos”.

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