O sindicalismo brasileiro diante do golpe

Se CUT, CTB e Intersindical tiveram papel importante na articulação de uma frente de resistência contra o golpe, o movimento sindical pouco mobilizou suas bases em torno do ‘Não vai ter golpe’ e ‘Fora Temer’. Consolidada a deposição de Dilma, porém, os diferentes segmentos, inclusive PT e CSP-Conlutas, passaram a assumir a bandeira das Diretas-Já.

Andréia Galvão

Fonte: Brasil Debate
Data original da publicação: 21/09/2016

O Brasil vive hoje em meio a uma dupla crise, econômica e política, que repercute negativamente sobre as condições de trabalho e de vida das classes populares. A crise econômica afetou o crescimento do PIB, que caiu 3,8% de 2015 em relação ao ano anterior. O desemprego passou de 6,5% no último trimestre de 2014 a 11,6% no trimestre encerrado em julho de 2016. A informalidade, que vinha numa trajetória de queda até 2013, também aumentou.

A esse cenário econômico negativo para os trabalhadores, soma-se, desde a reeleição da presidente Dilma Rousseff em 2014, um período de instabilidade política que, graças ao apoio decisivo da mídia e do Judiciário, culminou num golpe institucional perpetrado pelo Congresso Nacional.

Com o impeachment da presidente Dilma, uma série de ameaças a direitos sociais e trabalhistas vem sendo anunciadas. O programa de governo “Uma Ponte para o Futuro” retoma a agenda neoliberal dos anos 1990, propondo, dentre outras medidas, a derrogação da lei pela negociação coletiva, a ampliação da terceirização para todos os tipos de atividade e uma nova reforma da previdência, que pretende instituir a idade mínima de 65 anos para a aposentadoria de homens e mulheres e acabar com a indexação dos benefícios previdenciários pelo salário mínimo.

É certo que muitas das medidas ora propostas foram colocadas em discussão já no governo Dilma, de modo que não são fruto do golpe, mas das contradições e tensões que marcaram os governos do PT. Porém, num governo ilegítimo, aumentam as possibilidades de se aprofundar o retrocesso social.

Como os sindicatos se inserem nessa conjuntura? De que maneira são afetados e intervêm na crise?

1.O movimento sindical nos governos do PT

Os governos do PT foram sustentados por uma ampla, porém heterogênea, coalizão político-partidária que incluía, de um lado, partidos de centro e de direita, bem como setores da burguesia e, de outro, sindicatos e movimentos sociais. As 6 centrais sindicais oficialmente reconhecidas, dentre as quais as mais importantes são CUT e Força Sindical (FS), apoiaram, até 2013, o governo Dilma. Esse apoio não garantia o atendimento das demandas sindicais, tampouco impedia a implementação de políticas desfavoráveis aos trabalhadores, mas tornava o quadro mais complexo. Algumas conquistas pontuais, como a valorização do salário mínimo, associada aos indicadores positivos do mercado de trabalho e aos resultados obtidos pela via da negociação coletiva e das greves justificavam a posição sindical.

Esse apoio levou a uma moderação política na cúpula do movimento sindical, que optou por investir prioritariamente nos espaços de atuação institucional para apresentar suas demandas, que buscavam aperfeiçoar o modelo de desenvolvimento adotado pelo governo. Uma exceção a esse posicionamento foi a estratégia adotada pelas minoritárias CSP-Conlutas e Intersindical, que apontavam as contradições e os limites do projeto neodesenvolvimentista.

Ainda assim, os sindicatos protagonizaram importantes conflitos motivados, sobretudo, por questões de natureza salarial. Os dados do Dieese mostram que desde 2008 há uma tendência de aumento do número de greves. Mobilizações em torno de reivindicações mais abrangentes também ocorreram, mas em menor intensidade. Isso fica evidente quando comparamos as marchas nacionais “da classe trabalhadora”, realizadas entre 2004 e 2014 em defesa do aumento do salário mínimo e de direitos sociais, com as manifestações de junho de 2013.

Quando se trata de resistir a ataques, porém, as centrais conseguem mobilizar um contingente mais amplo de trabalhadores e construir um movimento mais unitário, envolvendo também a esquerda sindical. Esse foi o caso das duas manifestações contrárias ao projeto de ampliação da terceirização aprovado pela Câmara dos Deputados em 2015, nas quais a FS foi a única ausente.

Com exceção da FS, que apoiou o candidato do PSDB, as centrais oficialmente reconhecidas (a despeito de algumas dissidências internas) e os mais importantes movimentos sociais apoiaram Dilma nas eleições de 2014. Apesar desse apoio ter sido decisivo para assegurar sua reeleição, Dilma optou por enfrentar a crise econômica e política por meio do ajuste fiscal e de um programa centrado na austeridade, contrariando o compromisso assumido no discurso de posse de seu segundo mandato: “nenhum direito a menos”.

Essa opção abalou a relação dos movimentos sociais com o governo e lhe custou a perda de uma parcela significativa de apoio popular. As críticas sindicais ao governo Dilma se intensificaram, mas a iminência do golpe levou a um realinhamento das posições sustentadas pelas centrais.

2.A consumação do golpe

Os sindicatos não tiveram uma participação de peso nas manifestações pelo impeachment. Porém, a FS, a despeito da posição contrária de alguns de seus dirigentes, aderiu ao movimento pela destituição de Dilma e seu presidente, o deputado federal Paulinho, desempenhou um papel de destaque na frente parlamentar que viabilizou esse processo.

Com o agravamento da crise política em 2015, uma parte da oposição de esquerda se reaproximou dos movimentos mais próximos do PT em nome da defesa da democracia, o que deu origem à Frente Brasil Popular, integrada por CUT, CTB, MST, entre outros, e à Frente Povo sem medo, composta por CUT, CTB, Intersindical, MTST. A CSP-Conlutas, por sua vez, não integra nenhuma dessas frentes, considerando que a defesa das instituições democráticas não passava de pretexto para a defesa do governo Dilma. Assim, ela organizou suas próprias manifestações, pronunciando-se ao mesmo tempo contra o governo e contra a oposição de direita, assumindo a bandeira do “que se vayan todos”.

As centrais sindicais se dividem ainda diante de duas outras questões: a relação a ser estabelecida com o governo Temer e a posição sobre a antecipação das eleições presidenciais. Enquanto os setores sindicais mais à esquerda recusam-se a negociar com o governo por não reconhecer sua legitimidade, os setores sindicais mais à direita (além da FS, a CSB, a NCST e a UGT) aceitaram negociar a reforma da previdência, dispondo-se também a apresentar a Temer suas propostas de mudança na política econômica.

Além disso, as centrais vêm negociando uma lei para instituir a taxa negocial como contrapartida dos serviços prestados por ocasião da negociação coletiva. Embora essa taxa já exista, há questionamentos na Justiça sobre a validade de sua extensão aos não sindicalizados. Com a lei, os sindicatos poderão efetuar a cobrança sobre todos os trabalhadores de sua base, e não apenas sobre os sindicalizados, o que aumentará o montante de recursos financeiros assegurados pelo Estado aos sindicatos e às centrais sindicais. A aprovação dessa lei poderá garantir o apoio de uma parcela do movimento sindical ao governo Temer.

Por outro lado, se CUT, CTB e Intersindical tiveram um papel importante na articulação de uma frente de resistência contra o golpe, o movimento sindical pouco mobilizou suas bases em torno das palavras de ordem “Não vai ter golpe” e “Fora Temer”. É certo que havia balões, stands e panfletos das centrais nas manifestações, e que seus dirigentes tomavam a palavra nos carros de som, mas o grosso dos manifestantes provinha de outros movimentos sociais, como o MST, o MTST e movimentos de mulheres, de quem Dilma se aproximou nos meses em que procurou defender seu mandato.

A ausência de uma estratégia unificada dificulta as possibilidades de luta. As centrais e movimentos sociais que integram as duas frentes contra o golpe se dividiram diante da proposta de plebiscito. Enquanto a CTB e o MTST consideravam que a realização de eleições seria uma forma de resolver a crise restituindo a soberania popular, CUT e MST se opunham ao plebiscito por entender que novas eleições legitimariam o golpe.

O próprio PT recusou a proposta de plebiscito, mas tampouco se empenhou em organizar seus militantes na defesa do retorno de Dilma, talvez apostando no desgaste de Temer e na possibilidade de voltar ao poder nas eleições de 2018. Consolidada a deposição de Dilma, esses diferentes segmentos, inclusive o PT e a CSP-Conlutas, passaram a assumir a bandeira das Diretas-Já. Resta saber se essa bandeira comum levará à constituição de uma ampla frente de esquerda e em torno de qual projeto político essa frente, uma vez constituída, se viabilizará.

Embora não tenham sido suficientes para barrar o golpe contra a democracia, as manifestações de rua se intensificaram, especialmente à medida que a ofensiva do governo e do patronato sobre os direitos sociais e trabalhistas ficam mais evidentes. Ao contrário do anunciado quando da admissibilidade do processo de impeachment, as centrais sindicais não convocaram nenhuma greve geral contra o golpe. O anúncio de um Dia Nacional de Paralisação no dia 22 de setembro foi um sinal de que uma greve geral pode vir a ocorrer, o que colocará a resistência sindical e popular em outro patamar.

Andréia Galvão é professora do Departamento de Ciência Política da Unicamp e editora da Revista Crítica Marxista.

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